AÇÃO DE SONEGADOS - EXISTÊNCIA DE CONTA BANCÁRIA DE INVESTIMENTOS E AÇÕES
JUDICIAIS NÃO ELENCADOS NA RELAÇÃO DE BENS A INVENTARIAR - RESTITUIÇÃO -
PERDA DA INVENTARIANÇA
- Restando demonstrado, nos autos, que a inventariante deixou de incluir
dolosamente no rol de bens a partilhar conta de fundo de investimentos e
ações judiciais de que o de cujus era o autor e que, portanto, poderão
acrescer créditos, deve ser ela removida da inventariança e obrigada a
restituí-los ao monte-mor.
Apelação Cível n° 1.0024.06.237570-4/003 - Comarca de Belo Horizonte -
Apelante: M.E.A.Z.J. - Apelados: F.G.J. e outro - Relatora: Des.ª Teresa
Cristina da Cunha Peixoto
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Bitencourt
Marcondes, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata
dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar
provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 12 de maio de 2011. - Teresa Cristina da Cunha Peixoto -
Relatora.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Proferiu sustentação oral, pelos apelados, o Dr. Paulo Afonso dos Santos
Lopes.
DES.ª TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO - Conheço do recurso, por estarem
reunidos os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de sua admissibilidade.
Trata-se de ''ação de sonegados com pedido liminar inaudita altera partes''
ajuizada por F.G.J., A.G.J. e S.J.P. em face de M.E.A.Z.J., alegando que são
filhos do falecido F.G.J. e que a requerida era sua esposa, sendo que têm
conhecimento de uma conta nº 97906360 junto ao Banco Citibank, com valor de
R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), e de três ações ajuizadas pelo de cujus
que podem gerar crédito ao espólio e que não foram apresentados como bens a
inventariar pela suplicada, nomeada inventariante, no ato das primeiras
declarações.
Sustentam que ''a inventariante furtou-se de seu dever de informar ao juízo
a relação completa e individuada de todos os bens do espólio, conforme
prescreve o art. 993, inciso IV, do CPC. Declaram, ainda, que deixaram de
arrolar a conta existente no Citibank, porque o saldo existente pertencia
única e exclusivamente à inventariante, alegando tratar-se de bem particular
não inventariável'' (f. 04), requerendo, pois, a procedência do pedido, com
a colação dos bens sonegados no rol de bens a inventariar, a perda dos
direitos da inventariante que recaiam sobre os bens sonegados e a sua
remoção da inventariança.
O MM. Juiz singular, às f. 144/156, julgou parcialmente procedente o pedido,
''para declarar a sonegação de bens pela ré nos autos do inventário de
F.G.J., Processo nº 024.06.026.751-5; para determinar que a ré leve ao rol
dos bens inventariados os bens sonegados, a fim de que sejam partilhados, e,
especificamente quanto ao saldo antes existente junto ao Citibank, para que
efetue o depósito judicial do valor, corrigido e atualizado monetariamente,
junto ao Banco do Brasil, Agência Tribunais, no prazo de 15 dias; bem como
para destituir a ré do encargo de inventariante e para deixar de declarar a
perda do direito da ré sobre os bens sonegados, tudo fazendo com fulcro no
art. 269, I, do CPC'' (f. 155).
Em razão da sucumbência recíproca, condenou a parte autora ao pagamento de
20% (vinte por cento) das custas processuais e honorários advocatícios,
fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, bem como a parte ré
ao pagamento dos outros 80% (oitenta por cento) das custas e honorários
advocatícios, os quais fixo em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa.
Inconformada, apelou M.E.A.Z. (f. 183/189), alegando que, ''no caso
vertente, não houve ocultação do saldo em conta-corrente, nem a respeito da
existência de ações em tramitação, nem se provou dolo'', ressaltando que
''deixou claro que fará a sobrepartilha após dirimida a controvérsia a
respeito da propriedade do saldo da conta-corrente, nas f. 118 e 395, ambos
dos autos do inventário, o que inibe se possa falar em encerramento da
descrição dos bens. Sua conduta evidencia boa-fé processual e afasta um dos
requisitos para a propositura da ação de sonegados, inibindo, ainda, se fale
em dolo'' (f. 188).
