Ação de reconhecimento de união homoafetiva - Art. 226, § 3º, da CF/88 - União estável - Analogia - Princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana

DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO HOMOAFETIVA - ART. 226, § 3º, DA CF/88 - UNIÃO ESTÁVEL - ANALOGIA - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - VERIFICAÇÃO

- Inexistindo na legislação lei específica sobre a união homoafetiva e seus efeitos civis, não há que se falar em análise isolada e restritiva do art. 226, § 3º, da CF/88, devendo-se utilizar, por analogia, o conceito de união estável disposto no art. 1.723 do Código Civil/2002, a ser aplicado em consonância com os princípios constitucionais da igualdade (art. 5º, caput e inc. I, da Carta Magna) e da dignidade humana (art. 1º, inc. III, c/c art. 5º, inc. X, todos da CF/88).

Apelação Cível n° 1.0024.09.484555-9/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelante: Z.M.N. - Apelada: C.S.R. - Relator: Des. Elias Camilo

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em dar provimento ao recurso, vencido o Vogal.

Belo Horizonte, 25 de novembro de 2009. - Elias Camilo - Relator.

N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S

DES. ELIAS CAMILO - Trata-se de recurso de apelação contra a sentença de f. 110-111, que indeferiu a inicial da "ação de reconhecimento e dissolução de união homoafetiva entre conviventes c/c partilha de bens" proposta pela apelante, julgando-a carecedora de ação em virtude de impossibilidade jurídica do pedido, e, consequentemente, condenando-a ao pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça deferida.

Fundamentando sua decisão, conclui o i. Juiz sentenciante que, não consagrando o direito pátrio a relação homoafetiva, "mesmo que estável seja a união de duas pessoas do mesmo sexo [...], ainda assim não é possível que se reconheça em tal união uma entidade familiar, a ensejar as repercussões jurídicas desse instituto" (sic, f. 110), razão pela qual, in casu, mostra-se patente a impossibilidade jurídica do pedido inicial formulado pela autora, ora apelante.

Em suas razões recursais de f. 112-119, tecendo comentários sobre a competência das varas de família para julgar as relações homoafetivas, sustenta a apelante, em apertada síntese, não haver que se falar em impossibilidade jurídica do pedido na espécie, uma vez que "o art. 226 da Constituição, ao restringir o reconhecimento da união estável apenas para o relacionamento entre o homem e a mulher, colide e afronta diretamente com o caput do art. 5º da Constituição Federal, o qual garante a igualdade sem nenhuma distinção de qualquer natureza, assegurando, ainda, a inviolabilidade do direito à igualdade e à liberdade, dentre outros direitos da pessoa humana" (sic, f. 115).

Colacionando jurisprudência em abono à sua tese, assevera que, "a União Homoafetiva pode ser caracterizada também como união estável entre pessoas do mesmo sexo, pois sua única diferença com a União Estável prevista no artigo supramencionado [art. 1.723/CC] é a questão dos componentes serem do mesmo sexo, o que configura discriminação sexual, que é veemente combatida pela Carta Magna de 1988" (sic, f. 114).

Arremata, requerendo o provimento do recurso, com a cassação da sentença de primeiro grau e regular processamento e julgamento do feito.

Sem contrarrazões da apelada, sequer integrada à lide.

Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça às f. 129-137, opinando pelo provimento do recurso.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, porque próprio, tempestivamente apresentado, regularmente processado, isento de preparo em face da gratuidade de justiça deferida à apelante.

Cinge-se a controvérsia recursal à preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo (relação homoafetiva), acolhida pelo i. Juiz sentenciante na decisão vergastada.

Como sabido, a possibilidade jurídica encontra-se presente quando o ordenamento jurídico não veda o exame da matéria por parte do Judiciário, ensinando os doutos juristas que esse requisito deverá restar previamente examinado pelo magistrado, a fim de obstar pretensões sabidamente vedadas ou não autorizadas pelo direito positivo.

Neste sentido, Humberto Theodoro Junior (em sua obra Curso de direito processual civil) leciona:

"Pela possibilidade jurídica, indica-se a exigência de que deve existir, abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a que se pede através da ação. Esse requisito, de tal sorte, consiste na prévia verificação que incube ao juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da pretensão deduzida pela parte em face do direito positivo em vigor. O exame realiza-se, assim, abstrata e idealmente, diante do ordenamento jurídico. [...]

