AÇÃO DE SONEGADOS - OMISSÃO DE BENS PELA HERDEIRA/INVENTARIANTE - AUSÊNCIA
DE DOLO NA OCULTAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE SONEGAÇÃO - DIREITO DE USO E GOZO DE
JAZIGO - SOBREPARTILHA CABÍVEL - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE
- A simples omissão da declaração de bens na ação de inventário, seja por
erro, esquecimento ou ignorância do herdeiro/inventariante, por si só, não
configura a sonegação ou enseja a aplicação da pena prevista na lei civil,
sendo necessária a demonstração da má-fé daquele que deixou de informar bens
do monte partilhável.
- Não demonstrado o dolo da inventariante em omitir bens, no intuito
deliberado de fraudar o inventário e se beneficiar em prejuízo dos demais
herdeiros, não se vislumbra a sonegação, cabendo, contudo, a sobrepartilha
do direito de uso e gozo do jazigo entre os herdeiros.
Apelação Cível n° 1.0702.05.263205-7/001 - Comarca de Uberlândia - Apelante:
Célia Gonçalves Batista - Apelada: Benigna Borges Filha - Relator: Des.
Bitencourt Marcondes
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Bitencourt
Marcondes, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata
dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar
provimento parcial ao recurso.
Belo Horizonte, 3 de março de 2011. - Bitencourt Marcondes - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. BITENCOURT MARCONDES - Relatório.
Trata-se de recurso de apelação interposto por Célia Gonçalves Batista em
face da r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito Armando D. Ventura
Júnior, da 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Uberlândia, que, nos
autos da ação de sonegados ajuizada em face de Benigna Borges Filha, julgou
improcedente a ação.
Afirma que a inventariante/apelada tinha pleno conhecimento da existência de
outros bens de propriedade da falecida que estariam sujeitos à partilha -
numerário em conta-corrente, mausoléu e renda proveniente do aluguel de
imóveis -, ocultando-os, propositalmente, quando da ação de inventário, no
intuito de lesar os demais herdeiros e beneficiar-se economicamente.
Alega estar configurada a má-fé da recorrida em ocultar tais bens, pois
realizou saques na conta-corrente da inventariada após seu falecimento, sem
qualquer autorização dos herdeiros ou mesmo judicial.
Sustenta que, embora demonstrada a existência de alguns gastos, a apelada
não comprovou detalhadamente que todo o dinheiro proveniente da conta
bancária e dos aluguéis percebidos tenha sido utilizado para o pagamento de
despesas da inventariada e do inventário.
Aduz que o mausoléu sonegado possui valor comercial por estar localizado em
um dos cemitérios tradicionais da cidade de Uberlândia e deveria ter sido
arrolado no inventário.
Requer, ao final, a reforma da sentença para que sejam restituídos os bens
sonegados ao espólio, com a condenação da recorrida à pena de sonegados.
Contrarrazões às f. 252/257.
Manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça pela não intervenção no feito.
É o relatório.
Conheço do recurso de apelação, pois presentes os pressupostos intrínsecos e
extrínsecos de admissibilidade.
I - Do objeto do recurso.
Trata-se de ação de sonegados ajuizada por Célia Gonçalves Batista em face
de Benigna Borges Filha, inventariante e herdeira dos bens deixados por
Ercília Gonçalves Borges, genitora das litigantes, ao argumento de que a
requerida dolosamente deixou de arrolar bens de propriedade da falecida,
especificamente uma casa e cômodo comercial edificados no imóvel partilhado,
aluguéis provenientes destes, saldo bancário, bem como um mausoléu existente
no cemitério São Pedro, localizado na cidade de Uberlândia.
Ao final, pleiteou a condenação da requerida a restituir os bens sonegados
ou a indenizar o espólio na importância de R$ 24.432,53, aplicando-lhe os
efeitos da ação de sonegados, bem como a pagar aluguel pelo período em que
utilizou, como moradia, o imóvel inventariado desde o falecimento da de
cujus até a data em que vendeu para a requerida sua parte do bem (outubro de
2004 a outubro de 2005).
