- Na ação de reintegração de posse, esta deve ser concedida à parte que a
comprove e sua respectiva perda pelo esbulho da parte contrária.
- No juízo possessionis, não se discute domínio, mas, em casos como o
presente, pode-se inferir a existência fática da posse, ainda que indireta,
caso tenha ocorrido o seu desdobramento, ao influxo do comodato.
Apelação Cível n° 1.0433.05.155610-1/001 - Comarca de Montes Claros -
Apelantes: Fernando Dias da Silva e sua mulher Jane Ferreira da Silva -
Apelado: Fernando Valdete Pereira Celestino - Relator: Des. Luciano Pinto
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Eduardo Mariné da
Cunha, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar
provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 25 de março de 2010. - Luciano Pinto - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. LUCIANO PINTO - Fernando Valdete Pereira Celestino ajuizou ação de
reintegração de posse em face de Fernando Dias da Silva e Jane Ferreira da
Silva.
Narrou ser proprietário e possuidor desde 24.01.2003 do imóvel descrito na
inicial, tendo-o adquirido de Eleutério Neto Mendes da Silva.
Disse que sua sogra cedeu o imóvel aos réus em fevereiro de 2003, a título
gratuito, para residirem por tempo determinado, até que providenciassem sua
própria moradia.
Afirmou que os réus se recusam a sair do imóvel, cometendo, pois, esbulho
possessório, requerendo a procedência da demanda, para que a posse do bem
lhe seja restituída, além de sua condenação nos ônus sucumbenciais.
Em contestação, os réus alegaram inépcia da inicial e ilegitimidade de
parte; no mérito, alegaram que estão na posse do imóvel desde outubro de
2000, tendo a sogra do autor lhes cedido o imóvel para moradia, não tendo
tido o autor posse sobre o bem. Requereram a improcedência da demanda e, por
eventualidade, a condenação do autor pelas benfeitorias realizadas no
imóvel.
Impugnação à contestação de f. 37/38.
Audiência de conciliação, instrução e julgamento de f. 59/60, tendo ocorrido
a oitiva de duas testemunhas arroladas pelo autor e duas arroladas pelos
réus.
Sobreveio sentença que julgou procedente o pedido inicial, reintegrando o
autor na posse do imóvel descrito na inicial (f. 02), condenando os réus no
pagamento das custas e honorários sucumbenciais, fixados em 10% sobre o
valor da causa, suspensa a exigibilidade nos temos da Lei 1.060/50, por
estarem amparados pela justiça gratuita.
Daí o presente recurso (f. 71/79), insurgindo-se os apelantes contra a
sentença, requerendo sua reforma, alegando que o autor não comprovou sua
posse sobre o imóvel e o esbulho por eles praticado, requerendo, por
eventualidade, a condenação do autor pelas benfeitorias realizadas no
imóvel, no valor de R$ 2.040,00.
Contrarrazões de f. 83/85, requerendo o apelado o desprovimento do recurso,
empolgando, em suma, as mesmas teses de sua inicial.
É o relatório.
Decido.
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Vejo que não assiste razão aos apelantes.
O ponto fulcral no juízo possessionis se resume na posse, e, para o deslinde
da questão, em sede de ação de reintegração de posse, devem restar claras a
posse e sua consequente perda, decorrente do esbulho possessório.
A propósito, veja-se:
``Reintegração de posse. Cumulação de pedidos. Possibilidade. Comprovação do
esbulho. Procedência do pedido. [...]
- Uma vez comprovada a consumação do esbulho praticado pelo réu, tomando a
posse do autor mediante o exercício de atos reprováveis, impõe-se o
restabelecimento da posse do esbulhado, mormente quando o contexto
probatório é favorável à tese articulada na inicial'' ( TJMG - AC 345.905-8-
Rel.ª Des.ª Maria Elza).
Nos termos do preceito do art. 1196 do CC, considera-se posssuidor todo
aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes
inerentes à propriedade.
Estou em que, pelas provas dos autos, corroborou, sim, o apelado a sua posse
sobre o imóvel sub judice; e sua perda, pelo esbulho dos apelantes.
Em sede de possessória, não há que se falar em discussão de domínio, tendo a
prova documental e testemunhal produzida sido suficiente a corroborar a
posse do apelado, e, no meu sentir, a relação de comodato nessa seara
existente.
Do contrato de f. 09, vê-se que o apelado adquiriu, em 24.01.2003, o imóvel
sub judice, que pertencia anteriormente a Eleutério Neto Mendes da Silva,
desde 27.07.98 (f. 10).
