DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO HOMOAFETIVA - ART. 226,
§ 3º, DA CF/88 - UNIÃO ESTÁVEL - ANALOGIA - OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA
IGUALDADE E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
- VERIFICAÇÃO
- Inexistindo na legislação lei específica sobre a união homoafetiva e seus
efeitos civis, não há que se falar em análise isolada e restritiva do art.
226, § 3º, da CF/88, devendo-se utilizar, por analogia, o conceito de união
estável disposto no art. 1.723 do Código Civil/2002, a ser aplicado em
consonância com os princípios constitucionais da igualdade (art. 5º, caput e
inc. I, da Carta Magna) e da dignidade humana (art. 1º, inc. III, c/c art.
5º, inc. X, todos da CF/88).
Apelação Cível n° 1.0024.09.484555-9/001 - Comarca de Belo Horizonte -
Apelante: Z.M.N. - Apelada: C.S.R. - Relator: Des. Elias Camilo
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, em dar
provimento ao recurso, vencido o Vogal.
Belo Horizonte, 25 de novembro de 2009. - Elias Camilo - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. ELIAS CAMILO - Trata-se de recurso de apelação contra a sentença de f.
110-111, que indeferiu a inicial da "ação de reconhecimento e dissolução de
união homoafetiva entre conviventes c/c partilha de bens" proposta pela
apelante, julgando-a carecedora de ação em virtude de impossibilidade
jurídica do pedido, e, consequentemente, condenando-a ao pagamento das
custas processuais, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de
justiça deferida.
Fundamentando sua decisão, conclui o i. Juiz sentenciante que, não
consagrando o direito pátrio a relação homoafetiva, "mesmo que estável seja
a união de duas pessoas do mesmo sexo [...], ainda assim não é possível que
se reconheça em tal união uma entidade familiar, a ensejar as repercussões
jurídicas desse instituto" (sic, f. 110), razão pela qual, in casu,
mostra-se patente a impossibilidade jurídica do pedido inicial formulado
pela autora, ora apelante.
Em suas razões recursais de f. 112-119, tecendo comentários sobre a
competência das varas de família para julgar as relações homoafetivas,
sustenta a apelante, em apertada síntese, não haver que se falar em
impossibilidade jurídica do pedido na espécie, uma vez que "o art. 226 da
Constituição, ao restringir o reconhecimento da união estável apenas para o
relacionamento entre o homem e a mulher, colide e afronta diretamente com o
caput do art. 5º da Constituição Federal, o qual garante a igualdade sem
nenhuma distinção de qualquer natureza, assegurando, ainda, a
inviolabilidade do direito à igualdade e à liberdade, dentre outros direitos
da pessoa humana" (sic, f. 115).
Colacionando jurisprudência em abono à sua tese, assevera que, "a União
Homoafetiva pode ser caracterizada também como união estável entre pessoas
do mesmo sexo, pois sua única diferença com a União Estável prevista no
artigo supramencionado [art. 1.723/CC] é a questão dos componentes serem do
mesmo sexo, o que configura discriminação sexual, que é veemente combatida
pela Carta Magna de 1988" (sic, f. 114).
Arremata, requerendo o provimento do recurso, com a cassação da sentença de
primeiro grau e regular processamento e julgamento do feito.
Sem contrarrazões da apelada, sequer integrada à lide.
Parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça às f. 129-137, opinando pelo
provimento do recurso.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, porque
próprio, tempestivamente apresentado, regularmente processado, isento de
preparo em face da gratuidade de justiça deferida à apelante.
Cinge-se a controvérsia recursal à preliminar de impossibilidade jurídica do
pedido de reconhecimento de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo
(relação homoafetiva), acolhida pelo i. Juiz sentenciante na decisão
vergastada.
Como sabido, a possibilidade jurídica encontra-se presente quando o
ordenamento jurídico não veda o exame da matéria por parte do Judiciário,
ensinando os doutos juristas que esse requisito deverá restar previamente
examinado pelo magistrado, a fim de obstar pretensões sabidamente vedadas ou
não autorizadas pelo direito positivo.
