AÇÃO REIVINDICATÓRIA - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - REGISTRO
- PROMITENTE-COMPRADOR - LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - DECISÃO PROFERIDA EM
AUDIÊNCIA - AGRAVO RETIDO - INTERPOSIÇÃO ORAL E IMEDIATA - REQUISITOS
ENSEJADORES À TUTELA REIVINDICATÓRIA
- Está legitimado a figurar no pólo ativo da ação reivindicatória de imóvel
o promitente-comprador, mormente quando o pacto foi devidamente registrado
na matrícula do imóvel.
- Das decisões interlocutórias proferidas em audiência de instrução e
julgamento, caberá agravo na forma retida, impondo-se, contudo, seja
interposto oral e imediatamente, além de constar do respectivo termo.
- Comprovada a presença dos requisitos ensejadores à outorga da tutela
reivindicatória - prova da titularidade do domínio e da posse injusta - deve
ser a proteção deferida ao autor.
Apelação Cível n° 1.0188.01.004380-3/003 - Comarca de Nova Lima - Apelante:
Otacílio Corrêa - Apelada: Dilma Calábria Pires - Relator: Des. José Antônio
Braga
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento ao primeiro agravo retido e não conhecer do
segundo. Negar provimento à apelação.
Belo Horizonte, 14 de agosto de 2007. - José Antônio Braga - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Assistiu ao julgamento, pelo apelado, o Dr. Flávio Antônio de Souza.
DES. JOSÉ ANTÔNIO BRAGA - Cuida-se de recurso de apelação interposto por
Otacílio Corrêa, nos autos da ação reivindicatória que lhe move Dilma
Calábria Pires, perante o Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Nova Lima,
tendo em vista o seu inconformismo com os termos da sentença de f. 164/166,
que julgou procedentes os pedidos feitos na exordial para:
a) condenar o réu na entrega dos imóveis descritos nas f. 11/11-A, imitindo,
assim, o autor na posse dos mesmos;
b) determinar que o réu remova quaisquer empecilhos e obstáculos que impeçam
o autor de se ver na posse da coisa reivindicada;
c) julgar improcedentes os pedidos formulados pelo réu;
d) condenar o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios -
arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa.
Em suas razões recursais, às f. 167/178, a parte apelante levanta,
preliminarmente, a carência da ação e pede que seja analisado o agravo
retido de f. 71/74.
Argumenta também o cerceamento de defesa, donde remete ao agravo retido de
f. 100/106, clamando pelo recebimento do recurso com anulação da sentença,
por ferir preceito constitucional e violar legislação federal ou,
sucessivamente, reforma da sentença e conseqüente inversão dos ônus
sucumbenciais.
A parte recorrente clama também pela reforma da sentença quanto à sua
condenação em custas e honorários advocatícios.
Contra-razões de f. 181/189, pugnando seja o recurso julgado improcedente.
Sem preparo, estando a parte apelante amparada pela justiça gratuita,
conforme certidão de f. 111.
É o relatório.
Conhece-se do recurso, porquanto próprio e tempestivo.
Preliminarmente, far-se-á a análise dos agravos retidos: o primeiro de f.
71/74 e o segundo de f. 100/104.
Primeiro agravo retido.
Informa-se que o primeiro agravo retido foi aviado contra decisão de f. 68,
que consignou a rejeição das preliminares alegadas.
A parte recorrente afirma que a autora não detém o domínio do imóvel em
causa, pelo que aponta a ilegitimidade ad causam.
Em razões recursais, a agravante sustenta ser a Imobiliária Planalto Ltda.
proprietária do imóvel, existindo apenas promessa de venda a Theodoro Mendes
Pires - falecido pai da autora.
Há referência à certidão de f. 7, em que consta registro transferindo à
autora apenas o direito sobre a compra e venda a que se refere o R-1.
Ao argumento de que a reivindicatória se condiciona à comprovação da
propriedade, a parte recorrente requer a extinção do processo nos termos do
art. 267, VI, do CPC.
Como se sabe, a ação reivindicatória é o meio processual adequado para
reaver a propriedade de bem imóvel, possibilitada ao titular do domínio de
um bem, buscando recuperá-lo de quem o detenha injustamente.
