AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA - NEGÓCIO
FIRMADO POR PROCURADOR APÓS A MORTE DO MANDANTE - NULIDADE DO ATO - EXTINÇÃO
DO MANDATO - CIÊNCIA DA MORTE PELO MANDATÁRIO - INDÍCIOS DE FRAUDE
- A outorga de escritura pública de compra e venda de imóvel pelo procurador
após o óbito do mandante constitui ato nulo, pois que, de acordo com o
disposto no art. 682, inciso II, do Código Civil, o mandato cessa com a
morte do mandante.
- As atenuantes previstas nos art. 673 e 689, ambos do Código Civil, não se
aplicam à espécie, haja vista a inexistência de urgência, bem como a
comprovação de que o mandatário tinha plena ciência da morte do mandante
quando da prática do ato, além de existirem nos autos diversos indícios de
abuso de confiança por parte daquele.
Apelação Cível n° 1.0625.07.067634-5/001 - Comarca de São João del-Rei -
Apelante: Alessandra Cristina Paiva Ferreira - Apelados: Geraldo Ramos da
Silva, Rodney Donizetti do Carmo - Relator: Des. Arnaldo Maciel
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Guilherme Luciano
Baeta Nunes, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata
dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar
provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 28 de setembro de 2010. - Arnaldo Maciel - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. ARNALDO MACIEL - Trata-se de apelação interposta por Alessandra
Cristina Paiva Ferreira contra a sentença de f. 162/166, que julgou
improcedente a Ação Declaratória de Nulidade de Escritura Pública de Venda
de Imóvel c/c Cancelamento de Registro proposta em face de Geraldo Ramos da
Silva e Rodney Donizetti do Carmo, ao fundamento de que a lavratura da
escritura pública objurgada diria respeito ao cumprimento de contrato já
iniciado e devidamente quitado à época do óbito do outorgante da procuração,
não bastando a morte deste para haver a extinção do mandato anteriormente
firmado.
Nas razões recursais de f. 169/266, afirma a recorrente que os apelados
firmaram um contrato de compra e venda de imóvel de propriedade de seu
falecido pai, o qual foi representado por meio de procuração outorgada ao
réu Geraldo Ramos da Silva, mas tendo o negócio jurídico sido celebrado após
o óbito do mandante, sendo que tanto o mandatário quanto o comprador tinham
plena ciência de sua morte quando da lavratura da escritura, pois ambos
participaram de seu velório, não havendo, portanto, que se falar em boa-fé.
Sustenta ter havido descumprimento do princípio da atração da forma, pois a
procuração outorgada não teria observado as formalidades exigidas no negócio
jurídico a que deu causa, além de estar dito instrumento público eivado de
nulidade, pois foi arrolada como outorgante pessoa diversa do mandante, não
se podendo afirmar de quem seria a assinatura constante da procuração, além
de estar consignado expressamente no corpo de seu texto que o corolário
principal de tal procuração era o de representar o outorgante perante o INSS
e o Banco Itaú S.A., inexistindo qualquer menção ao negócio jurídico de fato
celebrado.
Assevera ainda não haver qualquer comprovação de que a quitação da compra e
venda se teria dado enquanto vivo o mandante; ao revés, a escritura pública,
que é dotada de fé pública, evidenciaria que o pagamento se deu em data
posterior ao falecimento do outorgante. Por fim, afirma que à época da
outorga da procuração o mandante já se encontrava debilitado, em razão da
doença de Alzheimer que o acometera, razão pela qual não estaria apto a
outorgar o referido instrumento, conforme demonstrariam os documentos
anexados ao presente recurso e juntados nesta oportunidade por serem
documentos novos.
Não há preparo, pois a parte litiga sob os benefícios da assistência
judiciária gratuita, sendo o recurso recebido à f. 267.
Intimados, ofertou contrarrazões apenas o apelado Geraldo Ramos da Silva, às
f. 269/273, alegando que a sentença de 1º grau não merece qualquer reparo.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à
sua análise.
Cuida-se, no caso em julgamento, de ação com pretensão anulatória, através
da qual visa a apelante ver declarada a nulidade da compra e venda do bem
imóvel de seu falecido pai, ao argumento de que o dito negócio jurídico se
deu após a sua morte, por meio de procuração outorgada ao apelado Rodney
Donizetti do Carmo, quando seu genitor já se encontrava debilitado, sendo
que tanto o mandatário quanto o comprador, o ora apelado Geraldo Ramos da
Silva, tinham plena ciência do óbito quando da outorga da escritura pública,
o que afastaria a existência de boa-fé por parte dos mesmos, além de a
quitação se ter dado também após a ocorrência do óbito, diversamente do
consignado na sentença primeva.
De início, cumpre salientar que as teses da apelante, referentes ao suposto
desrespeito ao princípio da atração formal, bem como à irregularidade formal
do instrumento de procuração, não poderão ser aqui objeto de exame, uma vez
que tais questões não foram tratadas em momento algum nos autos, não sendo
arguidas na exordial ou mesmo apreciadas na decisão de 1º grau, sendo
apresentadas somente em sede de razões recursais, tratando-se, portanto, de
clara inovação recursal.