Contrarrazões às f. 193/205.
Revelam os autos que F.G.J., A.G.J. e S.J.P. ajuizaram ação de sonegados em
face de M.E.A.Z., alegando, em síntese, que a requerida, na qualidade de
inventariante dos bens deixados pelo falecido F.G.J., pai dos autores,
deixou de colacionar, como bens do de cujus, conta existente no Banco
Citibank e três ações ajuizadas, cujo ganho poderá gerar acréscimo
patrimonial. O pedido foi julgado parcialmente procedente em primeiro grau,
o que motivou o presente recurso.
Inicialmente, registro que, com relação ao pedido não acolhido dos autores
de que fosse declarada a perda do direito da requerida sobre os bens
sonegados, não houve interposição de recurso e, portanto, nesse aspecto,
será mantida a sentença.
Quanto ao restante da matéria tratada nos autos, sonegação de bens e remoção
de inventariante, estipulam os arts. 1.992 e 1.993 do Código Civil que:
''Art. 1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no
inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de
outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de
restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia''.
"Art. 1.993. Além da pena cominada no artigo antecedente, se o sonegador for
o próprio inventariante, remover-se-á, em se provando a sonegação, ou
negando ele a existência dos bens, quando indicados''.
Sobre o tema preleciona a autoridade de Caio Mário da Silva Pereira:
''A ação de sonegados é a via judicial destinada a obrigar o inventariante
ou herdeiro a apresentar os bens que dolosamente ocultar.
Nunca se presumindo, o dolo deverá ser provado, demonstrando-se a intenção
maliciosa. E, na falta de prova, concluir-se-á que a ocultação é fruto de
ignorância. Tal prova resultará, contudo, do fato da ocultação - dolus pro
facto est - se o inventariante for intimado a apresentar a coisa sonegada e
não o fizer. Presumir-se-á, então, o propósito de se apropriar dela, salvo
se o acusado, justificando a causa de seu procedimento, demonstra a boa-fé.
Só se pode, contudo, arguir de sonegação o inventariante, depois de
encerrada a descrição dos bens, com a declaração por ele feita de não
existirem outros a inventariar e partir; e o herdeiro, depois de declarar no
inventário que os não possui (novo Código Civil, art. 1.996). É costume, no
termo de declarações finais, protestar o inventariante pela apresentação de
outros bens que ainda apreçam, acobertando-se desta sorte contra a imputação
de sonegar. Cabe então ao interessado, que tenha conhecimento da existência
de outros bens, interpelar o inventariante para que os declare,
apontando-os. E, na recusa ou omissão, caracteriza-se o propósito malicioso
e punível, que ensejará a ação.
Ao inventariante, convencido da sonegação, será ainda imposta a remoção da
inventariança, e perda da parte nos bens sonegados (novo Código Civil, arts.
1.992 e 1.993).
Se a sonegação for praticada por herdeiro, que oculte a coisa em seu poder,
ou que omita a colação de doação ou dote recebido, perderá ele o direito que
na sucessão lhe caiba sobre aquele bem [...].
Em qualquer dos casos, o sonegador, como agente de um ato ilícito, responde
por perdas e danos, além da restituição do que ocultar, ou seu equivalente
pecuniário, se já não existir em espécie (novo Código Civil, art. 1.995). Os
herdeiros prejudicados têm direito aos frutos e rendimentos, desde o momento
em que o sonegador se constituiu de má-fé'' (Instituições de direito civil,
Direito das Sucessões. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 6, p. 396-397).
No caso em análise, tem-se que, de fato, ocorreu a ocultação pela
inventariante da conta/fundo de investimentos e aplicações nº 97906360 junto
ao Citibank na relação de bens a inventariar do falecido F.G.J.
