Acordo de separação - Imóvel para uso da ex-esposa - Eventual venda - Pagamento ao cônjuge - Sucessão - Transferência de domínio e alteração do uso - Pagamento devido

DIREITO CIVIL - AÇÃO DE COBRANÇA - PRELIMINARES REJEITADAS - ACORDO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL - IMÓVEL DEIXADO PARA USO DA EX-ESPOSA - EVENTUAL VENDA - PAGAMENTO DE 20% DO VALOR AO CÔNJUGE - SUCESSÃO - TRANSFERÊNCIA DE DOMÍNIO E ALTERAÇÃO DO USO - DECLARAÇÃO DE VONTADE - INTENÇÃO - PAGAMENTO DEVIDO - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO

- O apelado se diz titular de um direito que deve ser respeitado pela apelante. Assim, não resta dúvida acerca da legitimidade passiva da mesma, uma vez que adquiriu, por sucessão, o imóvel sobre o qual o apelado alega ter direito a 20% do valor, em razão de acordo firmado em separação judicial consensual, na hipótese de transferência de domínio por venda. Rejeita-se a preliminar de ilegitimidade passiva.

- Somente se justifica a extinção do feito fulcrada na ausência de interesse processual, quando inexistentes, na pretensão aduzida, os elementos caracterizadores do próprio interesse de agir, quais sejam a necessidade e utilidade da tutela jurisdicional e a adequação da pretensão aduzida. Rejeita-se a preliminar de falta de interesse de agir.

- Em separação judicial, pode ser acordado que um dos cônjuges permita ao outro ficar com o imóvel sobre o qual possua direito de meação para criação dos filhos, ressalvando, contudo, a hipótese de alienação do bem, oportunidade em que fará jus ao recebimento de 20% sobre o valor da venda do mesmo.

- Nas declarações de vontade, se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem - inteligência do art. 112 do Código Civil.

- Se a destinação desse imóvel for alterada, deixando de servir como moradia e meio para criação de filha menor e passando a ser negociado, ainda que sua transferência tenha se dado depois de sucessão universal, o cônjuge supérstite continua com direito à parte reservada no acordo para a sua meação.

Rejeitar preliminares. Negar provimento ao recuso.

Apelação Cível n° 1.0480.06.081923-6/001 - Comarca de Patos de Minas - Apelante: E.D.R. - Apelado: J.O.D. - Relator: Des. Sebastião Pereira de Souza

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar as preliminares e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 20 de maio de 2009. - Sebastião Pereira de Souza - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA - Conheço do apelo, pois recurso próprio e tempestivo, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Os autos versam sobre os seguintes fatos: J.O.D., ora apelado, fora casado com J.S.C., de 8 de abril de 1969 até 14 de novembro de 1987. Na constância do casamento, tiveram uma filha, E.D.R., ora apelante.

No termo de acordo firmado na separação, o apelado permitiu que a ex-esposa ficasse com imóvel sobre o qual possuía direito de meação para criação de seus filhos. No mencionado acordo, constava a seguinte ressalva acerca da partilha dos bens: "uma vez a cônjuge vendendo o barracão e terreno, em qualquer época, reporá ao cônjuge varão 20% do valor da transação. Em caso de não vender, nada deverá".

Em 20 de maio de 2004, J. faleceu. Dessa sorte, sua filha, ora apelante, adquiriu o imóvel por sucessão e, por conseguinte, vendeu-o sem reservar ao pai apelado o percentual que lhe cabia com a realização do negócio jurídico.

Em razão do exposto, J.O., ora apelado, veio a requerer, por meio da ação de cobrança em apreço, a condenação da ré, ora apelante ao pagamento dos 20% sobre o valor da venda do imóvel. O pedido inicial foi julgado procedente, razão do presente recurso.

Decido.

De início, cumpre enfrentar as preliminares aventadas, cujas teses deverão ser rejeitadas.

Das preliminares.

Ilegitimidade passiva.

Preliminarmente, pretende a apelante a extinção do feito sem resolução do mérito por carência de ação, ante a sua ilegitimidade passiva ad causam.

Pois bem. Diz-se legítima a parte que, no polo ativo, seja, pelo menos aparentemente, titular do direito subjetivo tutelado. No polo passivo, diz-se legítima a parte que deva suportar os efeitos de eventual sentença de procedência do pedido inicial. Assim, deve o sujeito ativo demonstrar ser titular do direito que pretende fazer valer em juízo - legitimidade ativa -, e ser o sujeito passivo quem esteja obrigado a se submeter à sua vontade - legitimidade passiva.

No caso em apreço, o apelado se diz titular de um direito que deve ser respeitado pela apelante. Assim, não resta dúvida acerca da legitimidade passiva da mesma, uma vez que adquiriu, por sucessão, o imóvel sobre o qual o apelado alega ter direito a 20% do valor em razão de acordo firmado em separação judicial consensual, na hipótese de transferência de domínio por venda.

Rejeito, pois, a preliminar argüida.

Interesse processual:

A apelante também alega que a r. sentença deve ser cassada por ausência de interesse processual do autor, ora apelado. Mais uma vez sem razão.