Neste sentido, Humberto Theodoro Junior (em sua obra Curso de direito
processual civil) leciona:
"Pela possibilidade jurídica, indica-se a exigência de que deve existir,
abstratamente, dentro do ordenamento jurídico, um tipo de providência como a
que se pede através da ação. Esse requisito, de tal sorte, consiste na
prévia verificação que incube ao juiz fazer sobre a viabilidade jurídica da
pretensão deduzida pela parte em face do direito positivo em vigor. O exame
realiza-se, assim, abstrata e idealmente, diante do ordenamento jurídico.
[...]
Com efeito, o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1º, o
pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional; e
2º, o pedido mediato, contra o réu, que se refere à providência de direito
material.
A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato,
isto é, na permissão ou não, do direito positivo a que se insurge a relação
processual em torno da pretensão do autor. Assim, um caso de impossibilidade
jurídica do pedido poderia ser encontrado no dispositivo legal que não
admite a cobrança em juízo de dívida de jogo, embora seja válido o pagamento
voluntário feito extrajudicialmente (Código Civil, art. 814)" (in: Curso de
direito processual civil, 44. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. I, p.
63-64)
Desta forma, conforme ensinamento do eminente professor E. D. Moniz de
Aragão (Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. Rio de Janeiro:
Forense, v. II, p. 524), o pedido só será juridicamente impossível havendo
proibição expressa à sua dedução, o que não se verifica na hipótese em
exame.
Isso porque, com efeito, in casu, pretende a apelante o reconhecimento e
dissolução de verdadeira união estável vivida entre ela e a apelada, além da
partilha dos bens por elas adquiridos conjuntamente durante o período de tal
união.
Assim, in casu, cumpre ressaltar que, em que pese não ter nosso ordenamento
jurídico pátrio consagrado, expressamente, as uniões homoafetivas, ou seja,
entre pessoas do mesmo sexo, inexiste, também, qualquer vedação no sentido
de não poder tal união surtir efeitos civis, o que, por evidente, não pode
ser tido como ausência de direito, em especial considerando-se que, nos
casos em que verificada a omissão da lei, mostra-se possível a aplicação da
analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito, nos termos do
disposto nos arts. 4º da LICC e 126 do CPC, que assim dispõe:
Art. 4º da LICC:
"Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia,
os costumes e os princípios gerais de direito".
Art. 126 do CPC:
"O juiz não se exime de sentenciar ou despachar, alegando lacuna ou
obscuridade da lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas
legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios
gerais de direito".
Nesses termos, inexistindo lei específica que trate da união homoafetiva,
não há que se falar em análise isolada e restritiva do art. 226, § 3º, da
CF/88, devendo-se utilizar, por analogia, o conceito de união estável, como
disposto no art. 1.723 do Código Civil/2002, aplicando-o em consonância com
a norma do art. 5º também da Carta Magna, que estabelece, em seu caput, que
"todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...]", e, em seu inciso I, que "homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta Constituição" (princípio
constitucional da igualdade).
Da mesma forma, o inciso X do mencionado dispositivo constitucional garante
a todos os indivíduos o direito à intimidade, tendo em vista ser a opção e a
prática sexuais aspectos do exercício de tal direito, e o inciso III do art.
1º também da Constituição, por sua vez, estabelece como fundamento da
República Federativa do Brasil, dentre outros, a dignidade da pessoa humana.
Assim, de uma análise conjunta dos mencionados dispositivos constitucionais
e infraconstitucionais, outra conclusão não se chega senão a de ser vedado
qualquer tipo de discriminação à pessoa em razão se sua opção sexual, mesmo
que não se enquadre nos moldes das relações homem e mulher, o que decorre do
próprio princípio constitucional da isonomia, razão pela qual, não há que se
falar, in casu, em impossibilidade jurídica do pedido de reconhecimento de
união estável entre duas pessoas do mesmo sexo, inclusive para fins de
evitar o enriquecimento de um individuo em detrimento do outro.