Com efeito, o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1º, o pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional; e 2º, o pedido mediato, contra o réu, que se refere à providência de direito material.

A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato, isto é, na permissão ou não, do direito positivo a que se insurge a relação processual em torno da pretensão do autor. Assim, um caso de impossibilidade jurídica do pedido poderia ser encontrado no dispositivo legal que não admite a cobrança em juízo de dívida de jogo, embora seja válido o pagamento voluntário feito extrajudicialmente (Código Civil, art. 814)" (in: Curso de direito processual civil, 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. I, p. 63-64)

Desta forma, conforme ensinamento do eminente professor E. D. Moniz de Aragão (Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, p. 524), o pedido só será juridicamente impossível havendo proibição expressa à sua dedução, o que não se verifica na hipótese em exame.

Isso porque, com efeito, in casu, pretende a apelante o reconhecimento e dissolução de verdadeira união estável vivida entre ela e a apelada, além da partilha dos bens por elas adquiridos conjuntamente durante o período de tal união.

Assim, in casu, cumpre ressaltar que, em que pese não ter nosso ordenamento jurídico pátrio consagrado, expressamente, as uniões homoafetivas, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo, inexiste, também, qualquer vedação no sentido de não poder tal união surtir efeitos civis, o que, por evidente, não pode ser tido como ausência de direito, em especial considerando-se que, nos casos em que verificada a omissão da lei, mostra-se possível a aplicação da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito, nos termos do disposto nos arts. 4º da LICC e 126 do CPC, que assim dispõe:

Art. 4º da LICC:

"Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".

Art. 126 do CPC:

"O juiz não se exime de sentenciar ou despachar, alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito".

Nesses termos, inexistindo lei específica que trate da união homoafetiva, não há que se falar em análise isolada e restritiva do art. 226, § 3º, da CF/88, devendo-se utilizar, por analogia, o conceito de união estável, como disposto no art. 1.723 do Código Civil/2002, aplicando-o em consonância com a norma do art. 5º também da Carta Magna, que estabelece, em seu caput, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]", e, em seu inciso I, que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (princípio constitucional da igualdade).

Da mesma forma, o inciso X do mencionado dispositivo constitucional garante a todos os indivíduos o direito à intimidade, tendo em vista ser a opção e a prática sexuais aspectos do exercício de tal direito, e o inciso III do art. 1º também da Constituição, por sua vez, estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil, dentre outros, a dignidade da pessoa humana.

Assim, de uma análise conjunta dos mencionados dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, outra conclusão não se chega senão a de ser vedado qualquer tipo de discriminação à pessoa em razão se sua opção sexual, mesmo que não se enquadre nos moldes das relações homem e mulher, o que decorre do próprio princípio constitucional da isonomia, razão pela qual, não há que se falar, in casu, em impossibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo, inclusive para fins de evitar o enriquecimento de um individuo em detrimento do outro.

Nesse sentido, já decidiu este Tribunal:

"Ementa: Ação ordinária - União homoafetiva - Analogia com a união estável protegida pela Constituição Federal - Princípio da igualdade (não discriminação) e da dignidade da pessoa humana - Reconhecimento da relação de dependência de um parceiro em relação ao outro, para todos os fins de direito - Requisitos preenchidos - Pedido procedente.

- À união estável homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.

- O art. 226 da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas.

- A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito" (TJMG - Apelação Cível/Reexame Necessário nº 1.0024.06.930324-6/001, Rel.ª Des.ª Heloísa Combat, j em 22.05.2007).

Dessa forma, vê-se que, inexistindo no ordenamento positivo brasileiro qualquer proibição expressa de reconhecimento de união homoafetiva e concessão de efeitos civis à esta, in casu, o pedido mostra-se, sob uma visão abstrata, suscetível de acolhimento ou rejeição, merecendo, portanto, reforma a sentença de primeiro grau que indeferiu a inicial por carência de ação.

Por tais razões de decidir, dou provimento ao recurso para, cassando a sentença impugnada, determinar o regular processamento do feito.

Custas recursais, ao final.

DES. BITENCOURT MARCONDES - Em relação ao presente recurso, voto de acordo com o i. Desembargador Relator para dar provimento, porquanto o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento assente acerca da possibilidade jurídica do pedido, tendo em vista a ausência de vedação legal.