É, por isso, o meio processual que se coloca à disposição do titular do
domínio contra quem detém apenas sua posse.
Para a sua propositura, hão de estar configurados os seguintes requisitos:
a) prova do domínio da coisa; b) prova de que o réu a possua ou a detenha
injustamente.
Segundo Arnaldo Rizzardo, ao examinar a questão da ação reivindicatória e do
compromisso de compra e venda:
``[...] Dentro da sistemática que rege a ação de reivindicação, apenas o
titular poderia ajuizar esta lide. Para legitimar-se na ação, deve haver um
direito de dispor, de usar e gozar, que está em suspenso, pois um terceiro
impede o seu exercício. Mas, se o promitente vendedor, em vista da convenção
de promessa transmitida, não se interessa mais em exercer as prerrogativas
especificadas, obviamente as mesmas transferem-se ao promitente comprador.
[...] Sacramentado o ajuste, a disponibilidade passou ao novo titular, o
promitente comprador; a este estende-se a legitimidade para ingressar em
juízo [...]''.
Barbosa de Lima Sobrinho aprofundou mais o tema, defendendo que, pelo
contrato, o direito de usar, gozar e dispor do imóvel e de reavê-lo passa do
proprietário para o promitente comprador. Assinado o compromisso
irretratável e registrado, transferindo-se ao compromissário o direito de
dispor, ele torna-se parte legítima para propor a lide em questão, própria
para ``quem tem o domínio, seja irrevogável, seja dependente de resolução''.
Argumentando de acordo com o direito francês sobre a matéria, enfatiza que,
se o domínio se transfere do promitente vendedor ao compromissário, junto
com o domínio quase pleno se transmite igualmente a ação que o protege, isto
é, a ação reivindicatória passa do antigo para o novo titular. Não se
compreende a existência de um direito e a sua transferência desacompanhadas
da ação que o garanta e lhe traga segurança (Direito das coisas. Rio de
Janeiro: Forense, p. 225).
E é justamente esse o caso que ora se apresenta, pois a presente ação
reivindicatória se fundamenta em direito hereditário decorrente de promessa
de compra e venda devidamente registrada no cartório competente - conforme
se comprova pelo doc. de f. 7.
Logo, há legitimidade ativa da parte apelada.
Nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça autoriza a propositura de ação
reivindicatória por parte do promissário comprador, em face daquele que
ocupa injustamente o bem e que nunca foi proprietário, independentemente de
estar o contrato de promessa de compra e venda do qual advém o direito
invocado registrado junto ao Cartório Imobiliário. A propósito:
"Ação reivindicatória. Legitimidade ativa. Irregularidade do título.
Prequestionamento. Precedente da Corte. - Precedente da Corte admite que a
`promessa de compra e venda irretratável e irrevogável transfere ao
promitente comprador os direitos inerentes ao exercício do domínio e
confere-lhe o direito de buscar o bem que se encontra injustamente em poder
de terceiro'. Serve, por isso, como título para embasar ação
reivindicatória. Omissis'' (STJ, REsp nº 250.020/RJ, Rel. Min. Carlos
Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, julgado em 05.09.2000, DJ de
13.11.2000, p. 144).
Ante todo o exposto, reconhece-se a legitimidade ativa ad causam da parte
autora e nega-se provimento ao primeiro agravo retido.
Segundo agravo retido.
A parte apelante pede seja examinado o agravo retido de f. 100/106, para que
se decrete a nulidade do processo por cerceamento de defesa.
Transcreve-se a decisão - proferida em audiência - outrora combatida:
"[...] Em seguida, o juiz indeferiu o depoimento a testemunha arrolada pelo
réu, Rômulo Garcez Vidigal, em virtude de o mesmo figurar na procuração de
f. 49, embora tenha o mesmo apresentado sua carteira de estagiário, vencida
em 25.08.2002, antes da procuração de f. 49, o que indicaria que não defende
os interesses do requerido. No entanto, o MM. Juiz manteve a decisão retro,
já que, sob o prisma do direito civil, a testemunha recebeu procuração e
celebrou contrato de mandato com o requerido, ainda que irregular sob o
ponto de vista processual civil, o que de qualquer forma o torna suspeito
para depor como testemunha'' (f. 87).