Nesse sentido, já decidiu este Tribunal:
"Ementa: Ação ordinária - União homoafetiva - Analogia com a união estável
protegida pela Constituição Federal - Princípio da igualdade (não
discriminação) e da dignidade da pessoa humana - Reconhecimento da relação
de dependência de um parceiro em relação ao outro, para todos os fins de
direito - Requisitos preenchidos - Pedido procedente.
- À união estável homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável
entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade
familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob
pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
- O art. 226 da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente,
restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da
igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar
a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu
excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que
entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o
legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da
norma a situações atuais, antes não pensadas.
- A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o
reconhecimento de um direito" (TJMG - Apelação Cível/Reexame Necessário nº
1.0024.06.930324-6/001, Rel.ª Des.ª Heloísa Combat, j em 22.05.2007).
Dessa forma, vê-se que, inexistindo no ordenamento positivo brasileiro
qualquer proibição expressa de reconhecimento de união homoafetiva e
concessão de efeitos civis à esta, in casu, o pedido mostra-se, sob uma
visão abstrata, suscetível de acolhimento ou rejeição, merecendo, portanto,
reforma a sentença de primeiro grau que indeferiu a inicial por carência de
ação.
Por tais razões de decidir, dou provimento ao recurso para, cassando a
sentença impugnada, determinar o regular processamento do feito.
Custas recursais, ao final.
DES. BITENCOURT MARCONDES - Em relação ao presente recurso, voto de acordo
com o i. Desembargador Relator para dar provimento, porquanto o Superior
Tribunal de Justiça possui entendimento assente acerca da possibilidade
jurídica do pedido, tendo em vista a ausência de vedação legal.
Nesse sentido:
"Processo civil. Ação declaratória de união homoafetiva. Princípio da
identidade física do juiz. Ofensa não caracterizada ao art. 132 do CPC.
Possibilidade jurídica do pedido. Arts. 1º da Lei 9.278/96 e 1.723 e 1.724
do Código Civil. Alegação de lacuna legislativa. Possibilidade de emprego da
analogia como método integrativo.
1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada
que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias,
quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos
nas ações principal e cautelar.
2. O entendimento assente nesta Corte, quanto à possibilidade jurídica do
pedido, corresponde à inexistência de vedação explícita no ordenamento
jurídico para o ajuizamento da demanda proposta.
3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que,
para a hipótese em apreço, em que se pretende a declaração de união
homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito.
4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união
estável entre homem e mulher, desde que preencham as condições impostas pela
lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo,
proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador,
caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união
entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da
abrangência legal. Contudo, assim não procedeu.
5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir
lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação
fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada.
6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de
ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante
o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados,
mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador.
7. Recurso especial conhecido e provido'' (STJ. REsp 820475/RJ. Quarta
Turma. Rel. Min. Antonio de Pádua Ribeiro. J. em 02.09.2008).
É como voto.
DES. FERNANDO BOTELHO - Peço vênia ao e. Relator para divergir de seu voto.
A questão posta na inicial me parece demandar solução de legalidade estrita,
por ser de lege lata sua disciplina no seio da própria Constituição Federal,
que, no particular do tratamento da união estável, não contém mero ou
isolado princípio; propugna, ao revés, norma de aplicação irrecusável e
cogente, na medida em que, de modo imperativo, impõe ao legislador
infraconstitucional facere indeclivável: edição de lei que facilite a
conversão da união estável em status (jurídico) de casamento.
Nesta específica solutio, o regramento maior do instituto (inserido na
"Ordem Social" - "da Família") proclama o dogma do reconhecimento da união
estável como entidade familiar.
Não se pode, assim, por equívoca metodologia de interpretação do (mesmo)
texto constitucional, permitir que tão especialíssimo dogma, e sua superior
estruturação constitucional, inclusive vocabular, seja neutralizado por
critério interpretativo largo, teleológico, que se ancore em fundamento ou
garantia individual da mesma Carta; este, ainda que consagrado no Diploma,
não reúne poder autônomo de neutralização da aplicação do especialíssimo
comando.
O contrário equivale a interpretação derrogatória da Carta por ela mesma.
Pior, derrogação de disciplina específica sua por inspiração da teleologia,
que, sabidamente, não conspurca expressividade normativa do mesmo Diploma.
