NULIDADE DA SENTENÇA - FUNDAMENTAÇÃO - ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES DEDUZIDAS
- AÇÃO DE RESOLUÇÃO CONTRATUAL CUMULADA COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE -
INADIMPLEMENTO DAS PRESTAÇÕES ÀS QUAIS SE OBRIGOU O PROMISSÁRIO COMPRADOR -
COMPROVAÇÃO DA MORA - NEGÓCIO JURÍDICO RESOLVIDO - POSSE PRECÁRIA -
REINTEGRAÇÃO - EFICÁCIA RESTITUITÓRIA DO PROVIMENTO - RETORNO IMEDIATO DAS
PARTES AO STATUS QUO ANTE - DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS PELO PROMITENTE
COMPRADOR - VOTO VENCIDO PARCIALMENTE
- Tendo a sentença enfrentado, ainda que sucintamente, todas as questões
relevantes ao feito, expondo de forma clara e em consonância com os
elementos dos autos, o caminho lógico-jurídico percorrido para chegar-se à
conclusão externada, não há falar em sua nulidade ao fundamento de ter sido
omissa.
- A cláusula resolutiva constitui-se em estipulação expressa ou mesmo
presumida pela lei que autoriza um dos contratantes a resolver
jurisdicionalmente o negócio jurídico quando o outro não cumprir suas
obrigações.
- Na promessa de compra e venda de imóvel, o inadimplemento das prestações
assumidas pelo promissário comprador implica a resolução do contrato pela
parte contrária, e, por conseguinte, torna sua posse precária, autorizando a
reintegração do promissário vendedor.
- O provimento que resolve o contrato de promessa de compra e venda tem como
uma de suas eficácias imediatas a restituitória, com o consequente retorno
das partes ao status quo ante, o que necessariamente implica a natural e
imediata devolução das parcelas já adimplidas pelo promitente comprador,
observada, contudo, a retenção da cláusula penal.
- V.v.p.: - Revela-se abusiva a retenção de valores a título de despesas
administrativas em percentual acima de 10% dos valores pagos quando o
devedor já houver pago quantia considerável do débito. Aplicação do art. 413
do Código Civil de 2002.
- A rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel confere ao
vendedor o direito de indenização pelo tempo de fruição que o comprador
utilizou do imóvel. Contudo, o percentual estipulado a esse título deve ser
razoável sem implicar prestação demasiadamente onerosa para o devedor.
Apelação Cível n° 1.0702.04.185538-9/002 em conexão com Apelações Cíveis
1.0702.05.191958-8/001, 1.0702.05.227999-0/001, 1.0702.06.333584-9/003 -
Comarca de Uberlândia - 1º apelante: Simeão Clemente de Souza - 2º apelante:
Embrah - Empresa Brasileira de Habitação Ltda. - Apelada: Embrah - Empresa
Brasileira de Habitação Ltda., Simeão Clemente de Souza - Relatora: Des.ª
Selma Marques
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência da Desembargadora Selma Marques,
na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em
rejeitar a preliminar de nulidade da sentença e dar parcial provimento a
ambos os apelos, nos termos do voto da Relatora, vencido parcialmente o
Vogal.
Belo Horizonte, 24 de março de 2010. - Selma Marques - Relatora.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES.ª SELMA MARQUES - Cuida-se de recursos de apelação interpostos contra a
r. sentença de f. 161/167 que, nos autos da ação de reintegração de posse
c/c perdas e danos ajuizada por Embrah - Empresa Brasileira de Habitação
Ltda. contra Simeão Clemente de Souza, julgou procedente o pedido para
"Rescindir o contrato de f. 28/35, confirmar a liminar tornando definitiva a
reintegração de posse; condenar o réu no pagamento da fruição a ser apurada
em liquidação de sentença por artigos; condenar o réu no pagamento dos
acessórios já descritos, podendo haver compensação com o valor da
restituição das parcelas pagas em uma única vez corrigidas monetariamente a
partir de cada pagamento". O il. Juízo sentenciante declarou ainda a
nulidade da cláusula 46 "a" que impunha a cobrança de 20% do montante pago a
título de cláusula penal.
Inconformada, apelada a parte ré, f. 170/183, dizendo que o MM. Juiz não
apreciou, nos autos e na r. sentença atacada, seus pedidos de: julgamento
simultâneo dos processos; produção de prova pericial; e inversão do ônus da
prova. Sustenta que referidas omissões implicam a nulidade da sentença não
só pela ausência de prestação jurisdicional, como também por cerceamento de
defesa.
