AI - Usucapião extraordinário - Certidões cartorárias - Gratuidade judiciária - Remessa de ofícios pelo juízo e sem ônus para a parte

PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - CERTIDÕES CARTORÁRIAS PARA IDENTIFICAÇÃO DO IMÓVEL OBJETO DA AÇÃO - PRESENÇA - NOVAS INFORMAÇÕES DOS CARTÓRIOS DE REGISTRO DE IMÓVEIS - CERTIDÕES DE ALTO CUSTO - PARTE BENEFICIÁRIA DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA - REMESSA DE OFÍCIOS PELO JUÍZO E SEM ÔNUS PARA A PARTE - CABIMENTO - REFORMA DA DECISÃO AGRAVADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO

- Cabe ao autor da ação de usucapião a apresentação da planta do imóvel, registro e os comprovantes de sua real confrontação.

- Se o autor apresenta os documentos legalmente exigidos para a propositura da ação de usucapião extraordinário, estando ele sob o pálio da gratuidade judiciária e havendo pedido do MP de outras informações dos Cartórios de Registros de Imóveis, as certidões, que são de alto valor de custo, devem ser obtidas por meio de remessa de ofício do juízo, sem ônus para a parte.

Recurso conhecido e provido.

Agravo de Instrumento Cível n° 1.0024.06.273640-0/001 - Comarca de Belo Horizonte - Agravante: Waldir Raimundo dos Reis - Agravados: Lívia Leite de Castro, José de Melo Soares de Gouveia - Relatora: Des.ª Márcia De Paoli Balbino

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Mariné da Cunha, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 25 de março de 2010. - Márcia De Paoli Balbino - Relatora.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES.ª MÁRCIA DE PAOLI BALBINO - Waldir Raimundo dos Reis interpôs agravo de instrumento contra a decisão trasladada à f. 49-TJ, prolatada pelo MM. Juiz da 9ª Vara Cível desta Capital, nos autos da ação de usucapião extraordinário que o agravante move contra Lívia Leite de Castro e José de Melo Soares de Gouveia, ora agravados, na qual foi indeferido seu pedido de remessa de ofício aos Cartórios de Registro de Imóveis para obtenção das certidões demonstrativas da identificação do imóvel objeto da lide, por ser beneficiário da gratuidade judiciária.

O agravante requereu o conhecimento do presente agravo, apresentado na forma de instrumento, e pediu seu recebimento também no efeito suspensivo. No mérito, pugnou pela reforma da decisão agravada, alegando que já diligenciou na Prefeitura para o cumprimento dos despachos judiciais, embora sem sucesso. Afirmou que também já apresentou nos autos as certidões dos Cartórios de Registros de Imóveis referentes ao imóvel usucapiendo. Sustentou que o Ministério Público solicitou ao Juízo novas informações acerca da individualização do imóvel usucapiendo nos Cartórios de Registro de Imóveis, cujas certidões são de alto custo. Aduziu que não tem condições de arcar com tais certidões e, por ser beneficiário da gratuidade judiciária, entende que elas devem ser obtidas por meio de ofício do Juízo.

Conheci do recurso, recebendo-o em ambos os efeitos (f. 53).

O MM. Juiz informou da manutenção da decisão agravada e do cumprimento, pelo agravante, do disposto no art. 526 do CPC.

A Procuradoria-Geral de Justiça emitiu parecer (f. 62/69), opinando pelo provimento do agravo.

É o relatório.

Juízo de admissibilidade:

Conheço do recurso porque próprio e tempestivo, estando o recorrente isento de preparo por ser beneficiário da gratuidade judiciária, conforme decisão de f. 18-TJ.

Anoto que a decisão ora recorrida é passível de agravo de instrumento, não sendo o caso de conversão para a forma retida, conforme Lei 11.187/2005, porque, em tese, contém potencial lesivo à parte recorrente.

Preliminar.

Não foram arguidas preliminares no presente recurso.

Mérito.

