Agravo de Instrumento - Registro de Imóveis - Exigência do Oficial - Dúvida - Competência

Número do processo: 1.0024.98.123430-5/001(1)
Relator:
PEDRO BERNARDES
Relator do Acordão: PEDRO BERNARDES
Data do Julgamento: 22/04/2008
Data da Publicação: 27/05/2008

Inteiro Teor:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - REGISTRO DE IMÓVEIS - EXIGÊNCIA DO OFICIAL - DÚVIDA - COMPETÊNCIA. 1 - Diante de exigências feitas pelo oficial para o registro, cabe ao apresentante do título requerer o processamento de dúvida inversa face ao Cartório, caso não concorde com as exigências realizadas.2 - Compete ao juiz da vara de registros públicos apreciar dúvida devidamente processada.

AGRAVO N° 1.0024.98.123430-5/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - AGRAVANTE(S): JOÃO ALVES DOS PASSOS JUNIOR E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. PEDRO BERNARDES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO E FAZER RECOMENDAÇÃO.

Belo Horizonte, 22 de abril de 2008.

DES. PEDRO BERNARDES - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. PEDRO BERNARDES:

VOTO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por João Alves dos Passos Júnior e Outra contra a decisão interlocutória (f. 158-TJ) proferida pelo MM. Juiz da 25ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, nos autos da Ação de Usucapião, que indeferiu ordem ao 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Belo Horizonte para que cumprisse o mandado de registro, ao fundamento de que diante das exigências realizadas pelo Oficial, cabe aos agravantes suscitarem dúvida ao Juízo de Registros Públicos.

Os agravantes opuseram embargos declaratórios (ff.163/167-TJ) objetivando o cumprimento do mandado pelo 1º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte. Tal recurso foi conhecido, mas desacolhido, ao fundamento de que os embargos são imprestáveis para o fim de irresignação de ato decisório.

Novos embargos declaratórios foram interpostos (ff. 169/174-TJ), com a mesma finalidade e com o mesmo fundamento foram rejeitados (f. 175-TJ).

Os agravantes, inconformados com a decisão interlocutória já discriminada, em síntese sustentam nas suas razões recursais (ff. 02/14-TJ) que ajuizaram ação de usucapião extraordinário, julgada procedente; que o mandado de registro restou frustrado por negativa dos Cartórios, diante de dúvida quanto à competência para o ato; que esclarecida a competência do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte, este não cumpriu o mandado alegando que o imóvel estava em nome de terceiro; asseverou que o terceiro que indica o Cartório consiste no réu que foi citado; que o Ministério Público entendeu estarem preenchidas as formalidades legais concernentes a citação e defesa dos réus e terceiros; que o Cartório deve cumprir a ordem judicial exarada; que a exigência feita é descabida; que a posição do juízo a quo implica em negativa de prestação jurisdicional.

Tecem outras considerações e, ao final, pedem o provimento do recurso, para que seja determinado o cumprimento do mandado expedido, efetivando o registro do imóvel em nome dos agravantes.

O preparo não foi realizado por estar a parte sob o pálio da assistência judiciária (f. 42-TJ).

No despacho inicial (f. 184-TJ), foi deferido o processamento do recurso, sendo atribuído efeito suspensivo apenas para que os autos não sejam arquivados até o julgamento do agravo.

O Cartório do 1º Registro de Imóveis foi intimado para apresentar resposta (ff. 189 e 191-TJ). O prazo legal transcorreu sem manifestação da parte.

Tendo em vista a natureza do feito, os autos foram encaminhados à procuradoria Geral de Justiça, sendo apresentado parecer constante às ff. 197/201-TJ, no qual entende pela procedência do recurso ao fundamento de que diante de um mandado judicial de registro de imóvel usucapido, cabe ao Cartório apenas cumprir a ordem ou suscitar a dúvida, não sendo possível a mera negativa de cumprimento da ordem judicial.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço o presente recurso.

Como não há preliminares suscitadas, adentro a análise do mérito.