Após, sustenta a existência de abusividades e irregularidades nos contratos
celebrados. Assinala a necessidade de revisão do contrato com a anulação das
cláusulas abusivas, especialmente a correção monetária e o valor contratado
do imóvel, que teria sido estipulado em preço muito acima daquele de
mercado.
Salienta a necessidade de que seja devidamente indenizado pelas benfeitorias
úteis e necessárias que realizou no imóvel, situação que geraria até mesmo o
direito de reter a coisa.
Alega que, para que pudesse a construtora obter a rescisão do contrato,
seria necessário que estivesse em mora, situação que, contudo, segundo
alega, não ocorre nos autos. Sustenta mesmo não ter sido comunicado
previamente da necessidade de desocupar o imóvel.
Afirma que não pode ser despojado do imóvel onde reside com sua família sem
que seja observado seu direito a impugnar e evidenciar a existência de
abusividades no contrato celebrado.
A parte autora também demonstrou sua irresignação com a r. sentença atacada,
apelando às f. 184/195, pugnando pela incidência da multa rescisória e pela
abragência da fruição durante todo o período em que o imóvel esteve ocupado.
A resposta ao segundo apelo foi oferecida às f. 200/210 e ao primeiro às f.
212/221.
Presentes os requisitos legais, admito ambos os recursos que, ante a
similitude da matéria, serão analisados conjuntamente.
Da preliminar de nulidade da sentença suscitada no primeiro apelo.
Sustenta a parte ré a existência de preliminar de nulidade da sentença por
duas razões. Diz o apelante que a sentença seria infra petita, por não ter
apreciado os pedidos referentes ao julgamento conjunto dos processos
ajuizados, e ainda os requerimentos relacionados à dilação probatória. Anota
que, como consectário lógico de tal situação, teria ocorrido cerceamento de
defesa.
Não há falar tenha a r. sentença deixado de apreciar a integralidade dos
pedidos formulados pela parte autora.
Desde logo, observa-se o apensamento das ações de reintegração de posse,
cautelar inominada, consignação em pagamento e da revisional, todas
sentenciadas na mesma data. Inexistiu prejuízo ante o fato de não terem sido
decididas na mesma sentença. Tal situação não impediu que o Juízo
sentenciante considerasse, para sentenciar cada um dos processos, os
resultados oriundos dos autos.
Lado outro, ainda que de forma sucinta, as matérias atinentes à prova foram
devidamente apreciadas pelo Juízo sentenciante, que consignou:
"A matéria discutida nos autos dispensa a produção de outras provas além das
já apresentadas, autorizando o julgamento antecipado da lide na forma do
art. 330, inciso I, do CPC", (f. 165).
Cumpre registrar que, se, "apesar da carência de fundamentação, a parte
tiver condições de desenvolver as razões do recurso de apelação,
possibilitando ao tribunal perfeita compreensão da controvérsia, parece-me
deva ser desconsiderado o vício. O objetivo da exigência constitucional é
propiciar o controle crítico da sentença, permitindo eventual falha cometida
pelo juiz e garantir o escopo do contraditório. Atingido esse escopo, deve
incidir o art. 244 do CPC" (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do
processo e técnica processual, 2006, p. 491). Assim, levando-se em
consideração que o Juízo de 1º grau apontou a desnecessidade da produção de
provas diante daquelas já constantes dos autos, permitindo o controle de seu
ato por meio de recurso que devolveu ao órgão ad quem a perfeita compreensão
da matéria, não há falar em nulidade. Nesse sentido o STJ:
"Na hipótese em que é atingido o fim perseguido pela exigência de motivação
das decisões judiciais, de modo a restar garantida a possibilidade de
impugnação da decisão, é injustificável o rigor formal, devendo-se, ante a
ausência de prejuízo às partes, afastar a pretendida decretação de nulidade,
por prestigiar tal entendimento os princípios da finalidade e do prejuízo
que regem o sistema de nulidade processual" (STJ, 3ª T., ArrRg nos EDcl na
MC 3.596-SP, Rel.ª Min.ª Nancy Adrighi, DJU de 25.06.2001).