O ativismo judiciário, a interpretação integracionista saudável da Carta não
permitem neutralizar sua própria existência, razão por que a metodologia de
sua aplicação há de primar por critério sistêmico de análise e aplicação,
pelo qual seus disciplinamentos, especificamente os que consagrem institutos
especiais de seus títulos, hão de se conjugar, e não de se excluir ou
neutralizar; não podem, em suma, ser elevados a "categoria" de letra morta,
com aniquilamento da própria mens que guiou sua edição.
O particular regramento da união estável, na Constituição Federal, deu-lhe,
repetimos, especial ambiente: especificou o reconhecimento
jurídico-possível, no Brasil, de sua existência para consórcios de sexos
opostos ("... entre homem e mulher..."), a dar-lhe status de unidade
familiar.
Pois o constituinte, ao estatuir, com lindes de unidade familiar, a união
estável "... entre o homem e a mulher...", não obstou, em absoluto, que
uniões outras, particularmente as homoafetivas, pudessem receber amparo
jurídico, noutro campo de proteção.
No dar às estáveis entre homens e mulheres cunho especial (o de unidade
familiar sob equivalência com o casamento civil), a Constituição não faz
mais que proclamar específico alcance daquela specie de união (para
torná-la, mas apenas a ela, "unidade de família").
Equivale isso a dizer, por leitura inversa, que às demais modalidades de
uniões que não tenham como atores o homem e a mulher, a lei
infraconstitucional não conferirá, tão só, o status de casamento, como
célula de "unidade familiar".
Nada mais.
Não quer isso dizer, insisto, tenha a Carta proclamado, ela, preconceito ou
discriminação de sexos, pois que, fora do âmbito estrito da produção do
efeito jurídico proclamado - conformação de unidade familiar pela via do
casamento -, outras modalidades de união, especialmente as que se celebrem
entre pessoas do mesmo sexo, estarão plenamente admitidas, porque não
proibidas por lei (art. 5º, caput, da CF); todavia sem o alcance da produção
do estrito efeito (o matrimonial stricto sensu) que o Texto exclusivizou
para uniões entre sexos opostos.
Confira-se a textualidade do art. 226/CF:
"Capítulo VII
Da família, da criança, do adolescente e do idoso
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento".
Não estou nisso, por óbvio, negando o status ou o porte fático das uniões
homoafetivas; tampouco olvidando a extensão do fenômeno social, em si, que o
traz à evidência como evento natural do convívio.
Não em absoluto.
Fico apenas na consideração de que o fato de a união, por vínculo amoroso
consorcial entre pessoas do mesmo sexo, vir-se constituindo, na atualidade,
fenômeno inegável da vida comunitária - não se discute isso aqui, repito! -
não o submete, automaticamente, à proteção jurídica do casamento, como
unidade familiar de iure; e não o faz pelo exclusivo aspecto de que a
Constituição da República, com sua missão de estruturar o ordenamento
normativo pátrio, situa a união heteroafetiva como elemento definidor da
unidade familiar pela via do matrimônio.
Sendo assim, inserção da união homoafetiva como tópico de estruturação
familiar através do casamento constitui quaestio iuris a ser ainda resolvida
e solucionada pela via da lege ferenda, ou seja, pela indispensável
necessidade de que norma legal nova e expressa a adicione como tal ao
ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse sentido, aliás, o Congresso Nacional faz tramitar, já na atualidade,
projetos de lei específicos sobre o assunto, do que são exemplos:
"Projeto de Lei nº 580/2007 - Câmara dos Deputados
(Do Sr. Clodovil Hernandes)
Altera a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, para dispor
sobre o contrato civil de união homoafetiva.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta Lei altera a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, para dispor
sobre a contrato de união homoafetiva.
Art. 2º Acrescente à Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o seguinte
capítulo e respectivo artigo.
Capitulo XVIII-A
Do contrato de união homoafetiva
Art. 839-A. Duas pessoas do mesmo sexo poderão constituir união homoafetiva
por meio de contrato em que disponham sobre suas relações patrimoniais.