Nesse sentido:

"Processo civil. Ação declaratória de união homoafetiva. Princípio da identidade física do juiz. Ofensa não caracterizada ao art. 132 do CPC. Possibilidade jurídica do pedido. Arts. 1º da Lei 9.278/96 e 1.723 e 1.724 do Código Civil. Alegação de lacuna legislativa. Possibilidade de emprego da analogia como método integrativo.

1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar.

2. O entendimento assente nesta Corte, quanto à possibilidade jurídica do pedido, corresponde à inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.

3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, em que se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito.

4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, desde que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.

5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.

6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador.

7. Recurso especial conhecido e provido'' (STJ. REsp 820475/RJ. Quarta Turma. Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro. J. em 02.09.2008).

É como voto.

DES. FERNANDO BOTELHO - Peço vênia ao e. Relator para divergir de seu voto.

A questão posta na inicial me parece demandar solução de legalidade estrita, por ser de lege lata sua disciplina no seio da própria Constituição Federal, que, no particular do tratamento da união estável, não contém mero ou isolado princípio; propugna, ao revés, norma de aplicação irrecusável e cogente, na medida em que, de modo imperativo, impõe ao legislador infraconstitucional facere indeclivável: edição de lei que facilite a conversão da união estável em status (jurídico) de casamento.

Nesta específica solutio, o regramento maior do instituto (inserido na "Ordem Social" - "da Família") proclama o dogma do reconhecimento da união estável como entidade familiar.

Não se pode, assim, por equívoca metodologia de interpretação do (mesmo) texto constitucional, permitir que tão especialíssimo dogma, e sua superior estruturação constitucional, inclusive vocabular, seja neutralizado por critério interpretativo largo, teleológico, que se ancore em fundamento ou garantia individual da mesma Carta; este, ainda que consagrado no Diploma, não reúne poder autônomo de neutralização da aplicação do especialíssimo comando.

O contrário equivale a interpretação derrogatória da Carta por ela mesma. Pior, derrogação de disciplina específica sua por inspiração da teleologia, que, sabidamente, não conspurca expressividade normativa do mesmo Diploma.

O ativismo judiciário, a interpretação integracionista saudável da Carta não permitem neutralizar sua própria existência, razão por que a metodologia de sua aplicação há de primar por critério sistêmico de análise e aplicação, pelo qual seus disciplinamentos, especificamente os que consagrem institutos especiais de seus títulos, hão de se conjugar, e não de se excluir ou neutralizar; não podem, em suma, ser elevados a "categoria" de letra morta, com aniquilamento da própria mens que guiou sua edição.

O particular regramento da união estável, na Constituição Federal, deu-lhe, repetimos, especial ambiente: especificou o reconhecimento jurídico-possível, no Brasil, de sua existência para consórcios de sexos opostos ("... entre homem e mulher..."), a dar-lhe status de unidade familiar.

Pois o constituinte, ao estatuir, com lindes de unidade familiar, a união estável "... entre o homem e a mulher...", não obstou, em absoluto, que uniões outras, particularmente as homoafetivas, pudessem receber amparo jurídico, noutro campo de proteção.

No dar às estáveis entre homens e mulheres cunho especial (o de unidade familiar sob equivalência com o casamento civil), a Constituição não faz mais que proclamar específico alcance daquela specie de união (para torná-la, mas apenas a ela, "unidade de família").

Equivale isso a dizer, por leitura inversa, que às demais modalidades de uniões que não tenham como atores o homem e a mulher, a lei infraconstitucional não conferirá, tão só, o status de casamento, como célula de "unidade familiar".

Nada mais.

Não quer isso dizer, insisto, tenha a Carta proclamado, ela, preconceito ou discriminação de sexos, pois que, fora do âmbito estrito da produção do efeito jurídico proclamado - conformação de unidade familiar pela via do casamento -, outras modalidades de união, especialmente as que se celebrem entre pessoas do mesmo sexo, estarão plenamente admitidas, porque não proibidas por lei (art. 5º, caput, da CF); todavia sem o alcance da produção do estrito efeito (o matrimonial stricto sensu) que o Texto exclusivizou para uniões entre sexos opostos.