Com efeito, vale destacar que, no sistema processual brasileiro, "não são as
partes ou eventuais terceiros intervenientes os destinatários das provas. É
para quem julga a causa que ela deve ser produzida". Por isso, "na medida em
que o juiz estiver convencido das alegações das partes ou de terceiros, não
há razão para se produzir qualquer prova" (BUENO, Cássio Scarpinella.
Curso...,v. 2, t. 1, 2007, p. 234-235).
Nesse sentido também o STJ:
``Agravo interno - Cerceamento de defesa - O juiz é o destinatário da prova
e a ele cabe decidir sobre o necessário à formação do próprio convencimento.
Assim, a apuração da suficiência dos elementos probatórios que justificaram
o julgamento antecipado da lide e/ou o indeferimento de prova pericial
demanda reexame provas'' (AgRg no REsp 809788/RS, Agravo Regimental no
Recurso Especial 2006/0005497-4, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de
12.12.2007, p. 416).
A despeito de ter o réu, em sua contestação, feito breves referências à
existência de possíveis vícios na estrutura física da construção, deixa
consignado de forma expressa que a perícia que pleiteou tinha por único
desiderato a apreciação da incidência inadequada dos índices contratados.
Demais disso, eventual indenização pelas benfeitorias realizadas pode ser
devidamente quantificada em sede de liquidação de sentença.
Assim, inequívoco que a realização da prova pericial somente faria sentido
se constatada a contratação de algum encargo em desconformidade com a
legislação aplicável, o que pode ser aferido mediante simples análise do
contrato, motivo pelo qual sequer faria sentido falar-se em inversão do ônus
da prova.
A simples apresentação do contrato supre as necessidades fáticas para
apreciação da demanda.
Inexiste, assim, equívoco na disposição da r. sentença, que consignou a
desnecessidade de produção de outras provas que não aquelas já constantes
dos autos.
Isso posto rejeito a preliminar de nulidade da r. sentença atacada seja por
ausência de prestação jurisdicional - sentença citra petita -, seja por
cerceamento de defesa.
Do mérito.
Constou do contrato celebrado que:
"O preço total do presente contrato de compra e venda, assinado entre as
partes, é de R$ 33.174,00 (trinta e três mil cento e setenta e quatro
reais), que será pago em 151 (cento e cinquenta e uma) parcelas, cuja
prestação inicial é de R$ 219,70 (duzentos e dezenove reais e setenta
centavos), sendo: 4 (quatro parcelas) intermediárias pagas em 31.07.1998; 6
(seis) parcelas a serem pagas até a entrega das chaves, 1 (uma) parcela de
entrada paga em 12.08.1998, conforme recibo, 26 (vinte e seis) parcelas
antecipadas e mais 114 (cento e quatorze) parcelas mensais e sucessivas, a
serem pagas a partir de 10.09.1998. Fica convencionado, para manutenção do
equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que todas as parcelas a serem
pagas serão reajustadas, mas não superiores a 1.69 salários-mínimos (um
salário-mínimo e sessenta e nove centésimos), até o prazo previsto na alínea
"a" da cláusula 17; a partir de então serão corrigidas/reajustadas pelo IGP-M
na forma da alínea "b" da mesma cláusula. 2. As prestações vencerão, sempre,
no dia 10 de cada mês" (f. 28).
Note-se que as referidas estipulações, sobretudo aquela referente ao valor
do imóvel e à forma de reajuste das parcelas, estão sendo analisadas nos
autos do processo revisional em apenso, sem que, contudo, reste evidenciada
nenhuma abusividade, o que faz cair por água a maioria dos argumentos
vinculados em sede de contestação.
Merece destaque ainda o disposto na cláusula 45, que, ao regular entre as
partes eventual resolução do contrato, estabelece:
"Na falta de pagamento de 3 (três) parcelas consecutivas, ou de qualquer
outro débito do promissário comprador, ou de cumprimento de outra obrigação
contratual, o contrato ficará rescindido de pleno direito, independentemente
de prévia notificação judicial ou extrajudicial. [...]
Rescindido o Contrato, por inadimplemento ou culpa do Compromissário
Comprador, o valor pago será devolvido parceladamente e ao final [...].
[...] descontando-se 20% (vinte por cento) dos valores pagos, com a perda
parcial a título de multa compensatória pelo desfazimento do contrato.