Valdir Raimundo dos Reis promoveu ação de usucapião extraordinário contra Lívia Leite de Castro e José de Melo Soares de Gouveia, pretendendo a transcrição de seu nome, como proprietário, nos registros cartorários do imóvel localizado à rua Herculano Soares Rocha, 242, bairro São Marcos, nesta Capital, por possuí-lo de forma mansa, pacífica e com ânimo de dono desde 1963.

Junto à inicial, o autor apresentou certidões de todos os Cartórios de Registros de Imóveis da Capital, informando que não foram localizados registros do imóvel objeto do pedido de usucapião (f. 19/25-TJ), localizado no lote 14 do quarteirão 72, bairro São Marcos, atual bairro Vila Ipê. O autor apresentou, ainda, croqui demonstrativo da área ocupada pelo imóvel objeto da lide (f. 26-TJ) e certidão da Prefeitura demonstrando a origem, forma, dimensões e confrontações da área (f. 42/43-TJ).

O autor também juntou certidão da Prefeitura, demonstrando o lançamento tributário, que identifica os elementos de cadastro fiscal do imóvel em questão (f. 28-TJ). Esse documento informa que o imóvel se localizava anteriormente na quadra de nº 31, lote 14, zona 434, cujos dados, após atualização, foram alterados para zona 924, quadra 72, lote 14.

O autor apresentou, então, novas certidões dos sete Cartórios de Registros de Imóveis da Capital, informando da negativa de transcrições acerca do imóvel do lote 14, quarteirão 72, antigo lote 14, quarteirão 31 da Vila Ipê (f. 34/40-TJ).

O representante do Ministério Público pediu, conforme f. 44/45-TJ, a apresentação de novas certidões dos Cartórios de Registro de Imóveis acerca do imóvel do lote 14, quarteirão 72 do bairro São Marcos e registro de matrícula do imóvel maior que deu origem ao loteamento.

O MM. Juiz determinou que o autor, ora agravante, apresentasse os respectivos documentos (f. 46 e 49-TJ), sendo esta a decisão ora agravada.

Examinando tudo o que consta do instrumento do presente agravo, tenho que assiste razão ao recorrente. Vejamos.

Para a propositura da ação de usucapião extraordinária, a lei prevê os seguintes requisitos:

"Art. 1.238 do NCC. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo."

"Art. 942 do CPC. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232."

Os requisitos procedimentais para a propositura da ação de usucapião são, portanto, a juntada da planta do imóvel e o registro do imóvel.

Quanto à planta do imóvel, leciona a doutrina:

"A planta do imóvel objeto do usucapião é, a partir da vigência do Código de Processo Civil de 1973, documento essencial à propositura da ação. Sem este documento, a petição inicial não está em condições mas pode ser completada, tanto que o juiz 'determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de 10 dias' (art. 284 do CPC). Após este prazo, não vindo a planta para os autos, o pedido deverá ser, de imediato, indeferido. Mas a planta que satisfaz a exigência da lei é a tecnicamente preparada (com escala, pontos cardeais etc.) e devidamente assinada por profissional habilitado" (TUPINAMBÁ, Miguel Castro do Nascimento. Usucapião. 6. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 109).

O autor apresentou a planta do imóvel conforme as determinações legais (f. 26-TJ), acompanhada, inclusive, de certidão da Prefeitura, descritiva da área e dos limites do imóvel usucapiendo (f. 42/43-TJ).

Quanto ao registro cartorário do imóvel, leciona a doutrina:

"Este art. 942 disciplina os requisitos intrínsecos e extrínsecos da petição inicial da ação de usucapião. [...]