Pois bem, depreende-se dos autos que, sem sombra de dúvidas, a escritura
pública da compra e venda do imóvel em comento foi outorgada pelo procurador
do de cujus em 19.04.2007, ou seja, cinco dias depois do óbito, do que se
conclui que o mandato já havia cessado quando da prática de tal ato, haja
vista o disposto no art. 682, inciso II, do Código Civil, impondo-se, por
conseguinte, o reconhecimento da invalidade do negócio jurídico assim
instrumentalizado.
Nesse sentido, leciona Maria Helena Diniz (in Código Civil anotado. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2002, p. 430):
"Causas extintivas do mandato. - O mandato cessará pela revogação, renúncia
do mandatário, morte ou interdição de uma das partes, mudança de estado,
término do prazo de duração e conclusão do negócio. Morte de qualquer dos
contratantes. Por ser mandato intuitu personae, cessará com o falecimento de
qualquer dos contratantes (RT 239/237, 502/66, 225/338, 169/217)".
Assim também se manifesta este egrégio Tribunal:
"Ação anulatória. Compra e venda. Mandato. Morte do outorgante. - A
lavratura de escritura pública, feita por procuração, após a morte do
outorgante, é nula de pleno direito, por ser considerado inexistente o ato
jurídico. Com a morte, o outorgado já não tinha mais poderes para praticar o
ato. - Recurso não provido. Apelação Cível nº 362.399-4, da Comarca de
Uberlândia, sendo apelante: Valdivino Alves e outros, e apelada: Eliana
Alves da Silva Vieira. Des. Rel. Roberto Borges de Oliveira".
Frise-se que nosso ordenamento jurídico não admite mandato para ter execução
além da morte do mandante, exceto por meio de testamento, havendo somente
duas atenuantes legais, quais sejam a do art. 689 do CC, que dispõe que são
válidos, a respeito dos contraentes de boa-fé, os atos ajustados em nome do
mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele, e ainda a
do art. 673 do CC, que autoriza expressamente o mandatário a concluir o
negócio já começado, desde que haja perigo na demora.
Da análise percuciente destes autos, o que se observa é que não se aplicam à
espécie quaisquer das atenuantes acima descritas, uma vez que o mandatário
Rodney Donizetti do Carmo tinha plena ciência da morte do outorgante, fato
este que ele não nega em momento algum - ao revés, afirma-o em sua petição
de f. 81/82, ao confessar que cuidou do de cujus até o dia do seu
falecimento -, bem como o negócio entabulado não pressupunha qualquer
urgência a justificar a outorga da escritura pelo antigo procurador.
Ademais, a alegação de que a celebração prévia de compromisso de compra e
venda com o titular do domínio, ainda quando era vivo, autorizaria a outorga
da escritura pública pelo procurador não merece guarida, pois do próprio
compromisso consta, em sua cláusula sétima, que, no caso de falecimento, os
sucessores e herdeiros do vendedor é que se comprometeriam a outorgar a
escritura definitiva do imóvel compromissado ao comprador e, além do mais,
jamais se poderia admitir a transmissão de domínio mediante a utilização de
uma procuração já desprovida de eficácia, em virtude da morte do mandante.
Por oportuno, vale a pena ainda ressaltar que não houve, em verdade, a
juntada de qualquer comprovante ou recibo que atestasse o recebimento e a
reversão do pagamento do ajuste em favor do vendedor. Da leitura dos autos,
denotam-se diversos indícios de que, de fato, houve por parte do réu Rodney
Donizetti do Carmo abuso da confiança a ele então dispensada pelo falecido,
visto que há provas suficientes de que o de cujus não estava gozando de boa
saúde quando teria supostamente firmado a procuração em questão, tais como
as próprias alegações do mandatário e os documentos por ele juntados às f.
85/99, além de constar no atestado de óbito, dentre as causas de sua morte,
o fato de ser o mandante portador de Alzheimer, doença reconhecidamente
degenerativa e prejudicial às faculdades mentais, sendo que não se pode
ignorar que à época este já contava com 79 anos de idade.
Aliás, já na lavratura da procuração, não houve o comparecimento do
mandante, por motivo de doença, tendo sido o ato celebrado a seu rogo, sem
se olvidar que o compromisso de compra e venda firmado foi celebrado bem
pouco tempo antes de sua morte e sem qualquer formalidade, o que parece
bastante estranho, sem mencionar ainda que no curso do processo o mandatário
e a apelante chegaram até mesmo a celebrar um acordo, que não foi cumprido
por aquele, o que é mais um indício de que a venda do imóvel não respeitou
os direitos hereditários desta última.
Ante todo o exposto, dou provimento ao recurso, para declarar a nulidade da
escritura pública de compra e venda referente ao imóvel situado na Rua
Afonso Marcelino da Silveira, na cidade de São João del-Rei - MG, matrícula
nº 33.167, com o consequente cancelamento do registro no Cartório de
Registro de Imóveis competente.
Condeno os apelados no pagamento das custas e despesas processuais devidas
em ambas as instâncias, bem como dos honorários advocatícios, estes no
importe de 15% do valor da causa, mas ficando a respectiva cobrança suspensa
por estarem amparados pela assistência judiciária.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Guilherme Luciano Baeta
Nunes e Elpídio Donizetti.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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