Confira-se a textualidade do art. 226/CF:

"Capítulo VII

Da família, da criança, do adolescente e do idoso

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

Não estou nisso, por óbvio, negando o status ou o porte fático das uniões homoafetivas; tampouco olvidando a extensão do fenômeno social, em si, que o traz à evidência como evento natural do convívio.

Não em absoluto.

Fico apenas na consideração de que o fato de a união, por vínculo amoroso consorcial entre pessoas do mesmo sexo, vir-se constituindo, na atualidade, fenômeno inegável da vida comunitária - não se discute isso aqui, repito! - não o submete, automaticamente, à proteção jurídica do casamento, como unidade familiar de iure; e não o faz pelo exclusivo aspecto de que a Constituição da República, com sua missão de estruturar o ordenamento normativo pátrio, situa a união heteroafetiva como elemento definidor da unidade familiar pela via do matrimônio.

Sendo assim, inserção da união homoafetiva como tópico de estruturação familiar através do casamento constitui quaestio iuris a ser ainda resolvida e solucionada pela via da lege ferenda, ou seja, pela indispensável necessidade de que norma legal nova e expressa a adicione como tal ao ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido, aliás, o Congresso Nacional faz tramitar, já na atualidade, projetos de lei específicos sobre o assunto, do que são exemplos:

"Projeto de Lei nº 580/2007 - Câmara dos Deputados

(Do Sr. Clodovil Hernandes)

Altera a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, para dispor sobre o contrato civil de união homoafetiva.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para dispor sobre a contrato de união homoafetiva.

Art. 2º Acrescente à Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o seguinte capítulo e respectivo artigo.

Capitulo XVIII-A

Do contrato de união homoafetiva

Art. 839-A. Duas pessoas do mesmo sexo poderão constituir união homoafetiva por meio de contrato em que disponham sobre suas relações patrimoniais.

Parágrafo único. É assegurado, no juízo cível, o segredo de justiça em processos relativos a cláusulas do contrato de união homoafetiva.

Art. 4º Acrescente ao art. 1.790 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o seguinte parágrafo:

Parágrafo único. As disposições desse artigo aplicam-se, no que couber, aos companheiros homossexuais.

Art. 5º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação." (Data de apresentação: 27.03.2007; Apreciação: proposição sujeita à apreciação conclusiva pelas comissões - Art. 24 II; Regime de tramitação: ordinária; Situação: CSSF: Aguardando parecer. Ementa: Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, para dispor sobre o contrato civil de união homoafetiva.)

"Projeto de Lei 4.914/2009 - Câmara dos Deputados

(Dos Srs. e Sras. Deputado José Genoino; Deputada Raquel Teixeira; Deputada Manuela D'Àvila; Deputada Maria Helena; Deputado Celso Russomanno; Deputado Ivan Valente; Deputado Fernando Gabeira; Deputado Arnaldo Faria de Sá; Deputada Solange Amaral; Deputada Marina Maggessi; Deputado Colbert Martins; Deputado Paulo Rubem)

Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º - Esta lei acrescenta disposições à Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, relativas à união estável de pessoas do mesmo sexo.

Art. 2º - Acrescenta o seguinte art. 1.727 A, à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Código Civil.

'Art. nº 1.727 A - São aplicáveis os artigos anteriores do presente Título, com exceção do artigo 1.726, às relações entre pessoas do mesmo sexo, garantidos os direitos e deveres decorrentes.'

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação." (Data de Apresentação: 25/03/2009; Apreciação: Proposição Sujeita à Apreciação Conclusiva pelas Comissões - Art. 24 II; Regime de tramitação: Ordinária; Apensado(a) ao(a): PL-580/2007; Situação: CSSF: Tramitando em Conjunto. Ementa: Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.)

Pois até que se resolva este plano legislativo já começado, a institucionalizar a união homoafetiva como entidade familiar equiparável ao casamento, seus efeitos patrimoniais hão de ser resolvidos sob a ótica obrigacional do Direito Civil comum, e não sob a do direito de família - como, aliás, vêm sendo resolvidos segundo iterativa jurisprudência dos tribunais - sob pena de se negar vigência, precipitada e neutralizadora, ao Texto Maior da República, cuja expressividade não nos parece superável por critérios interpretativos que recusem, frontalmente, disciplina textual como a do art. 226, § 2º, da CF.