Em razões recursais, a parte agravante combate o indeferimento ex officio do
depoimento da testemunha Rômulo Garcez Vidigal.
A recorrente registra que, a partir de 26.08.2002, o Sr. Rômulo Garcez
Vidigal teve sua inscrição na OAB cancelada, não mais atuando como advogado
ou estagiário, restringindo-se a prestar serviços como calculista de
liquidação de sentença para esse causídico.
Entretanto, não há como se conhecer do agravo retido em análise, por
afrontar o disposto no § 3º do art. 523 do diploma instrumental:
"Das decisões interlocutórias proferidas em audiência de instrução e
julgamento, caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e
imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele
expostas sucintamente as razões do agravante''.
No particular, a inobservância da norma transcrita não demanda maiores
esforços, já que as razões do recurso (f. 100 e ss.) foram protocoladas
cinco dias depois da realização da audiência.
Dessa forma, não se conhece do segundo agravo retido.
Mérito.
Meritoriamente, a parte apelante afirma que o Magistrado primevo desprezou a
prova relativa à posse ad usucapionem do apelante, pugnando sejam validadas
as fotografias acostadas às f. 10/15 e 46/47.
A recorrente infere a confissão, pela parte apelada, de que nunca tivera
posse do imóvel demandado, razão pela qual requer o direito de retenção e
indenização referente a todas as benfeitorias existentes no imóvel.
A parte apelante sustenta ter a posse mansa e pacífica do imóvel desde 1976,
tendo cercado o mesmo com cerca viva, construído casa residencial, garagem e
depósito de materiais.
A apelante aduz, ainda, que a certidão de f. 7 comprova a negligência da
autora/apelada e requer a não-configuração da posse injusta.
Nesse compasso, a recorrente clama pela reforma da sentença, para que se
compatibilize com as provas dos autos.
Em sentença, o d. Juiz consignou restarem presentes a prova do domínio da
coisa e o exercício da posse injusta pelo réu, frisando inexistir qualquer
elemento de prova da usucapião e das benfeitorias.
Na ação reivindicatória, deve-se observar o direito de propriedade do autor,
sendo, inclusive, desnecessária a comprovação da posse atual ou anterior. É
a expressão do direito de reivindicar, rei vindicatio, ou seja, o poder de
mover ação para obter bem de quem injusta ou ilegitimamente o detenha, em
razão do seu direito de seqüela. Trata-se, na verdade, de remédio processual
posto à disposição do titular do domínio do bem contra aquele que detém
apenas a posse.
Assim, a demanda versa sobre o domínio, e não sobre a posse do imóvel.
Então, nesses casos, quando o cerne da lide é a propriedade do imóvel,
deve-se reconhecer o direito daquele que apresentar o melhor título de
propriedade.
Conforme elucidado, hão de restar configurados os seguintes requisitos para
a sua propositura: a) prova do domínio da coisa; b) prova de que o réu a
possua ou a detenha injustamente.
Como já ensinava o Conselheiro Lafayette Pereira:
"A ação real que compete ao senhor da coisa para retomá-la do poder de
terceiro que injustamente a detém. [...]. O reivindicante é obrigado a
provar os dois fatos seguintes: 1° Que lhe pertence o domínio da coisa; 2°
Que o réu a retém em seu poder. [...]. Compete a reivindicação contra todo
aquele que injustamente retém a coisa e não quer restituí-la ao
proprietário; quer seja mero detentor, quer possuidor de boa ou má-fé'' (in
Direito das coisas. Adaptação ao Código Civil por José Bonifácio de Andrada
e Silva. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, § 82, p. 204-206).
Conclui no mesmo sentido Orlando Gomes:
"A ação reivindicatória é dirigida contra o detentor da coisa ou seu
possuidor, de boa ou de má-fé. Numa palavra, contra quem quer que
injustamente a possua. [...].
A defesa do réu, na ação reivindicatória, há de se constituir,
fundamentalmente, na comprovação de que o bem reivindicado lhe pertence,
demonstrando, assim, que a pretensão do reivindicante é infundada'' (in
Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 1989, § 233, p. 364).