Com efeito, pelo exame das provas carreadas aos autos, verifica-se que
consta da Declaração de Ajuste Anual Simplificada - 2006 - Ano Base - 2005
(f. 91 e 150/152-apenso), a existência do saldo de R$ 288.368,00 em fundos
de investimentos junto ao Banco Citibank, conta que estava em nome do
falecido e da ora recorrente, consoante documento de f. 108/116,
registrando, nesse aspecto, que a requerida sempre teve ciência da
existência da conta, tanto assim que, logo após o falecimento de seu marido,
requereu a exclusão do de cujus da titularidade da conta, conforme documento
de f. 123. Demais disso, verifica-se que o F.G.J. faleceu em 20.02.2006,
conforme certidão de óbito de f. 124, tendo ocorrido em abril de 2006,
certamente pela titular remanescente da conta, resgates e saques em importe
superior a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), consoante se vê dos extratos
de f. 95/96.
É como minudentemente estabeleceu o douto Magistrado de 1º grau:
''In casu, a ré, nomeada inventariante dos bens deixados por falecimento do
Sr. F.G.J., deixou de relacionar saldo junto ao Citibank, sob a alegação de
se tratar de bem pertencente exclusivamente à mesma, e, portanto, "não
inventariável' (f. 30 dos autos do inventário).
Não obstante tal alegação e ainda o fato de que a conta no Citibank era
conjunta do falecido e da ré, é de se levar em consideração que, conforme
declaração de imposto de renda feita pelo falecido, com relação ao ano-base
de 2005 (f. 151 dos autos do inventário), o mesmo possuía R$ 288.368,00 em
fundos de investimento no Citibank, no final daquele exercício, ou seja, em
31.12.2005.
Ora, o óbito do Sr. F.G.J. deu-se em 19.02.2006. Logo após, segundo
informações prestadas pelo Citibank às f. 171/178 e 331/332, a ré como 2ª
titular da conta mantida naquela instituição, efetuou resgates e saques
vultosos; resgate de R$ 112.682,84, no dia 12.04.2006; saque de R$
95.000,00, em 13.04.2006; resgate de R$ 78.261,46 e saque de R$ 95.000,00,
em 17.04.2006; resgate de R$ 90.342,00 e saque de R$ 90.000,00, em
18.04.2006. A ré ainda requereu fosse alterada a titularidade da conta,
sendo excluído o nome do falecido, o que, inclusive, causou certa
dificuldade por parte deste Juízo no tocante à obtenção de informações junto
ao Citibank.
Evidentes as manobras da ré no sentido de tentar alterar o perfil dos bens
sujeitos a inventário por falecimento do Sr. F.G.J.'' (f. 150/151).
Tais fatos, por si sós, demonstram a intenção dolosa da apelante que se
avoluma quando se verifica que, por diversas vezes, nos autos do inventário,
os herdeiros pugnaram pela inclusão da conta na relação de bens a
inventariar, interpelando a inventariante que, reiteradamente, se furtou a
fazê-lo (f. 09, 22/23, 32, 63/68, 79/81, 162, 317/321 e 359/361 - apenso).
Anoto, por oportuno, que a alegação da requerida nos autos do inventário e
apresentada como defesa na presente ação de sonegados de que o saldo
existente na conta pertenceria única e exclusivamente a ela, por se tratar
de bem particular não inventariável, mostra-se isolada e incomprovada,
porquanto, repita-se, a conta-investimento estava elencada na declaração de
bens do falecido.
Da mesma forma, também com relação as ações ajuizadas pelo de cujus,
registrando que, em uma delas, a ora apelante também figura como parte
autora, verifica-se que pugnaram os herdeiros pela inclusão dessas ações no
rol de bens a inventariar, conforme petição de f. 63/68-apenso, negando-se a
então inventariante, sem qualquer justificativa plausível, a incluí-las,
dando conta da sua intenção de lesar os filhos do de cujus, já que as
demandas, se julgadas procedentes, poderão gerar créditos que devem ser
partilhados.