O Magistrado proferiu sentença, julgando improcedente a ação, ao argumento
de que não demonstrados o dolo, a má-fé e o intuito da apelada em prejudicar
os demais herdeiros, requisitos necessários para o acolhimento do pedido de
sonegação.
Irresignada, afirma que a apelada tinha pleno conhecimento da existência de
outros bens de propriedade da falecida e que estariam sujeitos à partilha -
numerário em conta-corrente, mausoléu e renda proveniente do aluguel de
imóveis -, ocultando-os, propositadamente, quando da tramitação da ação de
inventário, no intuito de lesar os demais herdeiros e beneficiar-se
economicamente.
A sonegação ocorre quando há dolo na ocultação de bens que devem ser
inventariados ou levados à colação, ensejando a aplicação de sanção própria,
consistente na perda do direito que teria o herdeiro sobre os bens
sonegados.
Nesse sentido, dispõe o art. 1.992 do Código Civil, in verbis:
"Art. 1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no
inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de
outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de
restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia''.
Com efeito, a simples omissão quando da declaração de bens na ação de
inventário, seja por erro ou ignorância do herdeiro/inventariante, por si
só, não configura a situação de sonegação ou enseja a aplicação da pena
prevista na norma citada. Há necessidade do elemento subjetivo: intenção
maliciosa, portanto o dolo daquele que deixou de informar bens do monte
partilhável.
Confira-se:
"Sonegados. Omissão de bem móvel que foi adquirido através de financiamento.
Lucro decorrente de parceria rural. - 1. A ação de sonegados pressupõe a
ocultação dolosa de bens por quem deveria trazê-los à colação, sendo
imprescindível provar não apenas a existência dos bens sonegados, mas,
sobretudo, do dolo na ocultação. - 2. A possibilidade de terem o
inventariante e os herdeiros tido algum proveito econômico em razão de
parceria rural e que não foi levado ao inventário não constitui hipótese de
sonegação, pois o lucro depende de apuração e não se vislumbra dolo, e caso
venha a ser apurado poderá ser alvo de sobrepartilha. - 3. Também a não
descrição no rol dos bens partilháveis de máquina colheitadeira, que foi
adquirida mediante financiamento, não configura sonegado, pois não se
verifica omissão dolosa, tratando-se de fato de todos conhecido, devendo tal
bem ser objeto de sobrepartilha. Recurso desprovido'' (Apelação Cível nº
70020009254, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio
Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 08.08.2007).
A questão litigiosa, portanto, cinge-se em perquirir acerca da configuração
da sonegação por parte da inventariante, quer dizer, se ficaram demonstrados
a ocultação e o dolo da recorrida em omitir os bens descritos na inicial, no
intuito deliberado de fraudar o inventário, beneficiando-se em prejuízo dos
demais herdeiros.
Registre-se que o inventário, já encerrado, tramitou pelo rito de
arrolamento sumário, no qual fora declarado pela apelada/inventariante um
único bem a partilhar entre os filhos da de cujus, qual seja um imóvel
situado na Rua Cruzeiros dos Peixotos nº 688, Bairro Nossa Senhora
Aparecida, contendo uma casa de morada, com área construída de m2, com todas
as suas instalações e benfeitorias, e seu respectivo terreno, designado por
Lote s/nº da Quadra 401, com área de 350 m2, matriculado sob o nº 21.955 no
Cartório do Primeiro Registro de Imóveis e Hipotecas da cidade de Uberlândia
(f. 11 dos autos em apenso).
A apelante alega existirem 2 casas e 1 cômodo comercial construídos no
terreno descrito no processo de inventário, e não somente uma casa como
mencionou a apelada na declaração de bens, de modo que configurada a
ocultação. Afirma, ainda, que a recorrida residiu no imóvel da de cujus sem
o devido pagamento de aluguel ao espólio, bem como aduz que as demais
construções estiveram alugadas por determinado período, não tendo tais
valores sido levados ao monte para serem partilhados.
Como bem ressaltou o Magistrado singular, descabida a discussão acerca do
pedido de condenação da requerida ao pagamento do aluguel no período em que
residiu no imóvel da falecida, porquanto deve ser objeto de ação própria.