Quanto ao primeiro, a exposição do fundamento do pedido - previsão correlata à exposição da causa petendi exigida pelo art. 282, III -, trata-se da necessidade de o autor declarar as circunstâncias em que obteve a posse, como o seu exercício se desenvolveu e por quanto tempo, a natureza jurídica do usucapião verificado e demais detalhes fáticos ou jurídicos relevantes. No que concerne ao segundo, que é a planta do imóvel, é preciso observar que tal exigência tem a finalidade de permitir ao juiz a exata caracterização e localização topográfica do imóvel objeto do pedido, porque sobre elas também se instaurará o contraditório. Além disso, a perfeita descrição do imóvel é necessária para fins de registro. A planta é, portanto, documento indispensável à propositura da ação (art. 283), merecendo destaque o fato de que deverá ser elaborada por profissional habilitado segundo técnicas da topografia. Anote-se, ainda, que apensar da omissão do texto sob exame, possui a qualidade de documento indispensável à propositura da ação a certidão atualizada do registro de imóveis, que permite da mesma forma a identificação do bem usucapiendo e aponta os seus titulares para fins de citação" (MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil interpretado e anotado. Barueri/SP: Manole, 2007, p. 1521/1522).

Restou aqui demonstrado que o autor cumpriu o disposto no art. 942 do CPC, embora tenha restado informado que inexiste registro cartorário do imóvel em questão. Tenho que nesse ponto o autor comprovou que agiu de forma diligente na busca de tais documentos, não podendo ser prejudicado pela ausência de registro do imóvel nas serventias municipais.

Lado outro, o Poder Judiciário tem por finalidade a prestação jurisdicional com a eficiência possível e com a maior celeridade e deve zelar pelo princípio do acesso à Justiça. Para tanto, é permitido encaminhar ofícios a repartições públicas, sempre que necessário, já que ninguém se exime do dever de colaborar com o Judiciário (art. 339 do CPC), como prevê o art. 399 do CPC:

"Art. 399. O juiz requisitará às repartições públicas em qualquer tempo ou grau de jurisdição:

I - as certidões necessárias à prova das alegações das partes;

II - os procedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a União, o Estado, o Município, ou as respectivas entidades da administração indireta. [...]".

Sobre o tema leciona Antônio Cláudio da Costa Machado ao interpretar o art. 399 do CPC:

"O poder judicial aqui instituído, bem como o previsto pelos arts. 355, 381 e 382, corresponde a meras explicitações do poder instrutório genericamente consagrado pelo art. 130. O que caracteriza fundamentalmente a prerrogativa sob comentário é o fato de que ela só deve ser exercida na hipótese de impossibilidade - comprovada ou seriamente alegada - de a parte obter o documento por sua própria iniciativa. Trata-se, portanto, de atividade judicial complementar e não substitutiva da atividade da parte" (Código de Processo Civil interpretado e anotado. Barueri/SP: Manole, 2007, p. 763).

Diante do pedido do representante do Ministério Público, o MM. Juiz determinou a apresentação de novas certidões.

Ora, é verdade que se trata de documentos essenciais à formação válida e regular do processo, mas aqueles já apresentados pelo autor, ora agravante, únicos que estavam ao seu alcance, já foram juntados, com a identificação perfeita do imóvel usucapiendo.

Como o MM. Juiz concluiu pela necessidade das certidões pedidas pelo Ministério Público, tenho que tais informações devem ser obtidas por meio de ofício do Juízo, sem custo para o agravante.

O agravante está sob o pálio da gratuidade judiciária e, como cada certidão dos sete Cartórios de Registro de Imóveis custa em média R$ 23,00 (f. 34 e 38/40-TJ), tenho que a decisão agravada, que obriga o autor a arcar com um custo de R$ 160,00 mais gastos com deslocamento, viola a Lei 1.060/50 e o art. 5º LXXIV da CF.

O STJ, ademais, firmou entendimento no sentido da possibilidade da expedição de ofícios às repartições públicas e às entidades privadas, com o escopo de obter informações, condicionando-a, porém, à demonstração de prévias e infrutíferas tentativas do autor, comprovação esta que o agravante já fez nos autos.

Nesse sentido, por analogia à busca de bens na execução que é ônus do exequente:

1) "Recurso especial - Art. 105, III, a, CF - Ajuizamento contra acórdão proferido em agravo de instrumento - Execução fiscal movida contra contribuinte que encerrou irregularmente suas atividades - Não localização do endereço e de bens da executada - Citação dos sócios - Pretendida expedição de ofício à receita federal para obtenção de cópia da declaração de bens dos sócios da empresa executada - Não provimento ao recurso - Alegada vulneração aos arts. 399 do CPC, 198 do CTN e 40 da Lei nº 6.830/80 - Recurso não conhecido.