Também no concernente à assertiva de que a fase de declarações de bens nos
autos do inventário não se encontra encerrada, já que dependente da decisão
acerca da titularidade da conta, tal alegação não procede, pois a
titularidade da conta está comprovada pelos documentos bancários acostados
aos autos, ao que se acresce já ter havido determinação para o pagamento do
ITCD no processo de inventário, o que demonstra já ter sido encerrada a fase
de declaração de bens.
Assim, entendo, como o douto Juízo singular, que devem os bens sonegados ser
incluídos no rol a partilhar, sendo que o valor atinente à conta de
investimentos do Citibank deve ser depositado na conta no Banco do Brasil e,
configurada a atitude da apelante que, ardilosamente, sonegou os bens do
espólio, pretendendo deles se apoderar, deve ser removida da inventariança,
na forma do art. 995, inciso V, do Código de Processo Civil e do art. 1.993
do Código Civil, que taxativamente impõem a remoção do inventariante quando
comprovada a sonegação.
Nesse sentido, a jurisprudência:
''Ementa: Apelação cível. Ação de sonegados. Inventário. Bens adquiridos na
constância do casamento. Comunhão parcial de bens. Art. 269 do CC de 1916.
Inexistência de provas de que a aquisição dos bens tenha se dado unicamente
com o produto da venda de bens do patrimônio particular de um dos cônjuges.
Sonegação. Inventariante. Remoção. Art. 995, inciso VI, do CPC. - O art. 269
do Código Civil de 1916, sob cuja égide foi realizado o casamento da
requerida com o falecido dispunha que, no regime de comunhão limitada ou
parcial, excluem-se da comunhão os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e
os que sobrevierem, na constância do matrimônio, por doação ou por sucessão
(inciso I); e os adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos
cônjuges, em sub-rogação dos bens particulares (inciso II). - Inexistindo
provas concretas de que os bens tidos por sonegados tenham sido adquiridos
unicamente com o produto da venda de alguns outros do patrimônio particular
da requerida ou de que sejam provenientes do trabalho exclusivo desta, a
presunção é a de que foram adquiridos por ambos os cônjuges na constância do
casamento, resultando daí o fato de serem as autoras herdeiras necessárias
também destes bens'' (Apelação Cível n° 1.0335.07.009011-3/001 - Comarca de
Itapecerica - Apelante: Cleusa Lopes Corrêa Oliveira - Apelados: Amélia
Alzira Oliveira e outro - Relator: Des. Armando Freire).
''Ementa: Ação de sonegados. Exclusão indevida de bem da partilha. Ato
simulado. Dolo do inventariante. Provas dos autos. Intuito de sonegação
evidente. Remoção do inventariante e inclusão do bem. A ação de sonegados é
cabível quando o inventariante deixa de arrolar bem susceptível de partilha.
Não obstante, este instrumento também afigura-se pertinente quando o
inventariante logra êxito em excluir do inventário bem divisível. O dolo
fica claro, impondo a inarredável aplicação das sanções previstas no art.
1.992 do CC, se comprovadamente a exclusão do bem tiver sido baseada em
alegações inverídicas, provas fraudulentas e má-fé'' (Apelação Cível n°
1.0439.05.044403-3/001 - Comarca de Muriaé - Apelante: Mizael Ribeiro do
Vale - Apelado: José Cláudio Freitas do Vale - Relatora: Des.ª Vanessa
Verdolim Hudson Andrade).
Mediante tais considerações, nego provimento ao recurso, mantendo a bem
lançada sentença de f. 144/156 da lavra do culto e operoso Magistrado Dr.
Maurício Pinto Ferreira.
Custas recursais, pela apelante.
DES. VIEIRA DE BRITO - De acordo.
DES. BITENCOURT MARCONDES - De acordo.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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