Parágrafo único. É assegurado, no juízo cível, o segredo de justiça em
processos relativos a cláusulas do contrato de união homoafetiva.
Art. 4º Acrescente ao art. 1.790 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o
seguinte parágrafo:
Parágrafo único. As disposições desse artigo aplicam-se, no que couber, aos
companheiros homossexuais.
Art. 5º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação." (Data de
apresentação: 27.03.2007; Apreciação: proposição sujeita à apreciação
conclusiva pelas comissões - Art. 24 II; Regime de tramitação: ordinária;
Situação: CSSF: Aguardando parecer. Ementa: Altera a Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002 - Código Civil, para dispor sobre o contrato civil de união
homoafetiva.)
"Projeto de Lei 4.914/2009 - Câmara dos Deputados
(Dos Srs. e Sras. Deputado José Genoino; Deputada Raquel Teixeira; Deputada
Manuela D'Àvila; Deputada Maria Helena; Deputado Celso Russomanno; Deputado
Ivan Valente; Deputado Fernando Gabeira; Deputado Arnaldo Faria de Sá;
Deputada Solange Amaral; Deputada Marina Maggessi; Deputado Colbert Martins;
Deputado Paulo Rubem)
Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º - Esta lei acrescenta disposições à Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002 - Código Civil, relativas à união estável de pessoas do mesmo sexo.
Art. 2º - Acrescenta o seguinte art. 1.727 A, à Lei nº 10.406, de 10 de
janeiro de 2002, Código Civil.
'Art. nº 1.727 A - São aplicáveis os artigos anteriores do presente Título,
com exceção do artigo 1.726, às relações entre pessoas do mesmo sexo,
garantidos os direitos e deveres decorrentes.'
Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação." (Data de
Apresentação: 25/03/2009; Apreciação: Proposição Sujeita à Apreciação
Conclusiva pelas Comissões - Art. 24 II; Regime de tramitação: Ordinária;
Apensado(a) ao(a): PL-580/2007; Situação: CSSF: Tramitando em Conjunto.
Ementa: Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.)
Pois até que se resolva este plano legislativo já começado, a
institucionalizar a união homoafetiva como entidade familiar equiparável ao
casamento, seus efeitos patrimoniais hão de ser resolvidos sob a ótica
obrigacional do Direito Civil comum, e não sob a do direito de família -
como, aliás, vêm sendo resolvidos segundo iterativa jurisprudência dos
tribunais - sob pena de se negar vigência, precipitada e neutralizadora, ao
Texto Maior da República, cuja expressividade não nos parece superável por
critérios interpretativos que recusem, frontalmente, disciplina textual como
a do art. 226, § 2º, da CF.
Aliás, a aplicabilidade do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, e,
por consequência, do comando previsto no art. 126 do CPC, condiciona-se à
ausência de lei ou à omissão desta; nunca servindo à superação de comando
normativo expresso, especialmente dos que se consagrem na própria
Constituição, Diploma que expressa mais que anseio normativo da democracia
representativa; é ele o próprio ambiente, corporificado, dos valores
institucionais que a nação, num dado momento, elegeu por representantes
especiais para a constituição e estruturação do Estado.
Em suma, a sistêmica interpretação constitucional não permite o afastamento,
neutralizador-absolutista, do comando do art. 226, § 2º, da CF, para a
regência das uniões homoafetivas - a sujeitá-las a solução patrimonial de
efeitos sob equivalência com o casamento civil, inexistindo, ali,
propugnação discriminatória ou censória a sexos, já que os efeitos
patrimoniais desta specie de união prosseguem resolvidos à luz do Direito
Civil comum, sob ótica obrigacional.
Nesse sentido, julgados deste e de outros tribunais:
"Recurso especial. Relacionamento mantido entre homossexuais. Sociedade de
fato. Dissolução da sociedade. Partilha de bens. Prova. Esforço comum. -
Entende a jurisprudência desta Corte que a união entre pessoas do mesmo sexo
configura sociedade de fato, cuja partilha de bens exige a prova do esforço
comum na aquisição do patrimônio amealhado. Recurso especial parcialmente
conhecido e, nessa parte, provido" (STJ, REsp 648763/RS; REsp 2004/0042337-7
Rel. Min. César Asfor Rocha; T4 - Quarta Turma; j. em 07.12.2006; p. no DJ
de 16.04.2007, p. 204).