Lado outro, verifica-se que, no registro do referido imóvel, consta somente
a existência de uma casa de morada no terreno; entretanto, não há falar em
sonegação das demais edificações, pois o imóvel foi partilhado por inteiro
entre os herdeiros, com todas as instalações e benfeitorias, tendo sido,
inclusive, recolhido o ITCD com a descrição de todas as construções
existentes no lote, conforme se depreende da "Declaração de Bens e Direitos"
dirigida ao Fisco (f. 29 do apenso).
Sustenta ainda a recorrente que, embora demonstrada a existência de alguns
gastos, a apelada não comprovou detalhadamente que todo o dinheiro
proveniente da conta bancária e dos aluguéis percebidos com os imóveis não
arrolados tenha sido utilizado para o pagamento de despesas da inventariada
e do inventário.
Nesse ponto, também não vislumbro a sonegação, senão vejamos.
Extrai-se dos autos que a genitora das litigantes faleceu em 19.10.2004,
data em que a apelada admitiu ter realizado dois saques bancários no valor
de R$ 3.080,00 e R$ 2.500,00, sendo que, em 08.11.2004, fora efetuada nova
retirada no importe de R$ 500,00, situação corroborada pelo extrato de f.
56/57.
Depreende-se que a "casa da frente'' foi objeto de contrato de locação no
período de 05.03.2005 a 04.09.2005, pelo valor mensal de R$ 350,00 (f.
10/11); nada obstante, teve a duração de apenas três meses, tendo sido
rescindido o contrato diante das dificuldades financeiras do locatário. O
cômodo comercial era alugado por R$ 100,00 mensais. Nesse sentido, o
depoimento da testemunha José Henrique Alves Pereira:
"É inquilino de um cômodo que se localiza na parte frontal da casa da
requerida há mais ou menos oito anos; começou pagando o aluguel no valor de
R$ 80,00; depois passou a pagar R$ 100,00, pagando tal quantia por cinco
anos mais ou menos e no mês passado passou a pagar R$ 150,00; antes de dona
Hercília falecer, fazia os pagamentos diretamente para ela, mesmo quando ele
estava doente/acamada, porque ela era muito sistemática; depois do
falecimento dela, passou a entregar o valor do aluguel para a requerida;
[...] em tal local só trabalha o depoente; não sabe ao certo o período, mas
pode afirmar que a casa que é destinada a locação e fica no mesmo terreno,
após o falecimento da genitora das partes, ficou algum tempo locada e algum
tempo desocupada; quando do falecimento, o imóvel ficou desocupado um tempo
e foram feitas algumas melhorias no portão e no banheiro, salvo engano;
depois o imóvel foi alugado e permaneceu locado uns três meses; pelo que
recorda, o rapaz desocupou o imóvel porque não estava pagando o aluguel;
posteriormente o imóvel foi colocado à venda, permanecendo desocupado, até
que a requerida disse para o depoente que adquiriu o referido imóvel;" (f.
231).
Com efeito, os valores existentes na conta bancária da falecida e os
aluguéis percebidos pela inventariante após a morte da inventariada até a
alienação da quota parte do imóvel da apelante para a recorrida, em outubro
de 2005, de fato, não foram comunicados ao inventário.
Entretanto, a prova documental apresentada pela apelada, que cuidou da mãe
nos últimos dez anos de sua vida, é contundente no sentido de que o dinheiro
foi integralmente utilizado para o pagamento de despesas da inventariada e
do inventário, tais como gastos com hospital (R$ 1.300,00), acompanhamento
médico (R$ 130,00), exames laboratoriais e remédios (R$ 715,32), serviços
domésticos (R$ 480,00), funeral (R$ 1.209,31), inventário e honorários
advocatícios (R$ 2.952,04 e R$ 4.000,00), IPTU (R$ 364,99), totalizando o
importe de R$ 11.151,66 (f. 107/148).
Ressalte-se que, mesmo se for considerada a nota fiscal acostada pela
apelante, emitida pela funerária Ângelo Cunha tão somente em 04.07.2005
(quase um ano após o falecimento), pela qual comprova o pagamento de R$
1.100,00 referente às despesas do funeral, verifica-se que os gastos da
apelada com a inventariada e o inventário superam o valor sacado da conta
bancária e os aluguéis percebidos, sendo certo que não houve qualquer outra
contribuição financeira da recorrente quando do trâmite da ação de
inventário, conforme afirmou em seu depoimento pessoal (f. 227/228).
