ADI 3580 - Concurso MG - Publicado inteiro teor do deferimento do ingresso da ANOREG/BR como Amicus Curiae


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.580-1

PROCED. : MINAS GERAIS
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
REQTE.(S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
REQDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
REQDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
INTDO.(A/S) : ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL - ANOREG/BR
A D V. ( A / S ) : FREDERICO HENRIQUE VIEGAS DE LIMA E OUTROS

DECISÃO: Por meio da Petição nº 60.336/2006, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG) requer seu ingresso no feito na qualidade de amicus curiae.

A entidade fundamenta seu interesse na causa afirmando que, verbis (fls. 206-207):

“(...) a Requerente reúne os requisitos essenciais legitimadores para o atendimento de sua pretensão, seja a relevância da matéria em exame, bem como a representatividade adequada.

Ademais, a controvérsia desenvolvida na presente Ação Direta diz respeito a integralidade de seus associados, uma vez que se questiona a possibilidade, ou não, de inclusão de tempo de serviço nas atividades notariais e de registro, como títulos a serem valorados, nos concursos de ingresso nestas atividades.

Desta forma, a integralidade de seus associados no Estado de Minas Gerais é atingida diretamente pela presente ação direta e, por via reflexa, os demais associados de todo o país, uma vez que em diversos Estados Federados existem e podem vir a existir normas como a que se questiona na presente ação direta.” (fls. 206-207)

Ressalto que compete ao Relator, por meio de despacho irrecorrível, acolher ou não pedido de interessados para que atuem na situação de amici curiae, hipótese diversa da figura processual da intervenção de terceiros. Esclareço que, em princípio, a eventual manifestação deveria ocorrer no prazo das informações (arts. 6º e 7º, § 2º, da Lei no 9.868/1999).

Em recente julgamento, porém, o Supremo Tribunal Federal,por maioria, resolveu questão de ordem no julgamento das ADIn's nos 2.675-PE (Rel. Min. Carlos Velloso) e 2.777-SP (Rel. Min. Cezar Peluso), ambas julgadas em 27.11.2003, para reconhecer, excepcionalmente, a possibilidade de realização de sustentação oral por terceiros,admitidos no processo de fiscalização abstrata de normas, sob a condição de amicus curiae.

Essa nova orientação, apesar de ter contrariado os precedentes existentes [ADIn (MC) no 2.321-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 31.10.2000; ADIn (MC) nº 2.130-SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 02.02.2001; ADIn (QO) nº 2.223-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.10.2001], garante a possibilidade de que o procedimento de instrução da ação direta de inconstitucionalidade seja subsidiado por novos argumentos e diferentes alternativas de interpretação da Constituição.

Esse parece ser, pelo menos, o espírito da norma constante da parte final do art. 7º, § 2º da Lei nº 9.868/1999. É verdade que essa disposição remete ao parágrafo anterior - § 1º -, que restou vetado pelo Presidente da República (O § 1º do art. 7º da Lei nº 9.868/1999 dispunha que: “Os demais titulares referidos no art. 2° poderão manifestar-se, por escrito, sobre o objeto da ação e pedir a juntada de documentos reputados úteis para o exame da matéria, no prazo das informações, bem como apresentar memoriais.”)

Assim, em princípio, a manifestação dos amici curiae haveria de se fazer no prazo das informações.

No entanto, especialmente diante da relevância do caso ou,ainda, em face da notória contribuição que a manifestação possa trazer para o julgamento da causa, é possível cogitar de hipóteses de admissão de amicus curiae, ainda que fora desse prazo. Necessário é ressaltar, contudo, que essa possibilidade não é unânime na jurisprudência do STF. A esse respeito, vale mencionar a ADIn nº 2.238- DF, Rel. Min. Ilmar Galvão. Nesse caso, o relator considerou ser impossível a admissão de amicus curiae quando o julgamento do feito já estiver em andamento, por considerar tal manifestação destinada,unicamente, a instruir a ADIn.

Na ADIn nº 2.690-RN (Rel. Min. Gilmar Mendes), o Relator,considerando a conversão da ação para o rito do art. 12 da Lei nº 9.868/99, admitiu a participação do Distrito Federal, dos Estados de Goiás, de Pernambuco, do Rio de Janeiro, da Associação Brasileira de Loterias Estaduais (ABLE) e, ainda, determinou uma nova audiência da Procuradoria Geral da República.

Essa construção jurisprudencial sugere a adoção de um modelo procedimental que ofereça alternativas e condições para permitir, de modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões no processo constitucional. Essa nova realidade pressupõe, além de amplo acesso e participação de sujeitos interessados no sistema de controle de constitucionalidade de normas, a possibilidade efetiva de o Tribunal Constitucional contemplar as diversas perspectivas na apreciação da legitimidade de um determinado ato questionado.