"No caso de rescisão após a entrega das chaves, com a ocupação/posse da
unidade habitacional pelo compromissário comprador, além dos 20% (vinte por
cento) previstos nesta cláusula, será descontada a vantagem econômica obtida
com a utilização do imóvel. O valor da vantagem obtida será equivalente à
soma das prestações pagas, ou devidas, após a entrega das chaves até a
efetiva desocupação do imóvel. [...]" (f. 34).
Pelo documento de f. 38/40, demonstra a parte autora que houve por parte do
promitente comprador o pagamento de 34 parcelas referentes ao
empreendimento, tendo em 10.06.2001 deixado o autor da revisional de
proceder aos pagamentos.
A evolução do débito até novembro de 2004, levando-se em consideração o
valor inicial das parcelas com a incidência de correção monetária prevista
na avença e juros de mora, é devidamente demonstrada pelos cálculos de f.
41/44.
Demonstra a parte autora ainda estar o réu inadimplente com o IPTU, com as
taxas de condomínio e com a conta de luz, f. 45/54.
De sua mora, foi devidamente notificado o promitente comprador para que
quitasse o débito sob pena de ser o contrato rescindido com a consequente
necessidade de desocupação do imóvel em quinze dias, f. 55/56.
Assim, mormente quando considerada, na ação revisional cujos autos estão em
apenso, a rejeição das assertivas acerca da existência de abusividades no
contrato celebrado, indubitavelmente restam configurados, no caso dos autos,
os elementos da cláusula resolutiva. Importante frisar que, nas
"estipulações expressas ou presumidas pela lei em todos os contratos
bilaterais, por força das quais qualquer dos contratantes, se não preferir a
alternativa de reclamar a prestação, tem o direito de provocar a resolução
do contrato, caso o outro contratante não cumpra sua prestação" (TEPEDINO,
Gustavo et al. Código Civil interpretado à luz da Constituição da República,
2006, p. 118).
Nesse sentido ainda:
"O remédio resolutório é consequente do inadimplemento contratual de uma das
partes. O contrato nasce perfeitamente equilibrado - há o sinalagma genético
ao tempo de sua formação -, um evento ulterior introduz um desequilíbrio que
gera a perda da situação de equivalência originária e implica desfazimento
do negócio jurídico.
A resolução se prende aos contratos bilaterais, que surge uma
interdependência ente as prestações, pois toda a dinâmica da relação
pressupõe a reciprocidade entre a prestação de uma parte e a contraprestação
de outra. A importância da resolução consiste na possibilidade de corrigir o
desequilíbrio superveniente, mediante o direito potestativo ao desfazimento
da relação jurídica e o retorno à situação originária" (ROSENVALD, Nelson.
In: PELUSO, Min. Cezar (Coord.). Código Civil comentado, 2007, p. 366).
Demonstrado ter o recorrente dado causa à resolução contratual, sua posse se
tornou precária, configurando o esbulho e o direito da parte autora em ser
reintegrada na posse do imóvel, afinal "também se vislumbra o esbulho na
conduta de quem se recusa a restituir o imóvel após o término da relação
contratual que lhe conferiu a posse direta" (ROSENVALD, Nelson; CHAVES,
Cristiano. Direitos reais, 2007, p. 122), razão pela qual merece ser
confirmado o capítulo da sentença que determinou a reintegração dos autores
na posse definitiva do imóvel.
Necessário então enfrentar a questão da restituição das parcelas adimplidas
pelo promitente comprador. Isso porque tal hipótese é uma consequência
natural da resolução do contrato, devidamente assentada na eficácia
desconstitutiva do provimento judicial que resolve o contrato, visto que
devem as partes retornar ao status quo ante. Afinal, como bem leciona Araken
de Assis, "consumado em parte o projeto de intercâmbio prestacional próprio
do contrato bilateral, não basta a liberação: necessário se revela a
restituição cabal de tudo quanto se recebeu do parceiro", e isso até mesmo
na ausência de pedido certo e determinado relativo a tal fato. Ao
desenvolver o tema, registra o jurista gaúcho que:
"Decorre do art. 182 do CC-02 (art. 125 do CC-1916), cuja incidência
analógica em sede resolutiva se propugna, a eficácia restituitória,
remetendo os parceiros ao estado anterior. Semelhante consequência deriva da
natureza impingida ao remédio resolutório, como se teve ocasião de avaliar
ao extemá-lo de seus afins, e estabelece, ademais, uma das pontas da
identidade eficacial do instituto.
