Poder Judiciário do Estado de Minas
Gerais - Justiça de 1ª Instância
Processo 04 18457-1
Ação Civil Pública
Autor: Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Réus: Joaquim Augusto Ribeiro do Vale e outros
Vistos etc.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS propôs Ação Civil
Pública contra JOAQUIM AUGUSTO RIBEIRO DO VALE, FABÍOLA RESCH
RIBEIRO,RAIMUNDO CÉSAR RIBEIRO, ELAINE DE LIMA SANTOS RIBEIRO E JOSÉ
RIBEIRO DO COUTO, alegando que os requeridos efetuaram transações
imobiliárias neste município, com área total de 88.16.36 ha, levaram-na
a registro no Cartório de Registro de Imóveis desta comarca, deixando de
cumprir o dispositivo e lei - art. 16 do Código Florestal - ao não
averbar a área de reserva legal, o que causa prejuízo ambiental.
Requer sejam os réus condenados: em obrigação de fazer, consistente em
averbar área de reserva legal em sua propriedade rural, em área mínima
de 20%, executadas as áreas de preservação permanente, sendo vedada a
alteração de sua destinação; em obrigação de fazer, consistente em
cercar a área a ser demarcada como de reserva legal e deixá-la inerte,
não utilizando para qualquer outra finalidade; ao pagamento de custas,
honorários periciais e outras despesas do processo, inclusive ônus da
sucumbência.
O pedido veio instruído com os documentos de fls. 12/17.
Regularmente citados às fls. 24/27, os requeridos apresentaram defesa de
fls. 28/29, onde alegam preliminarmente ilegitimidade de parte, pois o
réu José Ribeiro do Couto não é proprietário do imóvel rural descrito no
processo e deve ser excluído da lide.
No mérito alegam que só é obrigatória a reserva legal em imóveis rurais
que contêm área de florestas, o que não é o caso do imóvel dos réus.
Juntou documento de fls. 30.
Impugnação à contestação às fls. 31/33.
Manifestação do IRMP às fls. 35vº requerendo o julgamento antecipado da
lide.
Os requeridos às fls. 37 requerem a produção de prova pericial a
inspeção judicial.
É o relatório.
Decido.
O feito comporta o julgamento antecipado, nos termos do art. 330, I, do
CPC, posto que a matéria debatida é exclusivamente de direito e não
demanda dilação probatória. Ademais, o próprio autor a quem compete a
prova do fato constitutivo de seu direito, requereu o julgamento do
processo no estado em que se encontra.
A preliminar argüida pelos réus, no sentido de excluir da lide José
Ribeiro do Couto por ilegitimidade passiva não procede. Os documentos de
fls. 16/17 demonstram que José Ribeiro é proprietário de parte ideal na
gleba de terras noticiada na inicial e a venda referida às fls. 17 não
se aperfeiçoou, por falta de assinaturas no instrumento juntado.
Rejeito a preliminar, passando a enfrentar o mérito.
Com base no art. 16 do Código Florestal, que o RMP que sejam obrigados
os réus a demarcarem na gleba de sua propriedade, área destinada à
reserva legal, deixando-a inerte para regeneração da vegetação,
levando-a a registro à matrícula do imóvel, no Serviço Registral da
Comarca.
Entretanto, não obstante reconheça a divergência de entendimentos a
respeito do tema, tanto na doutrina como na jurisprudência, concluo que
o dispositivo do Código Florestal invocado na inicial, não tem o alcance
pretendido pelo autor.
Dispõe o art. 1º, § 2º da Lei 4.771/65; que para os efeitos do Código,
entende-se por:
III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade
ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso
sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos
processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e
proteção de fauna e flora nativas;
Já o art. 16 prevê:
Art. 16 - As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de
utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente,
previstas nos artigos 2º e 3º desta lei, são suscetíveis de exploração,
obedecidas as seguintes restrições:
§ 2º - A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte
por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso,
deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no
registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua
destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de
desmembramento da área (redação da Lei n. 7.803, de 18.07.89).
E ainda:
§ 8º - A área de reserva legal deve ser averbada à margem da
inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente,
sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a
qualquer título, de desmembramento ou de retificação de área, com as
exceções previstas neste Código.