Aliás, a aplicabilidade do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, e, por consequência, do comando previsto no art. 126 do CPC, condiciona-se à ausência de lei ou à omissão desta; nunca servindo à superação de comando normativo expresso, especialmente dos que se consagrem na própria Constituição, Diploma que expressa mais que anseio normativo da democracia representativa; é ele o próprio ambiente, corporificado, dos valores institucionais que a nação, num dado momento, elegeu por representantes especiais para a constituição e estruturação do Estado.

Em suma, a sistêmica interpretação constitucional não permite o afastamento, neutralizador-absolutista, do comando do art. 226, § 2º, da CF, para a regência das uniões homoafetivas - a sujeitá-las a solução patrimonial de efeitos sob equivalência com o casamento civil, inexistindo, ali, propugnação discriminatória ou censória a sexos, já que os efeitos patrimoniais desta specie de união prosseguem resolvidos à luz do Direito Civil comum, sob ótica obrigacional.

Nesse sentido, julgados deste e de outros tribunais:

"Recurso especial. Relacionamento mantido entre homossexuais. Sociedade de fato. Dissolução da sociedade. Partilha de bens. Prova. Esforço comum. - Entende a jurisprudência desta Corte que a união entre pessoas do mesmo sexo configura sociedade de fato, cuja partilha de bens exige a prova do esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido" (STJ, REsp 648763/RS; REsp 2004/0042337-7 Rel. Min. César Asfor Rocha; T4 - Quarta Turma; j. em 07.12.2006; p. no DJ de 16.04.2007, p. 204).

"Ementa: Processo civil. Relação homoafetiva. Pedido de reconhecimento e dissolução. Natureza obrigacional. Juízo de Vara de Família. Falta de competência. - O Juízo de Vara de Família não é competente para o processamento e julgamento de pedido de reconhecimento e dissolução de relação homoafetiva. - O art. 9º da Lei nº 9.278/96, ao fixar a competência do juízo de Vara de Família para as matérias relativas à união estável, restringiu-se aos casos da entidade familiar descrita no seu art. 1º, sem abranger as relações entre pessoas do mesmo sexo e seu reconhecimento para efeitos obrigacionais. De ofício, anularam a decisão" (Apelação Cível n° 1.0145.08.501549-6/001 - 4ª Câmara Cível - Rel. Des. Almeida Melo - j. em 1º.10.2009).

"Ementa: Agravo de instrumento - Ação declaratória de união homoafetiva - Partilha de bens - Competência - Bens adquiridos em comum durante referida união - Convivência entre pessoas do mesmo sexo não pode ser considerada como entidade familiar - Questão afeta ao direito das obrigações - Incompetência da Vara de Família. - "A homologação do termo de dissolução da sociedade estável e afetiva entre pessoas do mesmo sexo cumulada com partilha de bens e guarda, responsabilidade e direito de visita a menor deve ser processada na Vara Cível não especializada, ou seja, não tem competência para processar a referida homologação a Vara de Família. No caso, a homologação guarda aspecto econômicos, pois versa sobre a partilha do patrimônio comum" (STJ - REsp 148.897/MG - DJ de 06.04.98; REsp 502.995/RN - Rel. Min. Fernando Gonçalves - j. em 26.04.05) (Agravo - C. Cíveis Isoladas - nº 1.0024.04.537121-8/001 - Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Alvim Soares - j. em 21.06.2005).

"Ementa: Conflito de competência entre câmaras do tribunal - Ação de dissolução de sociedade de fato c/c divisão de patrimônio - Relação homossexual - Questão estranha ao direito de família - Matéria afeta ao direito das obrigações - Competência recursal da unidade Francisco Sales - Inteligência do art. 108, II, da Constituição do Estado de Minas Gerais, com a redação anterior à conferida pela EC nº 63/2004 - Resolução nº 463/2005, art. 2º, § 2º" (Conflito de Competência n° 1.0000.05.426848-7/000 - Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - Suscitante: 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - Suscitada: 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Rel. Des. Orlando Carvalho - j. em 14.12.2005).