"Ementa: Processo civil. Relação homoafetiva. Pedido de reconhecimento e
dissolução. Natureza obrigacional. Juízo de Vara de Família. Falta de
competência. - O Juízo de Vara de Família não é competente para o
processamento e julgamento de pedido de reconhecimento e dissolução de
relação homoafetiva. - O art. 9º da Lei nº 9.278/96, ao fixar a competência
do juízo de Vara de Família para as matérias relativas à união estável,
restringiu-se aos casos da entidade familiar descrita no seu art. 1º, sem
abranger as relações entre pessoas do mesmo sexo e seu reconhecimento para
efeitos obrigacionais. De ofício, anularam a decisão" (Apelação Cível n°
1.0145.08.501549-6/001 - 4ª Câmara Cível - Rel. Des. Almeida Melo - j. em
1º.10.2009).
"Ementa: Agravo de instrumento - Ação declaratória de união homoafetiva -
Partilha de bens - Competência - Bens adquiridos em comum durante referida
união - Convivência entre pessoas do mesmo sexo não pode ser considerada
como entidade familiar - Questão afeta ao direito das obrigações -
Incompetência da Vara de Família. - "A homologação do termo de dissolução da
sociedade estável e afetiva entre pessoas do mesmo sexo cumulada com
partilha de bens e guarda, responsabilidade e direito de visita a menor deve
ser processada na Vara Cível não especializada, ou seja, não tem competência
para processar a referida homologação a Vara de Família. No caso, a
homologação guarda aspecto econômicos, pois versa sobre a partilha do
patrimônio comum" (STJ - REsp 148.897/MG - DJ de 06.04.98; REsp 502.995/RN -
Rel. Min. Fernando Gonçalves - j. em 26.04.05) (Agravo - C. Cíveis Isoladas
- nº 1.0024.04.537121-8/001 - Sétima Câmara Cível, Rel. Des. Alvim Soares -
j. em 21.06.2005).
"Ementa: Conflito de competência entre câmaras do tribunal - Ação de
dissolução de sociedade de fato c/c divisão de patrimônio - Relação
homossexual - Questão estranha ao direito de família - Matéria afeta ao
direito das obrigações - Competência recursal da unidade Francisco Sales -
Inteligência do art. 108, II, da Constituição do Estado de Minas Gerais, com
a redação anterior à conferida pela EC nº 63/2004 - Resolução nº 463/2005,
art. 2º, § 2º" (Conflito de Competência n° 1.0000.05.426848-7/000 - Corte
Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - Suscitante: 10ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - Suscitada:
4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais - Rel. Des. Orlando
Carvalho - j. em 14.12.2005).
"Ação de reconhecimento de união homoafetiva - Impossibilidade jurídica do
pedido - Art. 266, § 3º, da CF - Precedentes jurisprudenciais - Pretensão de
concessão de pensão previdenciária por morte - Possibilidade. - A
possibilidade jurídica do pedido, no que se refere ao reconhecimento de
união estável entre pessoas do mesmo sexo, não se confunde com a
possibilidade jurídica da concessão de pensão previdenciária. O
reconhecimento da união homoafetiva não é supedâneo para o requerimento de
pensão por morte, na medida em que o primeiro se baliza nos ditames da
legislação aplicável ao Direito de Família e o segundo transita no campo do
Direito Previdenciário, que tem por missão precípua a defesa da pessoa
humana, garantindo-lhe a subsistência ou a de seus dependentes. Não há
falar-se em confronto do art. 226, § 3º, da CF com o Princípio da Igualdade
previsto pelo art. 5º, caput, pois, consoante preleciona Alexandre de
Moraes; 'o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações
absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que
se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça'"
(Apelação Cível n° 1.0024.08.082815-5/001 - Comarca de Belo Horizonte - 4ª
Câmara Cível - Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes - j. em 25.09.2008).
"Ementa: Apelação Cível. Ação declaratória. União homoafetiva.