Infere-se do contexto dos autos, da prova oral e do alegado pelos próprios
apelantes em sua defesa (f. 26), que eles ocupam o imóvel a título gratuito,
tendo o imóvel lhes sido cedido pela sogra do autor.
Do depoimento das testemunhas arroladas pelos próprios apelantes (f. 63/64)
também se infere a existência de uma relação de comodato, não havendo que
falar em ausência de posse do autor, haja vista a existência da posse
indireta sobre o bem, decorrente do desdobramento da posse, ao influxo do
comodato.
Dessa feita, no meu sentir, o fato de o apelado não ter residido fisicamente
sobre o bem, não tendo tido posse direta, não é, por si só, indicador da
inexistência de sua posse indireta, pois, pela prova documental (f. 09) e
testemunhal dos autos, ele adquiriu o imóvel, como exposto, e, por possuir
tal qualidade inerente à propriedade, o poder de dispor, permitiu que
terceiro, sua sogra, encetasse - como fâmulo da posse - a relação jurídica
de comodato com os apelantes, por mera liberalidade.
Não se deve confundir o exercício de fato dos poderes inerentes ao domínio,
ou seja, de usar, gozar, dispor e reivindicar, com o poder de fato, físico,
direto sobre a coisa, pois um pode existir independentemente do outro.
Nesta seara, o apelado possuía, si et in quantum, de fato poderes inerentes
ao domínio, sendo, pois, possuidor, não possuindo apenas diretamente o bem,
mas mantendo, sim, a posse indireta, decorrente da possibilidade de
desdobramento da posse.
A esse respeito, veja-se, respeitável doutrina:
"Todo aquele que tem, de fato, o exercício, pleno ou não, de alguns dos
poderes inerentes ao domínio é possuidor. Assim, quando alguém exerce
poderes inerentes ao domínio tem a posse da coisa. O proprietário, nesses
casos, não perde a sua posse. A posse do outro não anula a sua. Podem
coexistir, portanto, sem se anularem, duas posses sobre a mesma coisa. [...]
Posse indireta, a que o proprietário conserva quando se demite,
temporariamente, de um dos direitos elementares do domínio, cedido a outrem
seu exercício. [...]
O proprietário que desdobra a relação possessória é possuidor indireto.
Contesta-se-lhe essa qualidade, mas é evidente que a possui, pois não se lhe
recusa o direito de defendê-la" [...] (GOMES, Orlando. Direitos reais. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 54/55.)
Dessarte, pela prova documental e testemunhal colhida, pode-se inferir que o
apelado adquiriu o imóvel (f. 09) e exerceu sua posse indireta e que, por
ato de liberalidade, o imóvel foi cedido aos apelantes em comodato.
A posse baseada na mera permissão ou tolerância, em face do sentimento de
benevolência, liberalidade, é precária, sendo sua concessão perfeitamente
revogável, se exercida com abuso de confiança, sendo a precariedade vício
que não convalesce com o tempo.
Em sede de possessória discute-se posse, como já esposado, e não
propriedade, cabendo, pois, ao apelado a retomada da posse, pois provou,
sim, sua posse e a consequente perda pelo esbulho dos apelantes, com a sua
recusa em sair do imóvel, mormente depois da notificação judicial de f.
04/14, a partir da qual, pela lógica do razoável, a posse tornou-se injusta,
precária, mantida com abuso de confiança.
A propósito, veja-se:
``Ementa - Reintegração de posse - Esbulho possessório - Comodato -
Benfeitorias - Indenização - Retenção - Possibilidade. - Comprovado que o
imóvel foi dado em comodato verbal, a recusa em devolver o bem caracteriza o
esbulho ensejador da ação de reintegração de posse. [...]'' (TJMG - AC
294.777-3 - 14ª CC - Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes).
Dessarte, comprovados nesta seara os requisitos do art. 927 do CPC, não há
falar em reforma da douta sentença.
Quanto ao pedido dos apelantes de indenização por benfeitorias realizadas no
imóvel, vejo que também não lhes assiste razão, pois não há nestes autos
prova de sua vera ocorrência.
Isso porque o documento de f. 33 é unilateral, inábil a comprovar a sua real
existência no imóvel sub judice, tendo os apelantes à f. 39 pugnado por
prova testemunhal, prova esta que foi realizada nos autos e que em nada
corroborou suas alegações, de existência de benfeitorias no imóvel, como se
infere dos depoimentos das testemunhas de f. 63/64.
Isso posto, nego provimento ao recurso.
É o meu voto.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Márcia De Paoli Balbino e
Lucas Pereira.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. |