- O Código de Processo Civil, em seu art. 3º, exige que seja demonstrada,
initio litis, a pertinência subjetiva da ação, não se admitindo relação
processual litigiosa por quem não seja titular do direito discutido ou
responsável por arcar com os efeitos da sentença, sendo mister
reconhecer-se, em tais circunstâncias, a ilegitimidade ativa ou passiva ad
causam.
- O cartório de registro de imóveis bem como o tabelião ou o tabelionato
respectivo não têm legitimidade para responder por indenização por danos
materiais decorrentes do exercício de sua função, delegada pelo Poder
Público.
Apelação Cível n° 1.0188.04.020416-9/001 - Comarca de Nova Lima - Apelantes:
José Eustáquio Barcelos Parreiras, por si e representando os herdeiros de
Geraldo Luiz Parreiras - Apelado: Serviço Registral de Imóveis da Comarca de
Nova Lima - Relator: Des. Otávio Portes
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 16 de janeiro de 2008. - Otávio Portes - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Proferiram sustentação oral, pelos apelantes, o Dr. Alberico Alves S. Filho
e, pelo apelado, a Dr.ª Luciana S. Camargo Barros.
DES. OTÁVIO PORTES - Reunidos os pressupostos objetivos e subjetivos de
admissibilidade, conhece-se dos recursos.
Trata-se de ação indenizatória proposta por José Eustáquio Barcelos
Parreiras, por si e representando os herdeiros de Geraldo Luiz Parreiras em
face do Serviço Registral de Imóveis da Comarca de Nova Lima, alegando que,
por erro do tabelião do referido cartório, teve o registro de imóveis
adquiridos pela parte ora representada anulados, causando prejuízos pelos
quais requer ressarcimento, dando à causa o valor de R$ 80.000,00 (oitenta
mil reais).
O MM. Juiz de primeiro grau (f. 119/120) julgou extinto o feito, sem análise
de mérito, entendendo ser o cartório requerido parte ilegítima para
responder ao presente feito, condenando o autor no pagamento de honorários
advocatícios fixados em R$ 500,00, suspensa a sua exigibilidade nos termos
da Lei 1.060/50 (f. 123).
Inconformado, apela José Eustáquio Barcelos Parreiras (f. 124/128), alegando
que a delegação do Poder Público não "retira a responsabilidade do tabelião
pelos atos realizados autonomamente como titular do respectivo Cartório" (f.
127), mormente após a Constituição de 1988, tendo em vista a vinculação do
agente com a instituição do tabelionato, pugnando, assim, pela reforma da
sentença.
Contra-razões apresentadas às f. 130/137.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça absteve-se de opinar no presente feito
(f. 145/148).
No que tange à questão da ilegitimidade passiva, importa registrar que a
ação, como direito de pedir a manifestação do Poder Judiciário acerca de
certo conflito intersubjetivo, reclama, por parte do autor e do réu, o
preenchimento de determinados requisitos sem os quais não surge para o
julgador o dever de definir o litígio, estando, dentre essas exigências, a
legitimidade das partes envolvidas no litígio para pleitear o direito
invocado e para suportar os efeitos oriundos da sentença.
A pertinência da ação àquele que a ajuíza em confronto com a outra parte,
obrigatoriamente, tem de se encontrar revestida de titularidade, que se
apura em vista da relação jurídica de direito material em que surge o
conflito de interesses, utilizando-se desse mesmo critério para aquilatar a
idoneidade do sujeito a figurar no pólo passivo da ação, devendo, assim,
encontrar-se correta a titularidade, quer ativa ou passiva, sendo certo que,
não estando um dos litigantes legitimado a se posicionar na ação, esta não
se desenvolve validamente.
Elucida Liebman, em obra traduzida por Cândido Dinamarco, Manual de direito
processual civil, p. 157, que:
"Legitimação para agir (legitimatio ad causam) é a titularidade (ativa ou
passiva) da ação. O problema da legitimação consiste em individualizar a
pessoa a que pertence o interesse de agir (e, pois, a ação) e a pessoa com
referência à qual ele existe; em outras palavras, é um problema que decorre
da distinção entre a existência objetiva do interesse de agir e a sua
pertinência subjetiva [...] entre esses dois quesitos, ou seja, a existência
do interesse de agir e sua pertinência subjetiva, o segundo é que deve ter
precedência, porque só em presença dos dois interessados diretos é que o
juiz pode examinar se o interesse exposto pelo autor efetivamente existe e
se ele apresenta os requisitos necessários".
Em outras palavras, Luiz Machado Guimarães assinala que a legitimação
significa "o reconhecimento do autor e do réu, por parte da ordem jurídica
como sendo as pessoas facultadas, respectivamente, a pedir e contestar a
providência que é objeto da demanda" (Estudos do direito processual civil,
p. 101).