Assim, ainda que os valores provenientes do saldo bancário e dos aluguéis
dos imóveis não tenham sido arrolados quando do inventário, não vislumbro a
sonegação, seja porque o dinheiro foi todo comprometido com o pagamento das
despesas acima mencionadas, seja porque não comprovado o intuito fraudulento
da apelada na omissão.
Por fim, resta analisar a questão atinente ao jazigo, onde se encontra
sepultada a autora da herança, bem como o genitor das partes.
Aduz a recorrente que o mausoléu sonegado possui valor comercial, por estar
localizado em um dos cemitérios tradicionais da cidade de Uberlândia, e
deveria ter sido arrolado no inventário.
O i. Magistrado rejeitou o pedido inicial em relação ao bem, ao argumento de
não haver comprovação de que se trata de um mausoléu e de que nele ainda
caibam restos mortais de outras pessoas além dos genitores das partes, bem
como pelo fato de não ter sido demonstrado que referida sepultura é passível
de alienação a terceiros e possua valor venal.
Como cediço, inexiste titularidade dominial sobre o terreno onde se assenta
o jazigo, mas tão somente concessão do direito real de uso pelo Poder
Público, por prazo certo ou indeterminado, sob a administração e
regulamentação do poder concedente.
Embora haja óbice legal quanto à transferência da titularidade da sepultura
a terceiros, por se tratar de bem público e não sujeito a negócio jurídico
de direito privado, não há impeço quanto à transferência do direito de uso e
gozo para os herdeiros, devendo a transmissão causa mortis ser objeto de
inventário, mesmo porque se trata de direito de valor estimável, inclusive
sujeito ao recolhimento do ITCD, e passível de ônus financeiros decorrentes
de sua conservação.
Nesse sentido:
"Jazigos perpétuos. Requerimento de alvará judicial visando a transferência
do direito de uso e gozo dos jazigos ao herdeiro e em decorrência da morte
do titular. Decisão que indefere tal requerimento por entender que seja
necessária a abertura de inventário/arrolamento. Agravo de instrumento.
Questão que não se insere nas hipóteses de sub-rogação existentes no Código
Civil e, portanto, inaplicável o art. 1.112, II, do CPC. Transmissão de
direito que desafia a abertura de 'arrolamento', inclusive com o
recolhimento do imposto de transmissão mortis causa incidente sobre a
transferência da titularidade do direito. Recurso ao qual se nega
provimento'' (TJRJ. Agravo de Instrumento 0030089-31.2005.8.19.0000. Rel.
Des. Orlando Secco, j. em 22.11.2005).
"Inventário. Jazigo. Promessa de uso perpétuo - Transferência - Direito
sucessório. Jazigo perpétuo. Transferência. Causa mortis. - O denominado
jazigo perpétuo pode ser transferido para os herdeiros e sucessores do
titular desse direito. No caso, quem adquiriu o sarcófago foi a genitora da
ora inventariada. Com a sua morte, sem deixar ascendentes, nem descendentes,
o direito se transfere ao seu cônjuge. Recurso improvido'' (TJRJ. Agravo de
Instrumento nº 0013406-84.2003.8.19.0000. Rel. Des. Bernardino M. Leituga,
j. em 25.11.2003).
No presente caso, o documento de f. 52 informa que a falecida era
"possuidora da titularidade da sepultura nº 17, quadra nº 02, Cemitério São
Pedro", tendo a inventariante omitido tal fato quando da ação de inventário,
ao argumento de que pertence à família e não seria objeto de alienação.
Lado outro, inexiste comprovação de que a apelada tenha ocultado dolosamente
o bem, de modo que também não vislumbro a presença dos requisitos
necessários para configurar a sonegação alegada, impondo-se, contudo, a
sobrepartilha.
II - Conclusão.
Ante o exposto, dou provimento em parte ao recurso, apenas para que seja
realizada a sobrepartilha do direito de uso e gozo do jazigo.
É como voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Fernando Botelho e Edgard
Penna Amorim.
Súmula - DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO.
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