- A requisição judicial, em matéria deste jaez, apenas se justifica desde que haja intransponível barreira para a obtenção dos dados solicitados por meio da via extrajudicial e, bem assim, a demonstração inequívoca de que a exequente envidou esforços para tanto, o que se não deu na espécie, ou, pelo menos, não foi demonstrado. [...]" (REsp nº 204329/MG, 2ª Turma/STJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 19.06.2000).

2) "Execução. Requisição de informações à Receita Federal, a pedido do exequente, quando frustrados os esforços para localizar bens do executado. Admissibilidade. Art. 600, CPC.

- A requisição, frustrados os esforços do exequente para localização de bens do devedor para a constrição, é feita no interesse da justiça como instrumento necessário para o Estado cumprir o seu dever de prestar jurisdição.

- Não é somente no interesse do credor.

Embargos conhecidos e acolhidos" (EREsp 163.408-RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 11.6.2001, p. 86. LEX-STJ 145/192).

3) "Processual civil - Embargos de declaração - Cabimento - Prequestionamento - Exclusão de multa - Súmula nº 98 do STJ - Execução fiscal - Informações sigilosas sobre bens a serem penhorados - Requisição. [...]

- O juiz da execução fiscal só deve deferir pedido de expedição de ofício à Receita Federal, ao Banco Central e às demais instituições detentoras de informações sigilosas sobre o executado, após a exequente comprovar não ter logrado êxito em suas tentativas de obtê-las para encontrar o executado e seus bens.

Recurso parcialmente provido" (REsp 282.717-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU de 11.12.2000, p. 183. RSTJ 139/127).

4) "Processo civil. Execução fiscal. Penhora. Requisição de informações à Receita Federal. Possibilidade.

- Esgotados os meios para a localização dos bens do executado, é admissível a requisição, através do juiz da execução, de informações à Receita Federal, face ao interesse da Justiça na realização da penhora.

Recurso especial conhecido e provido" (REsp 161.296-RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU de 08.05.2000, p. 80).

5) "Processual civil - Execução - Bens do devedor passíveis de penhora - Localização - Requisição de informações - Receita Federal. - Somente em casos excepcionais, quando comprovadamente infrutíferos os esforços diretos do exequente, admite-se a requisição, pelo juiz, de informações à Delegacia da Receita Federal, acerca da existência e localização de bens do devedor (segunda seção - EREsp 28.067-MG). Decisão que se harmoniza com a orientação da Corte. Incidência das disposições da Súmula 83/STJ [...]" (REsp 156.742-DF, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU de 17.8.98, p. 70).

6) "Execução. Informação do endereço pela Receita Federal. Possibilidade. Precedentes.

1. A Corte não tem admitido, salvo em situações excepcionais, a expedição de ofício à Receita Federal para a obtenção de informações sobre os bens do executado, de caráter sigiloso. Todavia, a restrição não merece existir se se trata, apenas, de pedido de endereço do devedor, não envolvendo sigilo fiscal, não sendo razoável impedir-se a providência, uma das medidas ao alcance do credor para satisfazer o seu crédito pela via judicial.

2. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 236.704/SP, 3ª Turma/STJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 25.04.2000, DJ de 12.6.2000, p. 109, RSTJ 135/37).

Demonstrado, portanto, que, embora seja ônus do agravante a apresentação das certidões, ele comprovou que diligenciou na busca das informações necessárias à propositura da ação de usucapião e não obteve sucesso, tenho que cabível se mostra a expedição de ofícios aos Cartórios de Registros de Imóveis, sendo de se acolher as razões recursais.

Dispositivo:

Isso posto, dou provimento ao recurso para reformar a decisão agravada e determinar que as informações solicitadas pelo Ministério Público sejam obtidas por meio de expedição de ofícios do Juízo aos órgãos públicos, sem ônus para o agravante.

Custas recursais, pelos agravados.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Lucas Pereira e Eduardo Mariné da Cunha.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 21/01/2011.

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