"Ação de reconhecimento de união homoafetiva - Impossibilidade jurídica do pedido - Art. 266, § 3º, da CF - Precedentes jurisprudenciais - Pretensão de concessão de pensão previdenciária por morte - Possibilidade. - A possibilidade jurídica do pedido, no que se refere ao reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo, não se confunde com a possibilidade jurídica da concessão de pensão previdenciária. O reconhecimento da união homoafetiva não é supedâneo para o requerimento de pensão por morte, na medida em que o primeiro se baliza nos ditames da legislação aplicável ao Direito de Família e o segundo transita no campo do Direito Previdenciário, que tem por missão precípua a defesa da pessoa humana, garantindo-lhe a subsistência ou a de seus dependentes. Não há falar-se em confronto do art. 226, § 3º, da CF com o Princípio da Igualdade previsto pelo art. 5º, caput, pois, consoante preleciona Alexandre de Moraes; 'o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça'" (Apelação Cível n° 1.0024.08.082815-5/001 - Comarca de Belo Horizonte - 4ª Câmara Cível - Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes - j. em 25.09.2008).

"Ementa: Apelação Cível. Ação declaratória. União homoafetiva. Impossibilidade jurídica do pedido. Carência de ação. Sentença mantida. - A impossibilidade jurídica do pedido ocorre quando a ordem jurídica não permite a tutela jurisdicional pretendida. Na esteira da jurisprudência deste Tribunal de Justiça, diante da norma expressa, contida no art. 226, § 3º, da Constituição da República, somente entidade familiar pode constituir união estável, através de relacionamento afetivo entre homem e mulher. Revela-se manifestamente impossível a pretensão declaratória de existência de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo" (Apelação Cível n° 1.0024.04.537121-8/002 - Comarca de Belo Horizonte - 12ª Câmara Cível - Rel. Des. Domingos Coelho - j. em 24.05.2006).

"Ementa: Entidade familiar. União estável. Pessoas do mesmo sexo. Reconhecimento. Vedação constitucional. Dependência previdenciária. Pensão por morte. Impossibilidade. - A Constituição da República não considera como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo, sendo casuísticas as respectivas definições do art. 226. - A consagração do companheirismo como forma de dependência previdenciária atende aos princípios da entidade familiar, revelada por união estável, não se admitindo pensão para pessoa do mesmo sexo, em consideração de união homossexual" (Apelação Cível/Reexame Necessário n° 1.0702.04.182123-3/001 - 6ª Câmara Cível - Rel. Des. Ernane Fidélis - j. em 08.04.2008).

"Ementa: Apelação cível. Constitucional e família. União homoafetiva. Impossibilidade jurídica do pedido. Recurso a que se nega provimento. - 1. A diversidade de sexo continua a ser requisito fundamental tanto para a celebração do casamento, quanto para o reconhecimento da união estável, razão pela qual não se pode conceber a mesma natureza jurídica desses institutos às relações homoafetivas. - 2. Recurso não provido" (Apelação Cível n° 1.0024.07.764088-6/001 - 4ª Câmara Cível - Rel. Des. Célio César Paduani - j. em 04.12.2008).

"Ementa: Agravo de instrumento. Ação declaratória. União estável entre pessoas do mesmo sexo. Manifesta impossibilidade jurídica do pedido. Recurso provido. - 1. A impossibilidade jurídica do pedido ocorre quando a ordem jurídica não permite a tutela jurisdicional pretendida. - 2. Diante da norma expressa, contida no art. 226, § 3º, da Constituição da República, somente entidade familiar por constituir união estável o relacionamento afetivo entre homem e mulher. - 3. Revela-se manifestamente impossível a pretensão declaratória de existência de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo. - 4. Agravo de instrumento conhecido e provido" (Agravo - C. Cíveis Isoladas - nº 1.0702.03.094371-7/001 - Segunda Câmara Cível - Rel. Des. Caetano Levi Lopes - j. em 22.03.2005).