Ora, somente se justifica a extinção do feito fulcrada na ausência de interesse processual quando inexistentes, na pretensão aduzida, os elementos caracterizadores do próprio interesse de agir, quais sejam a necessidade e utilidade da tutela jurisdicional e a adequação da pretensão aduzida.

Constata-se a necessidade pela demonstração, prima facie, da existência da lide (conflito de interesses juridicamente qualificado que apresenta pretensão resistida).

A utilidade, por seu turno, se dá em razão da necessidade da prestação da tutela jurisdicional sempre que de outra forma não puder o jurisdicionado obter o provimento constante do processado, seja porque a parte adversa à qual se condiciona o provimento se recusa a satisfazê-lo, impossibilitada a autotutela, cuja repulsa resta evidenciada no ordenamento jurídico, senão pelas exceções legalmente previstas, seja por previsão legal que imponha a declaração judicial para que possa ser satisfeita determinada pretensão, o que ocorre, por exemplo, nas ações constitutivas. Em outras palavras, a utilidade está na demonstração de que a sentença de mérito permitirá ao autor a adoção de expedientes legais que não estavam disponíveis em seu universo jurídico.

Já a adequação se refere à escolha correta do modelo procedimental para instauração do procedimento jurisdicional. Reside "no provimento que se revele adequado para a tutela da posição jurídica de vantagem afirmada na demanda" (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 8. ed., 2002, p. 125).

No caso em tela, resta claro que a única forma para a guarida da pretensão do apelado seria o aviamento de ação judicial e que a ação intentada por ele é o meio hábil para a pretensão constante da exordial, adequando-se ao provimento pretendido, do qual decorrerá a inteireza da utilidade da prestação jurisdicional. Rejeito a preliminar.

Do mérito.

A alegação primeira da apelante, no que toca ao mérito, foi de que o termo de acordo firmado por ocasião da separação judicial entre sua falecida mãe (Januária) e seu pai, ora apelado, constitui negócio jurídico benéfico, ao qual se aplica interpretação restritiva, conforme previsão do art.114 do Código Civil. Contudo, razão não lhe assiste.

É que sobre o acordo judicial em comento, deve incidir a regra constante do art.112 do Código Civil, segundo a qual "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem". É nessa regra que reside a solução do litígio em exame.

Com efeito, é inegável que, na literalidade do pacto formalizado, o direito do autor/apelado ao percentual de 20% sobre o valor do imóvel somente se verificaria com a venda do mesmo. Dessa sorte, não havendo venda propriamente dita, mas sucessão, não procederia a pretensão autoral.

Nada obstante, vislumbro que a intenção das partes era de que, enquanto o imóvel fosse destinado à moradia da ex-esposa e da filha apelante, o apelado não poderia intervir. Não teria direito a exercer qualquer direito de posse ou de propriedade sobre o bem.

Contudo, se a sua destinação fosse alterada, deixando de servir como moradia e passando a ser negociado, o autor teria direito a 20% do seu valor, decorrente de seu direito de meação.

Em outras palavras: a intenção dos contratantes era a de que, ocorrendo transferência do domínio e alteração da destinação do imóvel (moradia da ex-esposa para criação da filha), teria o recorrido direito de receber 20% sobre o valor do mesmo. Se a destinação desse imóvel for alterada, deixando de servir como moradia e meio para criação de filha menor e passando a ser negociado, ainda que sua transferência tenha se dado depois de sucessão universal, o cônjuge supérstite continua com direito à parte reservada no acordo para a sua meação.

Por essa linha de interpretação sistemática e teleológica das regras contratuais em exame, pode-se dizer que, quando houve a venda do bem que a apelante adquiriu através de herança, deveria ser resguardado o direito do autor apelado ao percentual que lhe cabia.

Em referência à alegação da ausência de responsabilidade da apelante pelo cumprimento do acordo de separação, mister mencionar que, com a sucessão, são transferidos aos herdeiros os bens, direitos e obrigações do de cujus. Logo, uma vez que a mãe da recorrente assumiu, na ocasião da separação judicial, a obrigação de restituir ao ex-marido 20% do valor do imóvel destinado à sua residência na hipótese de alteração de sua destinação e de seu domínio, transferida estará tal obrigação para sua herdeira, ora apelante.

Logo, não há que se falar em ausência de responsabilidade da apelante pelo cumprimento do acordo realizado sem a sua participação ou anuência.

No que se refere à alegação de ausência de alteração da destinação residencial do imóvel, cabe ressaltar que a destinação que ensejou a autorização do recorrido para que sua ex-esposa permanecesse no imóvel não era tão somente a residencial, mas, em especial, a criação da filha, menor na ocasião da separação judicial. Dessarte, tendo sua filha, ora apelante, adquirido a maioridade e estando apta a prover o próprio sustento, uma vez que possui emprego fixo, entendo que não se faz mais necessária a manutenção da concessão feita pelo apelado, já lhe cabendo a restituição do valor acordado na separação judicial.

Conclusão.

Com estes fundamentos, nego provimento ao recurso aviado por E.D.R. e mantenho a r. decisão objurgada por seus próprios e jurídicos fundamentos, e mais os que ora acrescento.

Custas recursais, pela apelante, suspensa por estar a mesma abraçada pelo pálio da justiça gratuita.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Otávio Portes e Wagner Wilson.

Súmula - REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 14/07/2010.

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