In hipothesi, a parte autora é legítima proprietária do imóvel
reivindicando, conforme se demonstrou exaustivamente da análise do primeiro
agravo retido.
O segundo elemento necessário é o tipo de posse exercida pelo réu.
O art. 1.228 do Código (art. 524 do Código Civil anterior) fala em posse
injusta. E o art. 1.200 do Código (art. 489 do Código Civil revogado)
estabelece que a posse é injusta quando for violenta, clandestina ou
precária.
Assim, o requisito para a ação é a posse injusta do réu, no sentido de falta
de amparo ou de um título jurídico.
Ademais, nenhuma posse pode ser considerada justa, se se situa em
antagonismo com o exercício do direito de propriedade, e, sendo a autora
portadora de título devidamente formalizado e matriculado, possível se torna
deferir-lhe a reivindicação.
Informa-se que a parte apelante não logrou êxito em comprovar suas
afirmações, não havendo provas da usucapião, bem como da existência de
benfeitorias.
Cumpre esclarecer que, apresentando fato supostamente extintivo do direito
da autora, o ônus da prova é atribuído ao apelante, que o alegou.
É o que dispõe o art. 333, II, do CPC:
"Art. 333: O ônus da prova incumbe:
[...]
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou
extintivo do direito do autor''.
O apelante não se desincumbiu de tal ônus e nenhuma outra prova, quer
indireta, quer testemunhal, ele produziu para a comprovação do alegado.
Nesse caso, a conseqüência processual é a inadmissão de sua alegação.
Cada parte, portanto, tem o ônus de provar os pressupostos fáticos do
direito que pretenda seja aplicado pelo juiz na solução do litígio.
Quando o réu contesta, apenas negando o fato em que se baseia a pretensão do
autor, todo o ônus probatório recai sobre este. Mesmo sem nenhuma iniciativa
da prova, o réu ganhará a causa, se o autor não demonstrar a veracidade do
fato constitutivo do seu pretenso direito. Actore non probante absolvitur
reus.
Não comprovando o apelante ter a propriedade ou ao menos a posse justa do
imóvel objeto da lide, ou seja, ante a inexistência de qualquer indício que
possa confirmar as alegações do recorrente, e, sendo esses fatos os únicos
que poderiam impedir, modificar ou extinguir o direito do recorrido, é de se
reconhecer que o imóvel deve ser restituído ao legítimo proprietário.
Constatada, portanto, a presença dos requisitos indispensáveis para amparar
a ação reivindicatória, quais sejam a titularidade do domínio pela
requerente e o fato de inexistir justo título em favor do réu, tem-se pelo
acerto da sentença hostilizada quando decidiu nesse sentido.
Contudo, o dispositivo sentencial merece reparo quanto aos ônus de
sucumbência.
Uma vez que o réu/apelante litiga sob o pálio da justiça gratuita e foi a
parte vencida na lide, há que se suspender o pagamento dos ônus de
sucumbência com os quais ele deveria arcar.
Dessa maneira, na sentença hostilizada, deve o réu ser condenado a arcar com
as custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 15% sobre o
valor da causa, suspenso o pagamento, consoante art. 12 da Lei nº 1.060/50.
Nesse diapasão, nega-se provimento ao recurso à apelação.
Custas recursais, pela parte apelante, suspenso o pagamento por encontrar-se
litigando sob o pálio da justiça gratuita.
Para os fins do art. 506, III, do CPC, a síntese do presente julgado é:
1. conheceu-se do primeiro agravo retido e a ele foi negado provimento;
2. não se conheceu do segundo agravo retido, em razão da intempestividade;
3. negou-se provimento à apelação, mantida a sentença em seus exatos termos;
4. condenou-se a parte apelante ao pagamento das custas recursais, suspensa
a exigibilidade em razão da assistência judiciária.
DES. GENEROSO FILHO - De acordo.
DES. OSMANDO ALMEIDA - De acordo.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO AGRAVO RETIDO E NÃO CONHECERAM DO
SEGUNDO. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. |