"Agravo de instrumento. Constitucional. Civil. Processo civil. Competência para processar e julgar ação de reconhecimento e dissolução de relação homoafetiva. - 1. A definição do juízo a que legalmente compete apreciar tais situações fáticas conflitivas é exigência do princípio do juiz natural e constitui garantia inafastável do processo constitucional. - 2. Ausente regra jurídica expressa definidora do juízo responsável concretamente para conhecer relação jurídica controvertida decorrente de união entre pessoas do mesmo sexo, resta constatada a existência de lacuna do direito, o que torna premente a necessidade de integração do sistema normativo em vigor. Nos termos do que reza o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, a analogia é primeiro, entre os meios supletivos de lacuna, a que deve recorrer o magistrado. - 3. A analogia encontra fundamento na igualdade jurídica. O processo analógico constitui raciocínio baseado em razões relevantes de similitude. Na verificação do elemento de identidade entre casos semelhantes, deve o julgador destacar aspectos comuns, competindo-lhe também considerar na aplicação analógica o relevo que deve ser dado aos elementos diferenciais. - 4. A semelhança há de ser substancial, verdadeira, real. Não justificam o emprego da analogia meras semelhanças aparentes, afinidades formais ou identidades relativas a pontos secundários. - 5. Os institutos erigidos pelo legislador à condição de entidade familiar têm como elemento estrutural - requisito de existência, portanto - a dualidade de sexos. Assim dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu preâmbulo e no item 1 do art. 16. No mesmo sentido a Constituição Brasileira promulgada em 05/outubro/1988 (art. 226 e seus parágrafos), o Código Civil de 2002 e Lei nº 9.278, de 10/maio/1996, que regulamenta o § 3º do art. 226 da CF. - 6. As entidades familiares, decorram de casamento ou de união estável ou se constituam em famílias monoparentais, têm como requisito de existência a diversidade de sexos. Logo, entre tais institutos, que se baseiam em união heterossexual, e as uniões homossexuais sobreleva profunda e fundamental diferença. A distinção existente quanto a elementos estruturais afasta a possibilidade de integração analógica que possibilite regulamentar a união homossexual com base em normas que integram o Direito de Família. - 7. As uniões homossexuais, considerando os requisitos de existência que a caracterizam e que permitem identificá-las como parcerias civis, guardam similaridade com as sociedades de fato. Há entre elas elementos de identidade que se destacam e que justificam a aplicação da analogia. - 8. Entre parcerias civis e entidades familiares, há fator de diferenciação que, em atenção ao princípio da igualdade substancial, torna constitucional, legal e legítima a definição do juízo cível como competente para processar e julgar demandas relativas a uniões homossexuais, que sujeitas estão ao conjunto das normas que integram o Direito das Obrigações. - 9. Agravo conhecido e provido para declarar a incompetência da Vara de Família e competente uma das Varas Cíveis da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília,DF, para processar e julgar ação de reconhecimento e dissolução de relação homoafetiva. - 10. Precedentes judiciais. Em especial, Conflitos de Competência nos 20030020096835, 20050020054577 e 20070020104323, Primeira Câmara Cível deste egrégio Tribunal" (TJDFT, Agravo de Instrumento 2008.00.2.012928-9 - Quinta Turma Cível - Rel. Des.ª Diva Lucy Ibiapina - j. em 18.03.2009).

"Ação de reconhecimento de união estável e partilha - Relação homoafetiva - Improcedência - Inconformismo - Desacolhimento - Entendimento deste Relator e desta Câmara de que a união estável só é possível entre pessoas do sexo oposto - Requisitos para a configuração da união estável, ademais, que não foram demonstradas - Convivência contínua, duradoura e morada comum não comprovadas - Relacionamento homossexual que se rege pelas regras da sociedade de fato - Não demonstração da efetiva contribuição para a formação do patrimônio a ser partilhado - Sentença mantida - Recurso desprovido" (TJSP - Apelação n° 576.795-4/8-00 - Nona Câmara de Direito Privado - Rel. Des. Grava Brazil - j. em 23.06.2009).

Tenho, por tudo, que impossível, juridicamente, a dissolução da união homoafetiva sob amparo do Direito de Família, o que torna o pedido inicial presente juridicamente impossível, a recomendar manutenção da sentença primeva.

Conclusão.

Com esses fundamentos e invocando maxima venia ao e. Relator, nego provimento ao recurso e mantenho, inalterada, a sentença recorrida.

É como voto.

Sr. Presidente, pela ordem.

Esse é um caso de certa raridade nos pretórios, em face da novidade que ainda representa a questão da homoafetividade no tratamento jurisprudencial brasileiro.

Esta mesma Corte, bem como o Superior Tribunal de Justiça e também outros tribunais têm escassos precedentes. Por causa disso e com fito de orientar o jurisdicionado, sugiro a V. Ex.ª a publicação deste aresto, porquanto não unânime, para que essa finalidade educativa das instâncias possa também ser feita com base nele.

DES. BITENCOURT MARCONDES - Acato a sua sugestão para consignar que o acórdão seja publicado.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O VOGAL.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico do TJMG - 19/04/2010.

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