Impossibilidade jurídica do pedido. Carência de ação. Sentença mantida. - A
impossibilidade jurídica do pedido ocorre quando a ordem jurídica não
permite a tutela jurisdicional pretendida. Na esteira da jurisprudência
deste Tribunal de Justiça, diante da norma expressa, contida no art. 226, §
3º, da Constituição da República, somente entidade familiar pode constituir
união estável, através de relacionamento afetivo entre homem e mulher.
Revela-se manifestamente impossível a pretensão declaratória de existência
de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo" (Apelação Cível n°
1.0024.04.537121-8/002 - Comarca de Belo Horizonte - 12ª Câmara Cível - Rel.
Des. Domingos Coelho - j. em 24.05.2006).
"Ementa: Entidade familiar. União estável. Pessoas do mesmo sexo.
Reconhecimento. Vedação constitucional. Dependência previdenciária. Pensão
por morte. Impossibilidade. - A Constituição da República não considera como
entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo, sendo casuísticas as
respectivas definições do art. 226. - A consagração do companheirismo como
forma de dependência previdenciária atende aos princípios da entidade
familiar, revelada por união estável, não se admitindo pensão para pessoa do
mesmo sexo, em consideração de união homossexual" (Apelação Cível/Reexame
Necessário n° 1.0702.04.182123-3/001 - 6ª Câmara Cível - Rel. Des. Ernane
Fidélis - j. em 08.04.2008).
"Ementa: Apelação cível. Constitucional e família. União homoafetiva.
Impossibilidade jurídica do pedido. Recurso a que se nega provimento. - 1. A
diversidade de sexo continua a ser requisito fundamental tanto para a
celebração do casamento, quanto para o reconhecimento da união estável,
razão pela qual não se pode conceber a mesma natureza jurídica desses
institutos às relações homoafetivas. - 2. Recurso não provido" (Apelação
Cível n° 1.0024.07.764088-6/001 - 4ª Câmara Cível - Rel. Des. Célio César
Paduani - j. em 04.12.2008).
"Ementa: Agravo de instrumento. Ação declaratória. União estável entre
pessoas do mesmo sexo. Manifesta impossibilidade jurídica do pedido. Recurso
provido. - 1. A impossibilidade jurídica do pedido ocorre quando a ordem
jurídica não permite a tutela jurisdicional pretendida. - 2. Diante da norma
expressa, contida no art. 226, § 3º, da Constituição da República, somente
entidade familiar por constituir união estável o relacionamento afetivo
entre homem e mulher. - 3. Revela-se manifestamente impossível a pretensão
declaratória de existência de união estável entre duas pessoas do mesmo
sexo. - 4. Agravo de instrumento conhecido e provido" (Agravo - C. Cíveis
Isoladas - nº 1.0702.03.094371-7/001 - Segunda Câmara Cível - Rel. Des.
Caetano Levi Lopes - j. em 22.03.2005).