É princípio cardeal da resolução, sendo aceito explicitamente pela 1ª Turma
do STF, ao enfatizar 'rescindindo' - do remédio resolutivo, todavia, tratava
o julgado - o contrato, se restabelece o status quo ante.
Para alcançá-lo, se dispensa até um pedido `certo e determinado' (art. 286,
caput, do CPC): O efeito repristinatório se subsume no desfazimento do
contrato; daí por que apregoou a 1ª Turma do STF a devolução aos vendedores,
(por óbvio o texto refere-se aos compradores), das prestações pagas em
compromisso de compra e venda não inculca o vício de julgamento extra petita.
[...]" (Resolução do contrato por inadimplemento, 2004, p. 157/158).
Portanto é inequívoca a necessidade de que sejam restituídas as parcelas
adimplidas pela parte promitente compradora como algo inerente à resolução
do contrato que, a despeito do seu teor acerca da desnecessidade de
reconhecimento judicial, foi reconhecida pela r. sentença.
Também inerente à restituição das partes ao status quo ante é a entrega do
imóvel livre de débitos referentes a IPTU, taxa de condomínio e luz.
Outro ponto a ser considerado diz respeito à cláusula penal. Frise-se que
uma das funções desta cláusula penal é resguardar o empreendimento. Assim,
mormente se levado em consideração que o valor deve implicar prévia
estipulação das perdas e danos em sentido mais amplo, que, além da
compensação natural pela resolução do vínculo obrigacional por culpa do
contratante, deve abranger, também, os dispêndios de toda a ordem com a
celebração do vínculo. "Em suma, os fundamentos da cláusula penal, a
despeito da discussão doutrinária sobre sua finalidade precípua, são o de
servir de instrumento de pré-fixação das perdas e danos e, simultaneamente,
elemento de reforço do liame contratual. Para se tornar eficaz, portanto,
basta a materialidade do inadimplemento ou a configuração da mora do
devedor" (TEPEDINO, Gustavo et al. Código Civil interpretado... 2. ed.,
2007, p. 755).
Nesse sentido também:
"Consoante a jurisprudência do STJ, é possível aos adquirentes de imóvel em
construção a desistência da compra sob alegação de insuportabilidade do
pagamento das prestações, situação em que se reconhece, por outro lado,
direito da empresa empreendedora à retenção de parte da quantia paga, a fim
de se ressarcir das despesas administrativas havidas com a divulgação,
comercialização e corretagem na alienação. Precedentes do STJ que fixam o
percentual em 25% (2ª Seção, EREsp nº 59.870/SP, Rel. Min. Barros Monteiro,
unânime, DJU de 09.12.2002; 4ª Turma, REsp nº 196.311/MG, Rel. Min. Cesar
Asfor Rocha, unânime, DJU de 19.08.2002; 4ª Turma, REsp nº 723.034/MG, Rel.
Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 12.06.2006, dentre outros)''
(REsp 474388/SP, Recurso Especial 2002/0131054-3, Min. Aldir Passarinho
Junior).
Portanto, a primeira parte da cláusula penal fixada em 20% do montante
adimplido pela parte compradora deve mesmo incidir.
Todavia, não deve incidir a segunda parte da cláusula penal, que estabelece
a perda da integralidade das parcelas adimplidas, caso rescindido o contrato
após a entrega das chaves, cláusula 46, a).
Note-se que, forte no estabelecido pelo art. 413 do Código Civil, deve haver
a redução da cláusula penal de forma equitativa quando o montante da
obrigação se afigura manifestamente excessivo. Nesse sentido:
"Além da hipótese de cumprimento parcial da obrigação, o novo Código Civil
acrescentou outra que também conduz à redução equitativa da cláusula penal:
a de ser o valor da cláusula penal manifestamente excessivo. Também aqui
cumpre levar em conta a natureza e a finalidade do negócio celebrado. Será
flagrantemente excessivo, como reconhecem nossos tribunais, fixar a perda de
todas as prestações pagas em face do inadimplemento da última parcela, ou
ainda estipular multa que represente percentual próximo ao total do valor
devido. O critério para avaliar o caráter excessivo da multa é objetivo e
atende, a princípio, à pré-fixação das perdas e danos, não se admitindo a
interferência de fatores punitivos, como a apreciação do grau de culpa do
devedor ou o seu comportamento pregresso" (TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER,
Anderson. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código Civil Comentado. IV,
2008).