Observa-se também que a constatação de que, no processo de controle de constitucionalidade, se faz, necessária e inevitavelmente, a verificação de fatos e prognoses legislativos, sugere a necessidade de adoção de um modelo procedimental que outorgue ao Tribunal as condições necessárias para proceder a essa aferição.

Esse modelo pressupõe não só a possibilidade de o Tribunal se valer de todos os elementos técnicos disponíveis para a apreciação da legitimidade do ato questionado, mas também um amplo direito de participação por parte de terceiros (des)interessados.

O chamado “Brandeis-Brief” - memorial utilizado pelo advogado Louis D. Brandeis, no “case Müller versus Oregon” (1908), contendo duas páginas dedicadas às questões jurídicas e outras 110 voltadas para os efeitos da longa duração do trabalho sobre a situação da mulher - permitiu que se desmistificasse a concepção dominante, segundo a qual a questão constitucional configurava simples “questão jurídica” de aferição de legitimidade da lei em face da Constituição. (Cf., a propósito, HALL, Kermit L. (organizador), The Oxford Companion to the Supreme Court of United States, Oxford, New York, 1992, p. 85).

Hoje não há como negar a “comunicação entre norma e fato” (Kommunikation zwischen Norm und Sachverhalt), que, como ressaltado, constitui condição da própria interpretação constitucional. É que o processo de conhecimento aqui envolve a investigação integrada de elementos fáticos e jurídicos. (Cf., MARENHOLZ, Ernst Gottfried, Verfassungsinterpretation aus praktischer Sicht, in: Verfassungsrecht zwischen Wissenschaft und Richterkunst, Homenagem aos 70 anos de Konrad Hesse, Heidelberg, 1990, p. 53 (54)).

Nesse sentido, a prática americana do amicus curiae brief permite à Corte Suprema converter o processo aparentemente subjetivo de controle de constitucionalidade em um processo verdadeiramente objetivo (no sentido de um processo que interessa a todos) - , no qual se assegura a participação das mais diversas pessoas e entidades.

A propósito, referindo-se ao caso Webster versus Reproductive Health Services (....), que poderia ensejar uma revisão do entendimento estabelecido em Roe versus Wade (1973), sobre a possibilidade de realização de aborto, afirma Dworkin que a Corte Suprema recebeu, além do memorial apresentado pelo Governo, 77 outros memoriais (briefs) sobre os mais variados aspectos da controvérsia - possivelmente o número mais expressivo já registrado - por parte de 25 senadores, de 115 deputados federais, da Associação Americana de Médicos e de outros grupos médicos, de 281 historiadores,de 885 professores de Direito e de um grande grupo de organizações contra o aborto (cf. DWORKIN, Ronald. Freedom's Law. Cambridge- Massachussetts. 2.ª ed., 1996, p. 45).

Evidente, assim, que essa fórmula procedimental constitui um excelente instrumento de informação para a Corte Suprema.

Não há dúvida, outrossim, de que a participação de diferentes grupos em processos judiciais de grande significado para toda a sociedade cumpre uma função de integração extremamente relevante no Estado de Direito.

A propósito, Peter Häberle defende a necessidade de que os instrumentos de informação dos juízes constitucionais sejam ampliados, especialmente no que se refere às audiências públicas e às “intervenções de eventuais interessados”, assegurando-se novas formas de participação das potências públicas pluralistas enquanto intérpretes em sentido amplo da Constituição (cf. Häberle, Peter. Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição:contribuição para a Interpretação Pluralista e “Procedimental” da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre, 1997, p. 47-48).

Ao ter acesso a essa pluralidade de visões em permanente diálogo, este Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefícios decorrentes dos subsídios técnicos, implicações político-jurídicas e elementos de repercussão econômica que possam vir a ser apresentados pelos “amigos da Corte”.

Essa inovação institucional, além de contribuir para a qualidade da prestação jurisdicional, garante novas possibilidades de legitimação dos julgamentos do Tribunal no âmbito de sua tarefa precípua de guarda da Constituição.

É certo, também, que, ao cumprir as funções de Corte Constitucional, o Tribunal não pode deixar de exercer a sua competência, especialmente no que se refere à defesa dos direitos fundamentais em face de uma decisão legislativa, sob a alegação de que não dispõe dos mecanismos probatórios adequados para examinar a matéria.

Entendo, portanto, que a admissão de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático de Direito.

Assim, em face do art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/1999, defiro o pedido da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG) para que possa intervir no feito na condição de amicus curiae. À Seção de Autuação de Originários para a inclusão dos nomes dos interessados e de seus patronos.

Publique-se.

Brasília, 26 de maio de 2006.

Ministro GILMAR MENDES
Relator

 


Fonte: Jornal "Diário da Justiça" - 12/06/2006

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