Mérito

Transcreve-se excerto pertinente da decisão objeto de recurso (f. 158-TJ):

Com a prolação da sentença de mérito e expedição de mandado para registro, este juízo Cível cumpriu e esgotou seu ofício jurisdicional.

Destarte, insurgindo-se os Autores contra exigências levantadas pelo Oficial, deverão suscitar dúvida ao Juízo de Registros Públicos (art. 198 da Lei 6.015/73).

Trata-se de ação de usucapião julgada procedente, na qual se procedeu à expedição de mandado para registro da sentença no Cartório do Registro de Imóveis.

O Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Belo Horizonte não cumpriu a ordem judicial, formulando exigências prévias.

Os agravantes insurgem-se quanto à decisão do juízo a quo que declarou ter esgotado sua jurisdição, devendo ser suscitada dúvida ao juízo competente para julgamento das exigências levantadas pelo Cartório.

Compulsando os autos, verifica-se que a pretensão recursal não merece acolhida.

Face à exigência feita por Oficial para que se proceda ao registro do imóvel, dispõe o art. 198 da lei 6.015/73:

"Art. 198 - Havendo exigência a ser satisfeita, o oficial indicá-la-á por escrito. Não se conformando o apresentante com a exigência do oficial, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte:"

Data venia, o entendimento esposado pelo Ministério Público em seu parecer não se coaduna com o preceito normativo supra invocado.

O meio apropriado para a irresignação dos agravantes consiste em dúvida a ser suscitada perante o juízo competente, sendo expresso o dispositivo legal acima transcrito na atribuição ao apresentante de prévio requerimento para que se proceda ao processamento da dúvida.

Neste sentido a lição de Walter Ceneviva (Lei dos Notários e Registradores Comentada. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 179):

"Dúvida define o procedimento administrativo, pelo qual o serventuário submete à decisão judicial, a pedido do interessado, a exigência apresentada por aquele e não satisfeita por este" (destaquei).

"Com efeito, o que existe é um pedido administrativo do apresentante do título dirigido diretamente ao órgão do Estado (cartório imobiliário) encarregado da prestação de um serviço público (registro). O agente público (oficial do registro imobiliário), por sua vez, após o exame completo do título, na hipótese de se deparar com alguma irregularidade, desde que esta seja sanável, pode se negar a prestar esse serviço, desqualificando-o para registro, porém, desde que o faça de forma fundamentada. Neste caso, seguindo a regra estabelecida no caput do art. 198 da LRP, depois de protocolar, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida, emitirá, por escrito, sua nota de devolução, dando ciência do fato ao apresentante, certificando-o acerca da exigência a ser satisfeita para que se aperfeiçoe o registro" (destaquei).

Outrossim, se o Oficial do Cartório não processar a dúvida na forma da Lei, cabe ao interessado apresentar dúvida inversa ao Juízo competente. Embora haja discussão quanto a admissibilidade, visto que a Lei 6.015/73 não a prevê expressamente, não há outra forma de solução.

Nesse sentido:

DÚVIDA INVERSA - PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS.

- A resistência do oficial do Registro de Imóveis, combatida através de Dúvida Inversa, expondo a quebra do princípio da continuidade nos registros, notadamente no fato de que apenas o marido estaria comparecendo como vendedor na escritura de compra e venda de imóvel registrado em nome do casal, não pode deixar de ser acolhida, pois para a efetivação de tal venda seria essencial o comparecimento da esposa também como vendedora ou a efetivação de registro mostrando que a parte da mesma teria ficado com o marido quando da separação judicial do casal, tudo mostrando que antes de tal venda teria de haver o registro da partilha sobre o imóvel que pertencia aos dois.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.00.342180-7/000 - RELATOR: DES. SÉRGIO BRAGA - Data do Julgamento: 18 de setembro de 2003.

REGISTRO DE IMÓVEIS - DÚVIDA INVERSA - ADMISSIBILIDADE.