Demais, insta observar o caráter potestativo da cláusula contratual que não
diz com precisão se a multa compensatória, em caso de resolução contratual
após a entrega das chaves, será devida com base na soma das prestações pagas
ou devidas.
Desse modo deve ser fixado de forma razoável o valor da cláusula penal, que
será composta de duas parcelas.
Note-se que não é destituído de razoabilidade estabelecer que, dentro do
percentual de 20%, se encontra a privação da vantagem econômica pela fruição
do imóvel pela parte promitente compradora. Ora, a cláusula penal tem por
desiderato justamente a pré-fixação das perdas e danos e a privação da
exploração da coisa em decorrência de sua fruição por outrem.
Por isso, o percentual de 20% se mostra razoável mesmo após a entrega das
chaves.
Todavia, na multa sobre o percentual pago, não estão abrangidas as perdas e
danos oriundas a partir do momento em que houve o inadimplemento das
parcelas.
Frise-se que a partir daí inexiste qualquer contraprestação, ainda que no
intuito de adquirir a coisa, que permita que as perdas e danos oriundos da
fruição do imóvel por outrem possam tomar por base 20% sobre a quantia paga
pelo promitente comprador.
Por isso, como, aliás, determinado pela sentença, deve ser associado à
cláusula penal o pagamento referente à fruição do imóvel.
A sentença determinou, ante a ausência de elementos, seja fixado o montante
referente ao pagamento de alugueres pela fruição do imóvel por meio de
liquidação por artigos.
Entretanto, na falta de parâmetros e no intuito de facilitar a liquidação do
julgado, é razoável a adoção do percentual de 1% sobre o valor do imóvel em
relação a cada mês em que houve a fruição da coisa pelo promitente
comprador, sem a respectiva contraprestação.
Assim, deverá a parte ré ser condenada a indenizar à autora o equivalente a
1% do imóvel por cada mês que esteve no apartamento objeto do contrato no
período de junho de 2001 até novembro de 2006, quando ocorreu o efetivo
cumprimento do mandado de reintegração de posse, f. 142.
Resta, por fim, ainda no intuito de que seja promovido o perfeito retorno
das partes ao status quo ante, enfrentar a questão da indenização pelas
benfeitorias que, ante a precariedade da posse oriunda da resolução
contratual, por certo não geram o direito de retenção do imóvel.
Note-se que a r. sentença indeferiu o pedido ao argumento de que ausentes
elementos que permitam identificá-las com precisão.
Contudo, é no próprio contrato que resta consignado, cláusula 02, f. 29, que
o apartamento será entregue sem acabamento interno, ou seja, "sem louças,
pias e metais, sem portas internas, batentes e alizares; sem revestimento de
pisos, paredes e tetos e sem pintura interna". Tal fato é reforçado pela
cláusula 11, que consigna que "Não estão incluídos no preço pactuado e,
portanto, ficarão a cargo do compromissário comprador, todos acabamentos e
acessórios. [...]".
Por isso, nos termos do próprio contrato celebrado, em que a realização das
obras de acabamento interno é expressamente atribuída ao promissário
comprador e é condição para a fruição do imóvel, concessão do habite-se e
outros, inequívoco que, para assegurar o perfeito retorno das partes ao
status quo ante, deverá haver a indenização do promitente comprador pelas
obras que realizou no imóvel, por expresso encargo contratual.
O montante da indenização deverá ser obtido por meio de liquidação por
artigos que, com base nos expressos no próprio contrato celebrado, cláusulas
02 e 11, deverá considerar os gastos com: louças, pias e metais; portas
internas, batentes e alizares; revestimento de pisos, paredes e tetos e a
pintura interna.
Lado outro, cumpre consignar, diferentemente do assinalado no segundo apelo,
que a concessão da justiça gratuita, a despeito de ser permitida a
compensação de honorários, e tão somente de honorários advocatícios, não
havendo, portanto, possibilidade de fazê-lo em relação à obrigação
principal, isenta sim a parte ré da exigibilidade do pagamento.
Dispositivo.
Isso posto, dou parcial provimento a ambos os recursos para determinar:
1) a indenização da parte ré pelas obras de acabamento interno realizadas na
unidade autônoma, aí compreendidos os gastos com: louças, pias, metais,
portas internas, batentes, alizares, revestimento de pisos, revestimento de
paredes e pintura interna. A quantificação da indenização deverá ser feita
por liquidação por artigos onde o expert nomeado deverá apresentar valor
aproximado dos gastos a esse título empreendidos.