Este o entendimento esposado pelo Desembargador Antônio Hélio, no
mandado de segurança referido na defesa dos réus (TJMG - MS
1.0000.00279477-7 - DJ 12.08.2003), onde se lê:
Oportuno dizer que o mencionado art. 16 do Código Florestal, caput,
disciplina a exploração de florestas de domínio privado. Tal exploração
sujeita-se às restrições impostas no restante do artigo. Contudo, é
sabido que os incisos e parágrafos de determinado artigo de lei devem
ser interpretados sempre tendo-se como limite o disposto no seu caput.
Portanto, o bem jurídico tutelado no caso é a preservação de florestas.
Ora, o argumento de que toda propriedade rural necessariamente tem área
de floresta não se constitui uma realidade. A norma jurídica deve ser
genérica e abstrata, contudo é necessário que sua generalização e
abstração encontre suporte no mundo real. Se uma norma jurídica trata de
forma igual situações diferentes fere direito constitucional. Portanto,
a reserva legal não deve atingir toda e qualquer propriedade rural, mas
apenas aquelas que contêm área de florestas, característica
essencialmente técnica a ser apurada pelos órgãos competentes previstos
em lei.
E ainda:
Observa-se que a chamada reserva legal espelha, na verdade, a vontade
do legislador de instituir uma forma de preservar as florestas e matas
nativas existentes, evitando-se o desmatamento e a degradação do imenso
potencial florestal brasileiro. Desse modo, tem-se que o instituto da
reserva legal, por tutelar a preservação de áreas florestais, atinge
apenas os imóveis que possuem tais áreas, o que, com certeza, não é uma
característica de todo e qualquer imóvel rural.
No mesmo processo, igual entendimento manifestou o Desembargador Almeida
Melo, ao destacar que embora tenha havido muita inovação no Código
Florestal, a ligação é sempre à existência de floresta de domínio
privado (Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965, art. 16) ou de outra
forma de vegetação reconhecida de utilidade às terras que revestem
(Medida Provisória n. 2.166-67, de 24 de agosto de 2001).
Portanto, não se tem dúvidas, de que o Código Florestal criou e definiu
a reserva legal, obrigando a sua averbação junto à matrícula do imóvel.
Contudo, a exigiu apenas em relação aos imóveis onde existiam florestas
de domínio privado, o que o autor não provou ser o caso dos autos, ônus
que lhe competia, nos termos do art. 333, I, do CPC.
A redação original do caput do art. 16 do Código Florestal,
demonstra com clareza que a exigência da reserva legal referia-se apenas
aos casos de florestas e outras formas de vegetação nativa.
Confira-se:
Art. 16 - As florestas e outras formas de vegetação nativa,
ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como
aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de
legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam
mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:
Conforme se apura do dispositivo, o que pretendeu o legislador ao
instituir a reserva legal, é proibir a supressão total das florestas e
vegetação nativa, reservando um percentual delas para conservação e
reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e
ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas. Não se pretendeu criar a
reserva onde não exista floresta, mas sim evitar a total supressão
desta, onde exista esse recurso natural.
É certo ainda, que a nova redação ao caput do art. 16 do Código
Florestal, substituiu a expressão original as florestas e outras
formas de vegetação nativa, pela as florestas de domínio privado,
demonstrando a intenção do legislador de restrição ainda mais rigorosa
de interpretação do dispositivo.
Portanto, não se tendo demonstrado nos autos que o imóvel dos réus
contém área de florestas, não estão eles obrigados a instituir a reserva
legal e levá-la a registro como pretendido pelo autor, pelo que a
improcedência se impõe. A dispensa da instituição da reserva legal não
afronta os dispositivos constitucionais invocados pelo autor, pelo
contrário, prestigia o princípio da legalidade e o direito de
propriedade, previstos no art. 5º, II e XXII, da Constituição Federal,
conforme destacado pelos réus.
Posto isso julgo improcedente o pedido inicial, deixando
de impor os ônus de sucumbência ao autor, que deles está isento.
Custas pelo Estado.
Santa Rita do Sapucaí, 24 de agosto de 2004.
Nereu Ramos Figueiredo
Juiz de Direito |