- Na duplicata mercantil sem aceite, não há
que se falar em abstração do título e autonomia do crédito, que não se
desvincula do negócio subjacente. Assim, apontada para protesto, alegando o
devedor inexistir causa debendi a justificar emissão do título, ao credor,
incumbe o ônus de comprovar a efetiva remessa e o recebimento das
mercadorias ou a prestação de serviços.
Recurso não provido.
Apelação Cível n° 1.0596.07.043764-2/001 - Comarca de Santa Rita do Sapucaí
- Apelante: Cash Factoring Fomento Mercantil Ltda. - Apelada: Valelux Ind.
Eletrônica Ltda. - Litisconsorte: LM Montagens & Serviços Ltda. - Relator:
Des. Antônio Bispo
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 4 de junho de 2009. - Antônio Bispo - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. ANTÔNIO BISPO - A apelante interpôs recurso em face da sentença
prolatada pelo Juízo de 1º grau, na ação ordinária de anulação de título,
que julgou procedente o pedido inicial, declarando a nulidade das duplicatas
nos 1526/B e 1526/C.
Aduz a apelante (f. 119/127) que razão não assiste à empresa apelada, tendo
em vista que suas alegações não seriam verdadeiras e que o ônus de provar a
emissão das duplicatas em tela foi desincumbido pela apelada dentro dos
limites de uma operação de factoring.
Afirma que é impossível comprovar em uma típica relação comercial a remessa
ou o recebimento de mercadorias, invocando a necessidade para o caso da
inversão do ônus da prova.
Alega que, ao efetuar a compra de todas as duplicatas da sacada, a empresa
apelada sempre entrou em contato com a mesma a fim de certificar-se sobre a
liquidez e a viabilidade dos títulos, e que, nesses contatos, funcionários
da empresa sacada sempre confirmaram a referida liquidez.
Informa que as notificações foram feitas à apelada e que restaram
comprovados, nos autos, o comunicado, bem como os documentos emitidos pelo
Banco do Brasil, dos quais constam boletos bancários previamente enviados,
indicando os números das duplicatas, os seus valores, a data de seus
vencimentos, o nome da empresa emitente do título (apelada).
Assevera que isso seria prova irrefutável da cientificação da empresa
devedora, apelada, da existência de novo credor da obrigação contratada com
segunda requerida, LM Montagens e Serviços Ltda.
Ainda, que a empresa apelada sempre manteve acordos comerciais com a empresa
LM, segunda requerida, tendo em vista as relações contratuais e cambiais
estabelecidas pela emissão de duplicatas e venda junto à empresa apelante, e
que a cessão de títulos é inegável e não há razão para a anulação dos
títulos in casu, visto ter ocorrido a cessão de direitos.
Por fim, requer que seja julgado improcedente o pedido de anulação dos
títulos executivos em questão. Pugna pela reforma da sentença primeva, sob o
argumento de que a referida decisão lhe acarreta prejuízo e ao mesmo tempo
enriquecimento indevido à apelada.
Contrarrazões às f. 131/135.
Conheço da apelação, visto que presentes os seus pressupostos recursais.
Diante da inexistência de preliminares, passo diretamente a analisar o
mérito.
Vislumbro não assistir razão à apelante em seus argumentos. Restou
comprovado, nos autos, que a elaboração das duplicatas se deu de forma
fraudulenta, tendo em vista a inexistência de aceite, carimbo e assinatura
do emitente dos títulos.
A emissão das referidas duplicatas ocorreu com intuito de colocá-las em
circulação para levantamento de valor.
Diante disso, depreende-se dos autos que a empresa apelada foi vítima de
simulação da segunda empresa requerida, que foi declarada revel. Esta teria
emitido três duplicatas em nome da apelada junto à apelante, sem a
existência de qualquer negociação entre elas.
O Juiz a quo agiu acertadamente ao determinar em sua decisão a nulidade das
referidas duplicatas.
O título de crédito em tela é causal, o que a distingue dos outros títulos
de crédito. Por essa qualidade, constata-se que a duplicata só pode ser
emitida em decorrência de uma compra e venda ou da prestação de um serviço.
Para ser considerada válida, a duplicata depende da participação do sacado,
aceitando-a ou expressando, em documento, o reconhecimento das mercadorias,
conforme determina o art. 15, II, b, da Lei nº 5474/68, in verbis:
"Art. 15. A cobrança judicial de duplicata ou triplicata será efetuada de
conformidade com o processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais,
de que cogita o Livro II do Código de Processo Civil, quando se tratar:
[...];
II - de duplicata ou triplicata não aceita, contanto que, cumulativamente:
[...];
b) esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e
recebimento da mercadoria".