2) a retenção pela parte autora de 20% do montante pago pela parte ré, a
título de cláusula penal.
3) a condenação da parte ré a pagar 1% do valor do imóvel por cada mês de
fruição, durante o período compreendido entre junho de 2001 a novembro de
2006.
4) no mais deverão ser mantidos os capítulos da r. sentença apelada no que
diz respeito à restituição das parcelas pagas e à condenação do réu ao
pagamento dos encargos acessórios (IPTU, luz e condomínio).
5) Todos os valores que, em decorrência da resolução do contrato nos termos
supra, forem devidos por uma parte à outra deverão ser reciprocamente
compensados até que se constate, após o encontro de todos os débitos e
créditos, a titularidade e a quantificação da obrigação porventura
remanescente.
6) Custas recursais, pelos respectivos apelantes, suspensa a exigibilidade
do pagamento em relação ao réu.
7) Custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o
montante a ser percebido por qualquer das partes após a liquidação e
compensação do débito, na proporção de 20% pela parte autora e 80% pela
parte ré, suspensa a exigibilidade do pagamento em relação a esta e
permitida a compensação de honorários (Súmula 306 do STJ).
DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT - Ao exame que fiz dos autos, chego à mesma
conclusão e desfecho que deu V.Exa. na qualidade de relatora, ressaltando
que, para o caso em exame, não se afasta da razoabilidade manter-se o
percentual de 20% a título de retenção pela empresa requerente a título de
fruição do imóvel pelo promitente comprador.
Dessa maneira, acompanho o voto da eminente Desembargadora Relatora.
DES. MARCELO RODRIGUES - Com a devida vênia, ouso dissentir do judicioso
voto da em. relatora pelos motivos que se seguem.
Retenção.
Quanto à retenção dos valores pagos a título de cláusula penal, conforme vem
entendendo a jurisprudência deste egrégio Tribunal, a retenção de valores
num patamar de 10% a 20% das quantias pagas já coaduna com o ressarcimento
dos prejuízos oriundos da rescisão relativos às despesas administrativas.
A relatora manteve a multa estipulada contratualmente em 20% sobre os
valores das parcelas pagas. Contudo, neste caso, tenho que a retenção de 10%
(dez por cento) compensa efetivamente o vendedor pelas taxas
administrativas. Tal percentual é justo e consentâneo com a jurisprudência
acerca do tema.
Segundo art. 413 do Código Civil de 2002, correspondente ao 924 do Código
Civil de 1916: "A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se
a obrigação principal tiver sido cumprida em parte ou se o montante da
penalidade for manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a
finalidade do negócio".
Em comentários ao citado dispositivo, Fabrício Zamprogna Matiello elucida
que:
"Nem sempre o conteúdo econômico da cláusula penal terá de ser suportado
pelo devedor na íntegra em caso de inadimplemento. A existência de certas
circunstâncias apontam ao juiz a necessidade de redução do valor da pena
como medida de equidade e justiça. Não se trata de faculdade conferida ao
julgador, mas sim de imposição estabelecida pela lei, que utiliza o vocábulo
deve ao invés do termo pode. Nem mesmo é preciso que o interessado postule a
redução, visto que, sendo norma de ordem pública, cabe ao juiz, diante da
presença dos pressupostos estatuídos em lei, determinar a revisão da
cláusula. [...]
Em primeiro lugar, haverá revisão da cláusula penal se o inadimplemento da
obrigação principal for parcial, visto que o devedor liberou-se de certa
fração do dever jurídico e por isso não pode ser compelido a arcar com a
totalidade da pena convencional originalmente prevista. A redução dar-se-á
proporcionalmente à parcela do débito extinta pelo devedor, ou seja, quanto
mais extenso o parcial cumprimento, maior o corte que sofrerá a cláusula
penal por determinação do juízo" (MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil
comentado. 2. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 278).
Atento às peculiaridades que permeiam o caso em apreço, verifico que, de um
contrato com 151 parcelas, o requerido está em débito com 45, haja vista o
demonstrativo de f. 38/42-TJ. E, considerando que as parcelas pagas são
todas em valores superiores a R$ 200,00 (duzentos reais), 20% sobre os
valores já pagos implicariam a quantia aproximada de R$ 4.240,00 (quatro mil
duzentos e quarenta reais), valor que considero excessivo, tendo em vista o
valor do imóvel, qual seja R$ 33.174,70 (trinta e três mil cento e setenta e
quatro reais e setenta centavos), conforme contrato de f. 28-TJ.
