Carlos Madeiro
Especial para o UOL Notícias
Em Maceió
Com quase um terço da população sem possuir o registro civil de nascimento,
Alagoas lançou um projeto-piloto para tentar reduzir o índice alarmante de
sub-registro (denominação dada pelo IBGE aos cidadãos que não possuem
certidão de nascimento). Nesta quarta-feira (20), um cartório foi inaugurado
dentro do Hospital São Rafael, que abriga uma das maiores maternidades
públicas de Maceió. A meta do governo estadual é instalar outras 25 unidades
dentro das maiores maternidades do Estado, sendo cinco delas na capital e 20
no interior.
Pequena cidadã
![](alagoas_inaugura_primeiro_cartorio_dentro_de_uma_maternidade_21_05_2009_01.jpg)
Sandrielly Delmiro da Silva,
nascida na tarde de ontem, foi a primeira criança registrada pelo novo
cartório. A certidão de nascimento foi entregue na enfermaria onde está
internada a mãe dela, Jacicleide Zufino da Silva, pela presidente do
Tribunal de Justiça de Alagoas
Em Alagoas, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatísticas), o número de pessoas sem certidão de nascimento atinge 30,3%
dos nascidos vivos. O índice é quase três vezes maior que a média nacional
de 12,2%. Os dados são referentes ao ano de 2007.
O número também é elevado se comparado à média dos Estados do Nordeste, que
ficou em 21,7%. Os três Estados que fazem divisa com Alagoas - Pernambuco
(21,4%), Sergipe (23,8%) e Bahia (24,5%) - apresentam números também menores
que os registrados em Alagoas. No Paraná, onde é encontrada a menor taxa do
Brasil, esse índice não passa de 0,6%.
Sem a certidão de nascimento, o cidadão fica sem direito a qualquer
documento e não pode ter acesso às políticas públicas, como o ensino,
atendimento médico ou programas sociais, como o Bolsa Família. "Na prática,
ela deixa de ser cidadã, pois não tem acesso a nenhum serviço público, não
vota. Ela sequer existe para o poder público", explica o advogado César
Galvão.
A ideia de levar o cartório à maternidade faz parte do Programa "Meu
Registro, Minha Cidadania", que inclui um conjunto de ações para erradicar o
sub-registro de nascimento em Alagoas. Um Comitê Gestor pela Erradicação do
Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do acesso à Documentação Básica
foi criado há dois meses para definir políticas públicas para reduzir esse
índice.
O cartório inaugurado hoje deve atender apenas às mães que tiverem os filhos
na maternidade. Durante o lançamento, a pequena Sandrielly Delmiro da Silva,
nascida na tarde de ontem (19), foi a primeira criança registrada pelo
programa. A certidão de nascimento foi entregue na enfermaria onde está
internada a mãe dela, Jacicleide Zufino da Silva, pela presidente do
Tribunal de Justiça de Alagoas, Elizabeth Carvalho.
Meta é reduzir sub-registro a 5%
A secretária de Estado da Assistência Social e coordenadora do Comitê
Gestor, Solange Jurema, afirma que a meta do Estado é reduzir o índice de
sub-registro para 17,6% ainda este ano e alcançar 5% em 2010. "Essa
instalação de cartórios nas maternidades faz parte de um plano que consiste
em mais duas ações: a realização de 20 mutirões até 2010 nos locais onde os
índices são maiores, e trabalhar diretamente com os municípios, capacitando
os funcionários da assistência social, já que são eles que lidam diretamente
com as pessoas da baixa renda", explica.
Falta de registro civil
![](alagoas_inaugura_primeiro_cartorio_dentro_de_uma_maternidade_21_05_2009_02.jpg)
Segundo ela, um Termo de Compromisso foi firmado em março pelo governador
Teotonio Vilela Filho (PSDB) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Vamos realizar um trabalho em conjunto com os municípios, com várias
secretarias do Estado e com instituições, como o Tribunal de Justiça (TJ).
Será um trabalho integrado", ressaltou Solange.
A secretária ressalta que o índice de 30,3%, apresentado pelo IBGE, é
contestado pelo TJ/AL. "Eles dizem que não deve passar de 20%. Mas acho que
o importante não é discutir qual a taxa, nem devemos ficar olhando para o
passado. Devemos é nos focar para alcançarmos os 5% acordados", afirma.
Cartório é fechado meia hora depois de inaugurado
Embora inaugurado com direito a festa e discursos, bastou as autoridades
deixarem a maternidade e, menos de meia hora depois do lançamento, a
reportagem do UOL encontrou o cartório fechado. Na porta do local nada
indicava para o horário de funcionamento ou mesmo que o local se tratava de
um cartório para atender aos pais dos recém-nascidos - apenas estava colado
um cartaz do programa.
A explicação para o cadeado na grade, segundo a oficial do 6º Distrito de
Registro Civil de Maceió, Maria Rosinete Rodrigues, é que o local só deve
funcionar nos horários de visita da maternidade. "Deve abrir por volta das
9h30 e fechar entre 11h e 11h30. À tarde, devermos abrir por volta das
14h30. Preciso conhecer melhor a realidade dos horários da maternidade para
definir isso", justificou Rodrigues, sem saber precisar a hora exata para
abertura e fechamento do local.
A oficial diz apoiar a iniciativa do governo de abrir cartórios nas
maternidades, mas alega que o registro de nascimento é dado gratuitamente e
os custos com a nova unidade serão bancados pela própria instituição. "Vou
gastar com um funcionário e com o deslocamento da sede do meu cartório até
aqui. O governo não disponibiliza nenhum recurso para cobrir esses custos.
Ainda não avaliei os custos, mas acho que essa é uma ação importante, pois
precisamos reduzir esses índices no nosso Estado", alegou Maria Rosinete,
que será responsável pelo cartório.
"Eu só existo para Deus", diz moradora sem registro
Enquanto o governo se esforça para reduzir o índice de sub-registro, a
população alagoana ainda sofre com a falta de uma certidão de nascimento e
sua consequente "inexistência" para o poder público. No maior bairro de
Maceió, o Benedito Bentes, há milhares de moradores sem registro.
Um exemplo é Maria Soares Barbosa, 44. Ela e três dos quatro filhos não
possuem certidão de nascimento. "Se um deles adoece, não tenho como levar
para o médico. Eu só existo pra Deus, porque para o povo da terra não
existo", lamenta a dona-de-casa.
Com dois filhos, Vilma Bernardino dos Santos alega que os dois filhos não
têm registro porque não tem dinheiro para pagar a passagem de ônibus e ir
até um cartório. O mais velho dos filhos, Matheus, de oito anos, deveria ter
começado a estudar no ano passado. "Meu sonho é registrá-lo e colocá-lo numa
escola. Mas não tive dinheiro para ir buscar o documento", justifica.
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