AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL - VÍCIO DE
CONSENTIMENTO - CONFIGURAÇÃO - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO
- O ato de reconhecimento voluntário da paternidade, por ser um ato
jurídico, pode ser anulado mediante comprovação de que houve vício
resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude, nos termos do art.
171, II, do Código Civil. Assim, comprovados os requisitos legais, caso é de
procedência do pedido negatório de paternidade, com o conseqüente
cancelamento no assento do registro de nascimento.
Apelação Cível n° 1.0702.05.241352-4/001 - Comarca de Uberlândia - Apelante:
L.F.M. representada p/ mãe M.S.M. - Apelada: J.F.A. - Relator: Des. Eduardo
Andrade
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento.
Belo Horizonte, 29 de setembro de 2009. - Eduardo Andrade - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. EDUARDO ANDRADE - Trata-se de ação negatória de paternidade cumulada
com ação anulatória de registro civil ajuizada por J.F.A. em face de L.F.M.,
representada por sua genitora, M.S.M.
Adoto o relatório da v. sentença de origem, acrescentando-lhe que o pedido
foi julgado procedente para declarar desconstituída a paternidade de L.F.M.,
anular seu registro de nascimento, determinando que se faça a exclusão do
nome do autor e de seus pais, lançados como avós paternos no respectivo
assento de nascimento, e para exonerar o autor do dever de pagar alimentos à
requerida, condenada no pagamento das custas processuais e dos honorários
advocatícios, arbitrados em R$ 2.000,00 (dois mil reais) (f. 196/200).
Inconformada, a requerida interpôs o presente recurso, pretendendo a reforma
do decisum sob a alegação principal de que conviveu com o requerente por
cinco anos após seu nascimento, tendo o mesmo como seu legítimo pai, o que
foi devidamente comprovado nos autos. Aduz que o seu pai começou a
desprezá-la quando contraiu novo matrimônio e que já sabia ou ao menos tinha
dúvida da paternidade. Por fim, acrescenta que o requerido assumiu a
paternidade por sua livre e espontânea vontade (f. 202/211).
Regularmente intimado, o apelado apresentou contrarrazões, pugnando pelo
desprovimento do recurso (f. 216/232).
Remetidos os autos à d. Procuradoria-Geral de Justiça, o i. representante do
Ministério Público, Dr. João Batista da Silva, opinou pelo desprovimento do
recurso (f. 239/243).
Presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade,
conheço do recurso.
Infere-se dos autos que a menor L.F.M., representada por sua genitora,
M.S.M., foi voluntariamente registrada como filha do requerente, J.F.A.,
como se depreende da certidão de nascimento de f. 11.
Pretende o requerente, contudo, mediante a propositura da presente ação, a
declaração de inexistência de filiação legítima, com a consequente anulação
do registro civil, em razão da descoberta tardia de que não é o pai
biológico da requerida, como fazem prova os dois exames de DNA de f. 72/79,
realizados em 31.03.05 e 10.04.07.
De fato, o reconhecimento voluntário da paternidade, por ser um ato
jurídico, somente pode ser anulado mediante comprovação de que houve vício
resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude, nos termos do art.
171, II, do Código Civil.
E mais, o art. 1.604 do mesmo diploma legal é taxativo ao dispor que
"ninguém pode vindicar estado contrário do que resulta do registro de
nascimento, salvo provando erro ou falsidade do registro".
Assim, em que pese a presunção de veracidade das declarações contidas no
registro de nascimento, que tem fé pública, somente na hipótese de
comprovação da existência de erro ou falsidade se pode questionar acerca
dessa presunção relativa.
Nesse sentido é o entendimento do c. Superior Tribunal de Justiça:
"Direito civil. Família. Recurso especial. Ação negatória de paternidade.
Exame de DNA.
- Tem-se como perfeitamente demonstrado o vício de consentimento a que foi
levado a incorrer o suposto pai, quando induzido a erro ao proceder ao
registro da criança, acreditando se tratar de filho biológico.
- A realização do exame pelo método DNA a comprovar cientificamente a
inexistência do vínculo genético confere ao marido a possibilidade de obter,
por meio de ação negatória de paternidade, a anulação do registro ocorrido
com vício de consentimento.
- A regra expressa no art. 1.601 do CC/02 estabelece a imprescritibilidade
da ação do marido de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua
mulher, para afastar a presunção da paternidade.
- Não pode prevalecer a verdade fictícia quando maculada pela verdade real e
incontestável, calcada em prova de robusta certeza, como o é o exame
genético pelo método DNA.