Neste passo, considerando o disposto no art. 413 do Código Civil de 2002 e
doutrina supratranscrita, reduzo o percentual da cláusula penal para 10%
sobre o valor das parcelas já pagas.
Fruição.
Pelo período de fruição do imóvel é devido o pagamento do aluguel
correspondente, sob pena de prestigiar o enriquecimento ilícito daquele que,
além de dar causa à rescisão do contrato, se utilizou do imóvel por longo
período sem qualquer prestação correspondente.
Neste sentido é o entendimento firmado pelo STJ:
"Civil. Promessa de compra e venda. Rescisão. Devolução parcial do preço.
Compensação pelo uso do imóvel. - A inadimplência do promitente comprador
não justifica a perda dos valores pagos a título de preço, ainda que
prevista contratualmente, mas o promitente vendedor tem direito à
indenização do que poderia auferir a título de locação, no período em que o
imóvel esteve ocupado por aquele. Recurso especial conhecido e provido" (STJ
- REsp 416.338/RJ - Rel. Min. Ari Pargendler - 3ª Turma - DJ de 02.06.2003).
A posse do imóvel pelo promissário comprador conferiu à promitente vendedora
o direito de receber daquele indenização pelo que deixou de receber a título
de locação do bem, durante o período de ocupação.
Neste passo, não se pode afastar no presente o direito do credor de cobrir
as perdas e danos e o que efetivamente deixou de lucrar com indenização
justa.
No caso, o requerido utilizou do imóvel como sua morada, exercendo a posse
durante a vigência do contrato, mas não significa que essa posse lhe confira
a fruição gratuita pelo fato de se tratar de um contrato de promessa de
compra e venda. Entrementes, o valor a ser pago deve ser calculado com base
no valor do aluguel e do padrão do imóvel, não onerando demasiadamente o
autor.
Considerando-se que essa fruição representa o pagamento de um aluguel,
tem-se, ordinariamente, que a fixação de um valor próximo de 0,5% (meio por
cento) sobre o valor do imóvel se mostra razoável.
Neste sentido é a jurisprudência deste Sodalício:
``Apelação cível. Rescisão de promessa de compra e venda. Restituição das
quantias pagas. Rompimento contratual. Culpa da promissária compradora.
Promitente vendedora. Retenção de 20%, a título de ressarcimento de gastos.
Remuneração mensal pela fruição do bem - 0,7% do valor do contrato. [...] -
A promissária compradora que deu causa à rescisão do contrato, por
inadimplemento, deverá remunerar a promissária vendedora, ainda, pelo uso do
bem, pagando aluguel mensal equivalente a 0,7% do valor do contrato, sendo
que sobre o valor do aluguel deve incidir correção monetária anualmente
pelos índices da Corregedoria de Justiça'' (TJMG, 17ª C.C., Ap. nº
1.0701.06.140674-3/001; Rel. Des. Irmar Ferreira Campos; j. em 19.07.2007;
p. em 03.08.2007).
Assim, tendo em vista que o imóvel foi avaliado à época do negócio jurídico
em R$ 33.174,70 (trinta e três mil cento e setenta e quatro reais e setenta
centavos), f. 28-TJ, tem-se que o valor que se mostra justo a recompor a
fruição do bem é de R$ 165,87 (cento e sessenta e cinco reais e oitenta e
sete centavos) por mês, devidamente atualizado pelos índices da CGJMG a
partir do inadimplemento. Tal valor corresponde a 0,5% sobre o valor do
imóvel.
Diante de todo o exposto, dou provimento parcial aos recursos para reformar
a sentença nos moldes do voto da em. Relatora, divergindo, contudo, em
relação ao percentual da cláusula penal e da fruição que deverão ser,
respectivamente, em 10% sobre o montante pago pelo réu e 0,5% sobre o valor
do imóvel.
Adiro à repartição de custas proposta pela em. Relatora.
Súmula - REJEITARAM A PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA E DERAM PARCIAL
PROVIMENTO A AMBOS OS APELOS, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA, VENCIDO
PARCIALMENTE O VOGAL. |