Ementa: Apelação cível.
Aforamento. Bem público. Escritura. Nulidade. Pedido condicionado à análise
de mérito do ato administrativo que precedeu a transferência de titularidade
do domínio útil. Poder Judiciário. Impossibilidade. Improcedência do pedido.
Sentença mantida.
- A discricionariedade é um poder delimitado previamente pelo legislador; e
este, ao definir determinado ato, intencionalmente deixa um espaço livre
para decisão da Administração Pública, legitimando previamente a sua opção;
e qualquer delas será legal. Daí por que não pode o Poder Judiciário invadir
esse espaço reservado pela lei ao administrador, pois, caso contrário,
estaria substituindo, por seus próprios critérios de escolha, a opção
legítima feita pela autoridade competente com base em razões de oportunidade
e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode decidir diante de cada
caso concreto.
Apelação Cível ndeg. 2.0000.00.484274-8/000 - Comarca de Araguari -
Apelante: Argentina Gomes de Lima - Apelados: Joaquim Rodrigues Ferreira e
outros, Ângela Lima de Araújo - Relator: Des. Mauro Soares de Freitas
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 29 de novembro de 2006. - Mauro Soares de Freitas - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. MAURO SOARES DE FREITAS - Trata-se de apelação interposta por Argentina
Gomes de Lima em face de Joaquim Rodrigues Ferreira e outros contra r.
decisão que julgou improcedente o pedido na ação ordinária de anulação de
escrituras de aforamento, processo administrativo de aforamento e outros
negócios subjacentes.
Inconformada, recorre a autora, afirmando que a análise do feito deve ser
detida à aplicação da legislação municipal de aforamento, acostada aos
autos. Entende que o Julgador primevo se equivocou, pois a Lei 2.103/83
suspendeu a vigência do SS 1º do art. 2º da Lei 1.956/80, lei que deu nova
redação à Lei 1.837/78. Assim, vem afirmar que, com a nova redação da Lei
2.103/83, voltou a vigorar o dispositivo do art. 2º, b, da Lei 1.837/78, que
prescreve ser de relevante interesse social o aforamento quando, por
qualquer forma, estiverem sob o domínio útil do interessado, sem contestação
de terceiros, tudo mediante prova judicial. Afirma, ainda, que não há dúvida
de que desde 1957 detém com seu esposo o domínio útil e pacífico do bem.
Assim, requer a reforma da sentença para que seu pedido seja julgado
procedente.
Contra-razões, às f. 531/543, em que os apelados pugnam pela manutenção do
r. decisum.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.
A matéria discutida nos autos é a respeito da enfiteuse ou aforamento, que,
segundo Hely Lopes Meireles, "é o instituto civil que permite ao
proprietário atribuir a outrem o domínio útil de imóvel, pagando a pessoa
que o adquire (enfiteuta) ao senhorio direto uma pensão ou foro, anual,
certo e invariável (CC/1916, art. 678). Consiste, pois, na transferência do
domínio útil de imóvel público a posse, uso e gozo perpétuos da pessoa que
irá utilizá-lo daí por diante" (Direito administrativo brasileiro, 21. ed.,
Malheiros Editores, p. 445).
A meu ver, o presente caso não reclama solução na discussão acerca das leis
municipais que, à época, autorizaram o aforamento do bem público.
A pretensão autoral, no sentido de anular a escritura pública de aforamento,
exige análise do mérito administrativo, que, embora sujeito ao controle
judicial, é impassível de análise dos critérios de conveniência e
oportunidade.
Dessa forma, vê-se que o pedido da recorrente se encontra camuflado,
transvestido, quando, o que realmente quer é a nulidade do ato
administrativo que ensejou a lavratura de escritura de aforamento.
Sob tal ótica, o pedido é manifestamente improcedente, uma vez que não é
dado ao Judiciário intervir no mérito do ato administrativo.
Nesse sentido:
"Recurso especial. Administrativo. Mandado de segurança. Ato disciplinar.
Exame de seu mérito. Impossibilidade.
Ao Judiciário cabe examinar ato disciplinar apenas sob o prisma de sua
idoneidade, sua motivação, não se permitindo discussão sobre se determinada
sanção é justa ou injusta; adequada ou inadequada, desde que motivada e em
conformidade com a apuração dos fatos. Recurso provido" (STJ, 5ª Turma, REsp
nº 67.075/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. em 03.12.1996, DJ de
03.03.1997).
A respeito do tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito
administrativo, 19. ed., Editora Atlas S.A., p. 227, dispõe o seguinte:
"A distinção entre atos discricionários e atos vinculados tem importância
fundamental no que diz respeito ao controle que o Poder Judiciário sobre
eles exerce.
Com relação aos atos vinculados, não existe restrição, pois, sendo todos os
elementos definidos em lei, caberá ao Judiciário examinar, em todos os seus
aspectos, a conformidade do ato com a lei, para decretar a sua nulidade se
reconhecer que essa conformidade inexistiu.
Com relação aos atos discricionários, o controle judicial é possível, mas
terá que respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que
ela é assegurada à Administração Pública pela lei.
Isto ocorre precisamente pelo fato de ser a discricionariedade um poder
delimitado previamente pelo legislador; este, ao definir determinado ato,
intencionalmente deixa um espaço livre para decisão da Administração
Pública, legitimando previamente a sua opção; qualquer delas será legal. Daí
por que não pode o Poder Judiciário invadir esse espaço reservado, pela lei,
ao administrador, pois, caso contrário, estaria substituindo, por seus
próprios critérios de escolha, a opção legítima feita pela autoridade
competente com base em razões de oportunidade e conveniência que ela, melhor
do que ninguém, pode decidir diante de cada caso concreto".
Portanto, a citação acima colacionada configura exatamente o caso dos autos,
ou seja, não pode o Poder Judiciário adentrar no mérito da validade ou não
do processo administrativo que findou na escritura de aforamento. Assim, se
acatarmos as pretensões da autora, ora recorrente, estaremos adentrando a
esfera administrativa, pois pretende aquela ver anulado, além da escritura
de aforamento, o processo administrativo, o que ultrapassa nossa
competência. Dessa forma, não há como modificar a sentença proferida, pelo
que não pode o Poder Judiciário alterar, anular ou sequer analisar a matéria
meritória do processo administrativo.
Ante tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo a
improcedência do pedido, modificando apenas o seu fundamento.
Custas, pela apelante, cujo pagamento fica suspenso nos termos do art. 12 da
Lei 1.060/50.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Batista de Abreu e José
Amancio.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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