- E, mesmo considerando a prevalência dos interesses da criança, que deve
nortear a condução do processo em que se discute, de um lado, o direito do
pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica
e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação,
verifica-se que não há prejuízo para esta, porquanto à menor socorre o
direito de perseguir a verdade real em ação investigatória de paternidade,
para valer-se, aí sim, do direito indisponível de reconhecimento do estado
de filiação e das consequências, inclusive materiais, daí advindas.
Recurso especial conhecido e provido" (STJ, 3ª Turma, REsp 878954/RS, Rel.ª
Min.ª Nancy Andrighi, DJ de 28.05.07, p. 339).
Insta transcrever, também, os seguintes julgados deste eg. Tribunal:
"Registro público - Assento de nascimento - Falsa declaração de vontade -
Vício do consentimento - Erro - Elementos e circunstâncias dos autos -
Invalidade do reconhecimento voluntário de paternidade - Inexistência de
vínculo biológico paterno-filial - Exames de DNA - Recurso desprovido. -
Demonstrados o vício (erro essencial) da declaração de vontade e a
inexistência de vínculo biológico paterno-filial, mediante resultado de dois
exames de DNA, impõe-se a invalidade do reconhecimento voluntário de
paternidade" (TJMG, Ap. Cív. 1.0701.04.069610-9/001, Rel. Des. Nepomuceno
Silva, p. em 20.11.07).
"Negativa de paternidade - Decadência afastada - Registro civil - Vício do
ato jurídico - Erro - Ocorrência - Realização de dois exames de DNA que
concluíram pela ausência de parentesco paterno - Recurso desprovido. - O
direito de o pai impugnar a filiação a ele atribuída é imprescritível. -
Comprovado que o exame de DNA concluiu pela negativa da paternidade e não
estampando os autos provas diversas capazes de desconstituir o alegado vício
de consentimento (erro) em que incorreu o autor quando do reconhecimento da
paternidade do menor, imperiosa se torna a procedência do pedido inicial
para que seja declarada a negativa de filiação" (TJMG, Ap. Cív.
1.0701.07.203210-8/001, Rel. Des. Edilson Fernandes, p. em 26.06.09).
No caso em apreço, o requerente alega ter incorrido em erro, visto que
registrou a requerida acreditando ser essa sua filha. Isso porque, de fato,
manteve relacionamento amoroso e sexual com a genitora da criança, com quem
veio a se casar posteriormente.
A tentativa da genitora da requerida de desconstituir a alegação do
requerente foi infrutífera, porquanto, no estudo psicossocial, afirmou,
categoricamente, que o requerente não sabia de seu relacionamento com
terceiro. O fato de ter, logo em seguida, mudado a sua versão dos fatos,
segundo a psicóloga judicial, não passou de uma tentativa de retomar uma
linha de raciocínio que deveria seguir para configurar que o pai registrara
a criança sabendo ser o seu pai biológico (f. 148).
Ora, diante desses fatos, os depoimentos das testemunhas, confusos e
contraditórios em seus próprios termos, não podem ser considerados para o
fim de comprovar que o requerente registrou a requerida ciente de que não
era o seu pai biológico.
Destarte, se o requerente procedeu ao registro da requerida por realmente
acreditar que era o seu pai biológico, não há dúvida de que foi induzido a
erro ao proceder ao registro voluntário da criança, afigurando-se possível a
anulação do ato jurídico, em virtude do vício de consentimento a que foi
levado a incorrer o suposto pai (CC. art. 171, II).
Note-se que a tese acolhida por este Relator não tem o condão de afastar o
afeto paternal, fazendo prevalecer a paternidade biológica em detrimento da
paternidade socioafetiva. Ao contrário, se o pai registral manifestou
expressamente o seu desejo em extinguir qualquer relação de afeto com a
criança, desejo este amparado em dois exames de DNA, conclusivos sobre a
inexistência de paternidade, não tem o juiz o "poder" de manter o vínculo
entre as partes, agora não sob o enfoque biológico, e sim sob o aspecto
afetivo.
Por fim, se é certo que a criança tem o direito de ter preservado o seu
estado de filiação, como corolário do princípio da dignidade da pessoa
humana, também é certo que o pai tem o direito de negar a paternidade em
razão do estabelecimento da verdade biológica, cumprindo ressaltar que,
nesse caso, o menor terá a oportunidade de perseguir a sua ascendência
genética em ação investigatória de paternidade, com todas as consequências
daí advindas.
Com essas considerações, nego provimento ao recurso.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Geraldo Augusto e Vanessa
Verdolim Hudson Andrade.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO. |