APELAÇÃO - DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR - REQUISITOS - ART. 1.638 - CÓDIGO
CIVIL - PREENCHIMENTO - ADOÇÃO - REQUISITOS - ART. 43 - ESTATUTO DA CRIANÇA
E DO ADOLESCENTE - LEGITIMIDADE DOS MOTIVOS - VANTAGENS PARA O ADOTANDO -
CONFIGURAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA
- Uma vez configuradas nos autos as hipóteses previstas pelo art. 1.638 do
Código Civil, a procedência do pedido de destituição do poder familiar é
medida que se impõe.
- Mantém-se o dispositivo da sentença que defere o pedido de adoção de menor
quando a situação retratada nos autos se subsume ao comando do art. 43 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, restando, portanto, devidamente
evidenciado que a concessão do pedido de adoção se reveste de legitimidade,
implicando, ainda, vantagens para o menor adotando.
Recurso não provido.
Apelação Cível n° 1.0083.07.009678-5/001 - Comarca de Borda da Mata -
Apelantes: E.S.S. e outro - Apelado: Ministério Público Estado Minas Gerais
- Relator: Des. Kildare Carvalho
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 19 de novembro de 2009. - Kildare Carvalho - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. KILDARE CARVALHO - E.S.S. e outro apelam da r. sentença de f. 253/257,
prolatada nos autos da ação de destituição de poder familiar que lhes move o
Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
A decisão recorrida julgou procedente o pedido inicial para determinar a
destituição dos requeridos - pais biológicos - do poder familiar em relação
aos filhos Y.N.S., M.V.S. e J.C.S., além de conceder a adoção destes,
respectivamente, aos casais, J.C.F. e A.C.F., J.B.P.C. e R.G.C., M.L.S. e
V.S.C.S., com as devidas alterações no registro civil. Ordenou, ainda, a
expedição de ofício ao Município de Borda da Mata para que suspenda o
pagamento do benefício mensal previsto na Lei nº 1.180/98 às famílias
acolhedoras dos menores adotados.
Inconformados, pugnam os apelantes pela reforma integral do decisum,
determinando-se o imediato retorno dos menores ao lar da família. Para
tanto, aduzem, em síntese, que tudo não passou de um mal-entendido, o que
está sendo esclarecido nas ações judiciais que respondem; que não concordam
com a destituição do poder familiar, nem mesmo com a eventual adoção de
qualquer dos menores; não há motivos autorizadores para a destituição bem
como para a concessão da adoção; não consta nos autos a manifestação de
vontade do casal M.L.S. e V.S.C.S. em querer adotar o menor J.C.S.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos para sua admissão.
Versam os autos sobre procedimento aforado pelo Ministério Público do Estado
de Minas Gerais, visando destituir o poder familiar de E.S.S. e sua mulher
em relação às filhas menores Y.N.S. e M.V.S.
Para sustentar o pedido inicial, narrou o Parquet que os menores em questão
viviam em precárias condições, sendo, inclusive, utilizados pelos genitores
na prática de mendicância, havendo, ainda, notícia, de que já estariam sendo
iniciados na prática de atos infracionais, sendo, também, discriminados na
escola em razão das deficitárias condições de higiene.
Requereu, assim, com fulcro no art. 157 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, a suspensão, in limine, do poder familiar dos requeridos em
relação aos menores indicados e, caso não houvesse melhora na situação
familiar durante a instrução processual, a procedência do pedido inicial
para, com fundamento no art. 1.638, II e III, do Código Civil, decretar a
destituição do poder familiar dos requeridos em relação às filhas Y.N.S. e
M.V.S, colocando-as em família substituta sob a modalidade de adoção,
observando-se a ordem de preferência do livro de pessoas interessadas em
adoção naquela comarca.
Por meio da decisão de fls. 124-v., foi deferido o pedido liminar de
suspensão do poder familiar e colocação das menores indicadas na petição
inicial em família substituta.
Aos 25.07.2007, em manifestação juntada às f. 156/158, o Órgão Ministerial,
alegando que os requeridos não tomaram providências necessárias para
melhorar o tratamento dos filhos, requereu a concessão liminar de suspensão
do poder familiar dos requeridos também ao filho menor J.C.S, à época com
apenas 3 (três) anos de idade, colocando-o sob a guarda provisória do casal
N.B. e S.F.N.B.
Em decisão prolatada aos 26.06.2007 (f. 168/170), foi deferido o pedido
liminar em relação ao menor J.C.S., nos exatos termos em que requeridos pelo
Ministério Público.
Contudo, sob a alegação de que, por inexistência de inscrição no livro de
pessoas interessadas em adoção de crianças na sua faixa etária, o menor
J.C.S. fora colocado sob guarda de uma família acolhedora, em situação
precária, foi requerida (f. 219), pelo Parquet, a modificação e a concessão
da aludida guarda a um casal que se interessou pela adoção do menor, após a
devida inscrição, pedido este deferido à f. 219-v.
Concluída, portanto, a instrução do feito, foi prolatada a sentença nos
termos do relatório acima, ocasionando, assim, a interposição do presente
apelo que, a meu ver, não merece ser acolhido.