- Inobstante sua ausência na Lei 6.015/73, é admissível a dúvida inversa, pelo princípio constitucional que inadmite qualquer exclusão de acesso ao Poder Judiciário, por ser irrelevante excesso de tecnicismo na esfera administrativa e, ainda, para possibilitar correção de comportamentos desidiosos e infringentes de Oficiais de Registro - Art. 5º, XXXV, da C.F. - Sentença cassada. Precedentes.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 000.160.208-5/00 - RELATOR: DES. CAMPOS OLIVEIRA - Data do Julgamento: 30 de março de 2000.

Destarte, é atribuição dos agravantes requererem o processamento da dúvida, na forma inversa, se o Cartório não tomou a providência.

A competência para julgar a legitimidade da exigência realizada pelo oficial é apontada pela lei complementar estadual nº 51 de 2001 (com o permissivo do art. 91 do CPC):

"Art. 57 - Compete a Juiz de Vara de Registros Públicos:

I - exercer as atribuições jurisdicionais conferidas aos Juízes de Direito pela legislação concernente aos serviços notariais e de registro".

Neste sentido se posiciona a jurisprudência:

"No juízo da usucapião foram autores as partes cujo registro foi feito em decorrência da procedência do pedido. O fato de um dos autores haver falecido não retira do seu espólio o direito reconhecido no processo. Assim, o juízo da 4ª Vara Cível esgotou a sua jurisdição na medida em que reconheceu a procedência do pedido formulado pelo litisconsorte ativo e determinou o registro. A questão trazida diz respeito à regularidade ou não do ato cartorário. Assim, competente é o Juízo da Vara do Registro Público" (TJMG, CC nº 1.0000.07.455545-9/000, rel. Des. Sebastião Pereira de Souza, DJ 29/02/2008).

"A competência para julgar a dúvida suscitada por Oficial de registro de Imóveis é, na ausência da vara de registro público, do Juiz Diretor do Foro" (TJMG, Apel. nº 1.0384.06.047843-3/001, rel. Des. Albergaria Costa, DJ 06/12/2007).

Trata-se de competência em razão da matéria e, por conseguinte, inderrogável por vontade das partes (art. 111 do CPC).

Aduz Nelson Nery Júnior (Código de Processo Civil Comentado. 7 ed. São Paulo: RT, 2003, p. 510):

"A competência material e funcional são de natureza absoluta, não admitindo prorrogação nem derrogação por vontade das partes, porque ditadas em nome do interesse público. O juiz deve pronunciar ex officio a incompetência absoluta; as partes e os intervenientes podem requer seu exame a qualquer tempo e grau de jurisdição".

Enfatizada a natureza absoluta da competência ora versada, a pretensão recursal não prospera, sendo vedado ao juízo a quo proferir decisão, pois esta seria revestida de nulidade, nos termos do § 2º do art. 113 do CPC.

Deste modo, cabe aos agravantes requerem o processamento da dúvida inversa, que deve ser processada perante a Vara dos Registros Públicos de Belo Horizonte.

Com estas considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo in totum a decisão impugnada.

Custas recursais na forma da lei.

O SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA:

VOTO

De acordo.

O SR. DES. JOSÉ ANTÔNIO BRAGA:

VOTO

Manifesto a minha inteira adesão ao judicioso voto do eminente Desembargador Relator.

A matéria foi brilhantemente decidida pelo juízo singular.

Em razão do tema, que deve ser de conhecimento de todos os julgadores e também dos registradores de imóveis, recomendo a publicação tanto do acórdão quanto da r. decisão monocrática.

É dever do oficial não acolher documento que contrarie as exigências da Lei de Registro Público. Por isso, enfatizo: ainda que decorrente de decisão judicial, o mandado para o registro imobiliário está submetido ao regramento legal.

Sugiro que cópia do acórdão e da r. decisão monocrática também seja enviada por ofício à SERJUS - Associação dos Serventuários de Justiça do Estado de Minas Gerais (Rua Juiz de Fora, 1231 Bairro Stº Agostinho, Belo Horizonte, CEP 30180-061), para divulgação e encaminhamento aos seus associados, como também para publicação no sítio da referida associação na rede mundial de computadores.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO E FIZERAM RECOMENDAÇÃO.

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

AGRAVO Nº 1.0024.98.123430-5/001


Fonte: Site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais - 06/06/2008

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