"Agravo de instrumento. Constitucional. Civil. Processo civil. Competência
para processar e julgar ação de reconhecimento e dissolução de relação
homoafetiva. - 1. A definição do juízo a que legalmente compete apreciar
tais situações fáticas conflitivas é exigência do princípio do juiz natural
e constitui garantia inafastável do processo constitucional. - 2. Ausente
regra jurídica expressa definidora do juízo responsável concretamente para
conhecer relação jurídica controvertida decorrente de união entre pessoas do
mesmo sexo, resta constatada a existência de lacuna do direito, o que torna
premente a necessidade de integração do sistema normativo em vigor. Nos
termos do que reza o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, a
analogia é primeiro, entre os meios supletivos de lacuna, a que deve
recorrer o magistrado. - 3. A analogia encontra fundamento na igualdade
jurídica. O processo analógico constitui raciocínio baseado em razões
relevantes de similitude. Na verificação do elemento de identidade entre
casos semelhantes, deve o julgador destacar aspectos comuns, competindo-lhe
também considerar na aplicação analógica o relevo que deve ser dado aos
elementos diferenciais. - 4. A semelhança há de ser substancial, verdadeira,
real. Não justificam o emprego da analogia meras semelhanças aparentes,
afinidades formais ou identidades relativas a pontos secundários. - 5. Os
institutos erigidos pelo legislador à condição de entidade familiar têm como
elemento estrutural - requisito de existência, portanto - a dualidade de
sexos. Assim dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu
preâmbulo e no item 1 do art. 16. No mesmo sentido a Constituição Brasileira
promulgada em 05/outubro/1988 (art. 226 e seus parágrafos), o Código Civil
de 2002 e Lei nº 9.278, de 10/maio/1996, que regulamenta o § 3º do art. 226
da CF. - 6. As entidades familiares, decorram de casamento ou de união
estável ou se constituam em famílias monoparentais, têm como requisito de
existência a diversidade de sexos. Logo, entre tais institutos, que se
baseiam em união heterossexual, e as uniões homossexuais sobreleva profunda
e fundamental diferença. A distinção existente quanto a elementos
estruturais afasta a possibilidade de integração analógica que possibilite
regulamentar a união homossexual com base em normas que integram o Direito
de Família. - 7. As uniões homossexuais, considerando os requisitos de
existência que a caracterizam e que permitem identificá-las como parcerias
civis, guardam similaridade com as sociedades de fato. Há entre elas
elementos de identidade que se destacam e que justificam a aplicação da
analogia. - 8. Entre parcerias civis e entidades familiares, há fator de
diferenciação que, em atenção ao princípio da igualdade substancial, torna
constitucional, legal e legítima a definição do juízo cível como competente
para processar e julgar demandas relativas a uniões homossexuais, que
sujeitas estão ao conjunto das normas que integram o Direito das Obrigações.
- 9. Agravo conhecido e provido para declarar a incompetência da Vara de
Família e competente uma das Varas Cíveis da Circunscrição Especial
Judiciária de Brasília,DF, para processar e julgar ação de reconhecimento e
dissolução de relação homoafetiva. - 10. Precedentes judiciais. Em especial,
Conflitos de Competência nos 20030020096835, 20050020054577 e
20070020104323, Primeira Câmara Cível deste egrégio Tribunal" (TJDFT, Agravo
de Instrumento 2008.00.2.012928-9 - Quinta Turma Cível - Rel. Des.ª Diva
Lucy Ibiapina - j. em 18.03.2009).
"Ação de reconhecimento de união estável e partilha - Relação homoafetiva -
Improcedência - Inconformismo - Desacolhimento - Entendimento deste Relator
e desta Câmara de que a união estável só é possível entre pessoas do sexo
oposto - Requisitos para a configuração da união estável, ademais, que não
foram demonstradas - Convivência contínua, duradoura e morada comum não
comprovadas - Relacionamento homossexual que se rege pelas regras da
sociedade de fato - Não demonstração da efetiva contribuição para a formação
do patrimônio a ser partilhado - Sentença mantida - Recurso desprovido" (TJSP
- Apelação n° 576.795-4/8-00 - Nona Câmara de Direito Privado - Rel. Des.
Grava Brazil - j. em 23.06.2009).
Tenho, por tudo, que impossível, juridicamente, a dissolução da união
homoafetiva sob amparo do Direito de Família, o que torna o pedido inicial
presente juridicamente impossível, a recomendar manutenção da sentença
primeva.
Conclusão.
Com esses fundamentos e invocando maxima venia ao e. Relator, nego
provimento ao recurso e mantenho, inalterada, a sentença recorrida.
É como voto.
Sr. Presidente, pela ordem.
Esse é um caso de certa raridade nos pretórios, em face da novidade que
ainda representa a questão da homoafetividade no tratamento jurisprudencial
brasileiro.
Esta mesma Corte, bem como o Superior Tribunal de Justiça e também outros
tribunais têm escassos precedentes. Por causa disso e com fito de orientar o
jurisdicionado, sugiro a V. Ex.ª a publicação deste aresto, porquanto não
unânime, para que essa finalidade educativa das instâncias possa também ser
feita com base nele.
DES. BITENCOURT MARCONDES - Acato a sua sugestão para consignar que o
acórdão seja publicado.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O VOGAL. |