Como se vê, a controvérsia trazida à apreciação desta Instância Revisora
reside no preenchimento de requisitos para o deferimento da destituição de
poder familiar e, por via de consequência, para a concessão de adoção de
menores a casais interessados e devidamente inscritos.
Pois bem, compulsando detidamente os autos, tenho que a hipótese em comento
se amolda, com precisão, ao disposto no art. 1.638 do Código Civil, assim
redigido:
``Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente''.
Ora, como se extrai do processado e como bem lançado pelo douto Julgador de
origem, o histórico dos autos não deixa dúvidas quanto às precárias
condições, bem como ao relapso dos apelantes em relação à criação dos
menores, como atestam os documentos de f. 12/14; 15/98 e 109/114.
Isso é dizer, analisando o conteúdo da documentação supracitada, não restam
dúvidas quanto à negligência dos recorrentes no trato com os próprios
filhos, os quais, ao que tudo indica, se encontram na iminência de
enveredarem por caminhos prejudiciais à própria existência, situação esta
que implica clara violação ao espírito da norma trazida no bojo dos arts.
227, caput, e 229 do Texto Constitucional, nos seguintes termos:
``Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,
e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência ou enfermidade''.
Com efeito, não restam dúvidas de que, constatada, pelo Conselho Tutelar, a
situação em que se encontram os infantes, faltando-lhes, portanto, condições
básicas mínimas para a sobrevivência e desenvolvimento, tais como higiene,
educação e moradia adequadas, não restam dúvidas quanto à conduta negligente
dos apelados, em flagrante descumprimento dos deveres inerentes ao poder
familiar, como prescrito no art. 1.634 do Código Civil, tornando-se,
portanto, diante de tal realidade, imperativa a aplicação do disposto no
art. 1.638, caput, do mencionado codex.
A propósito, confira-se o entendimento recente, colhido, na jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça, acerca da matéria posta em debate:
``Direito civil. Adoção plena. Destituição prévia do pátrio poder.
Necessidade de procedimento próprio com esse fim. Observância do Estatuto da
Criança e do Adolescente.
O deferimento da adoção plena não implica, automaticamente, a destituição do
pátrio poder, que deve ser decretada em procedimento próprio autônomo, com a
observância da legalidade estrita e da interpretação normativa restritiva. A
cautela é imposta não só pela gravidade da medida a ser tomada, uma vez que
importa na perda do vínculo da criança com sua família natural, como também
por força das relevantes repercussões em sua vida socioafetiva. Sem isso,
serão desrespeitados, entre outros, os princípios do contraditório e do
devido processo legal (arts. 24, 32, 39 a 52, destacando-se o art. 45 e
ainda os arts. 155 a 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente'') (REsp
476.382/SP, Rel. Min. Castro Filho, Terceira Turma, DJU de 26.03.2007, p.
231).
Ultrapassada, pois, a questão tocante à destituição do poder familiar, de
igual forma, prescinde de reparos o comando judicial atinente ao deferimento
da adoção dos menores destituídos.
Pois bem, conforme disposto no art. 43 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente), a adoção será deferida quando apresentar reais
vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos.
No caso em comento, não bastassem os argumentos acima tecidos, faz-se mister
ressaltar que, como se depreende dos documentos (estudos sociais) carreados
às f. 232/233; 234/235 e 248/250, os menores se encontram bem adaptados à
realidade que lhes fora apresentada com a colocação nas respectivas famílias
substitutas, restando, dessa forma, atendido o requisito exigido pelo art.
43 supracitado.
Assim e nesse contexto, imperioso ressaltar a importância atribuída ao
estudo psicossocial para a averiguação dos interesses do menor em situações
como a do presente caso.
Segundo o magistério de Eduardo de Oliveira Leite:
"O objetivo da pesquisa social é obter o maior número possível de
informações sobre a situação material e moral da família, sobre as condições
em que vive e são educados os filhos e sobre as medidas que se fazem
necessárias tomar no interesse deles" (Famílias monoparentais: a situação
jurídica de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal.
2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 204).
Já o art. 151 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assim prevê:
"Art. 151. Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que
lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito,
mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver
trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros,
tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre
manifestação do ponto de vista técnico".
Nesse diapasão, não é difícil concluir que, por conta do decurso do tempo
inerente ao trâmite do processo, tenham os menores estabelecido fortes
vínculos com os respectivos adotantes, afigurando-se, portanto, legítimo e
pertinente o deferimento da adoção para regularizar uma situação como aqui
relatada.
Diante desse cenário, não restam dúvidas de que a situação retratada nos
autos se subsume à previsão contida no art. 43 da Lei nº 8.069/90 (Estatuto
da Criança e do Adolescente), restando evidente que a concessão da adoção é
a medida que mais atende aos interesses dos menores envolvidos.
Por fim, registro apenas não prosperar o argumento dos apelantes no tocante
à alegação de que o casal adotante do menor J.C.S. não teria sido ouvido a
respeito, pois, como se depreende dos autos, o indigitado casal requereu,
pela via judicial, a adoção do infante em questão.
Com essas considerações, não vejo motivos para reformar a sentença primeva,
razão pela qual nego provimento ao recurso.
Sem custas, nos termos do art. 198, I, da Lei nº 8.069/90.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Silas Vieira e Albergaria
Costa.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO. |