É de se observar, no caso, que se trata de duplicatas sem aceite e
desacompanhadas de comprovante de entrega e de recebimento das mercadorias
ou prestação de serviço, conforme f. 16/18.
Wille Duarte Costa adverte que:
"A duplicata é um título de crédito causal e à ordem, que pode ser criada no
ato da extração da fatura, para circulação como efeito comercial, decorrente
da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços, não sendo admitida
outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor ou
prestador de serviços pela importância faturada ao comprador ou ao
beneficiário dos serviços.
A duplicata admite o aceite do devedor e não é cópia ou segunda via da
fatura. Nela não se discriminam as mercadorias vendidas ou serviços
prestados, o que deve ser feito na nota fiscal ou na fatura correspondente
[...]".
E prossegue:
"Embora seja um título causal, não é a duplicata título representativo de
mercadorias ou de serviços. Exige uma provisão determinada, que se
consubstancia no valor da compra e venda de mercadorias ou da prestação de
serviços, discriminados na fatura ou na nota fiscal. Sem tal provisão a
duplicata torna-se sem lastro e é chamada de fria" (COSTA, Wille Duarte.
Títulos de crédito. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 377).
Assim, possível concluir que a duplicata só se torna um título abstrato
quando se desvincula do negócio originário, a partir do aceite, momento em
que se reconhecem a exatidão do crédito e a obrigação de pagá-lo.
Nos presentes autos, não ficou comprovada a existência de negócio jurídico
subjacente, para fins de cobrança, o que deveria ter sido feito pela parte
credora. Esta tem o dever de colher a assinatura do comprador, ou de seu
preposto, quando da tradição da coisa negociada ou da conclusão do serviço
prestado.
A apelante invoca, equivocadamente, a necessidade de inversão do ônus da
prova. Porém, não há que se falar em tal instituto, conforme, inclusive, a
brilhante decisão do Juiz primário.
Insta salientar que a autora, ora apelada, trouxe juntamente com a inicial,
à f. 16, cópia da nota fiscal que teria dado origem às supostas duplicatas,
objeto da lide.
A referida nota encontra-se sem data de recebimento, bem como sem
identificação e assinatura do recebedor, caracterizando-se como "fria", o
que leva a crer que não existiu negócio com a segunda requerida que
justificasse sua emissão.
Não há dúvida de que cabia às rés comprovarem, através de documentos, a
existência do negócio jurídico para justificar a emissão das duplicatas.
Todavia, isso não ocorreu.
Ademais, seria extremamente gravoso atribuir à empresa sacada o ônus de
comprovar que nunca comercializou com a emissora, uma vez que, para simular
a duplicata, basta o CNPJ e o endereço da empresa.
A jurisprudência é nesse sentido:
"Ação declaratória. Duplicata. Contrato. Prestação de serviço. Emissão
irregular. Inexigibilidade do título. Protesto indevido. Cancelamento.
Nos termos do art. 20, § 1º, combinado com o art. 15, inciso II, da Lei
5.474/68, para o saque da duplicata, é imprescindível a comprovação da
efetiva prestação dos serviços contratados, sendo inadmissível a emissão
fundada em notas fiscais que unilateralmente quantificam bonificações que
poderiam ser eventualmente concedidas em reconhecimento da boa qualidade dos
serviços especificados no contrato. Inexistindo demonstração nos autos de
que a emissão da duplicata se deu de forma regular, já que não provada a
existência da dívida líquida, certa e exigível no valor do título, diante da
negativa do débito pela devedora, deve ser declarada a inexigibilidade do
título e cancelado o respectivo protesto, visto que indevido".
Quanto às alegações da apelante de que ocorreu a cessão de crédito e de que
é endossatária de boa-fé, entendo que, ao protestar o título, a mesma
assumiu o risco de causar prejuízos à apelada.
E mais, antes de levar as duplicatas a protesto cabia à empresa credora
verificar se elas possuíam causa debendi, além de avaliar a existência de
aceite.
Pelo exposto, verificando-se que o protesto foi indevido e que as referidas
duplicatas se encontram irregulares, necessária será a decretação da
nulidade destas, conforme decisão da sentença primeva.
Considerando todos esses fatos, nego provimento ao recurso, ficando mantida
incólume a respeitável sentença recorrida.
Custas recursais, pela apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores José Affonso da Costa
Côrtes e Maurílio Gabriel.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO.
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