Entende o douto Arruda Alvim, por sua vez, que "estará legitimado o autor
quando for possível titular do direito pretendido, ao passo que a
legitimidade do réu decorre do fato de ser ele a pessoa indicada, em sendo
procedente a ação, a suportar os efeitos oriundos da sentença" (Código de
Processo Civil comentado, I/319).
Exsurge claro desses conceitos que o estatuto processual pátrio exige seja
demonstrada a pertinência subjetiva da ação, de forma incontroversa e cabal,
de modo que a relação processual litigiosa se trave entre o possível titular
do direito pretendido (legitimação ativa) e o sujeito que estaria obrigado a
suportar os efeitos oriundos de uma sentença que julgue procedente o pedido
inicial (legitimação passiva), à míngua do que a relação processual nem se
forma.
O Código de Processo Civil, em seu art. 3º, exige que seja demonstrada,
initio litis, a pertinência subjetiva da ação, não se admitindo relação
processual litigiosa a ser formada por quem não seja titular do direito
subjetivo discutido ou por quem não deva suportar os efeitos da sentença, se
eventualmente fosse julgado procedente o pedido deduzido em juízo, sendo
mister reconhecer-se, em tais circunstâncias, a ilegitimidade ativa ou
passiva ad causam.
No caso em apreço, verifica-se que, apesar de os serviços registrais e
notariais serem, mormente após o advento da Carta Magna de 1988, de caráter
privado, têm sua atividade desenvolvida por delegação do Poder Público.
Nesse sentido, tem-se que, no caso em apreço, a responsabilidade deve ser
analisada sob o prisma do art. 37, § 6º, da referida Constituição, cabendo
salientar que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Atuando o agente público em
nome do Estado ou de órgão delegatário, deste é a responsabilidade, a não
ser que o agente atue em nome próprio, o que aqui não ocorre, pois o ato que
originou o pedido de indenização foi praticado em nome do tabelionato de
registro de imóveis da Comarca de Nova Lima, MG, mesmo que sobre o mesmo
tenha havido equívoco atribuível ao profissional.
Necessário destacar que o art. 236 ainda da Constituição Federal de 1988 bem
como a Lei 8.935/94, em seu art. 22, não excluíram a responsabilidade
objetiva prevista no referido art. 37, § 6º, sendo esta a afirmação já
procedida pelo Supremo Tribunal Federal, verbis:
"Constitucional - Servidor público - Tabelião - Titulares de ofício de
justiça: responsabilidade civil - Responsabilidade do Estado - CF, art. 37,
§ 6º. - 1. Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários
titulares de cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter
privado, por delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado
pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício de tais
funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de
dolo ou culpa (CF, art. 37, § 6º). 2. Negativa de trânsito ao RE. Agravo não
provido" (AGRRE 209354, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, p. no DJU de
16.04.99, p. 19).
Nota-se que os defeitos no registro havidos nos imóveis defendidos pelo
autor não derivam de ato próprio do tabelião que laborava no órgão registral
na ocasião, mas de engano ocorrido em função do exercício de sua função ou
por motivos outros não apurados, não se podendo excluir do Estado a sua
necessidade de responder pelos danos em questão, notadamente para que sejam
preservados os direitos do administrado.
Não diverge o entendimento já firmado também por este Tribunal:
"Ação de cobrança - Danos materiais e morais - Penhora realizada pelo
oficial do cartório de registro de imóveis - Erro configurado -
Responsabilidade objetiva do Estado - Art. 37, § 6º, da CF/88. - O Estado
tem, em tese, a responsabilidade objetiva pelos danos praticados no
exercício de suas funções a terceiros pelos tabeliães e demais titulares de
cartórios e registros extrajudiciais, nos termos do art. 37, § 6º, da CR/88,
assegurado o direito de regresso, nos casos de dolo ou culpa do causador do
dano. Comprovado o prejuízo de ordem material, cabível o ressarcimento, ao
passo que o erro cartorial, no caso concreto, não é capaz de ensejar danos
morais" (Apelação Cível 1.0024.05.698521-1/001, Rel.ª Des.ª Vanessa Verdolim
Hudson Andrade, p. no DJ de 08.05.07).
Não bastasse todo o alegado, tem-se que, mesmo admitida a prevalência da
norma constante do art. 22 da Lei 8.935/94 sobre o texto do art. 37, § 6º,
da CF/88, a responsabilidade pelo ato praticado pelo tabelião seria pessoal
deste, no exercício da sua função ou de seus prepostos, não podendo ser
atingido o atual oficial do cartório por ato praticado por seu antecessor,
como destacado pela douta decisão de primeiro grau.
Mediante tais considerações, nega-se provimento ao recurso, mantendo-se a
sentença, por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Custas recursais, pelo autor, suspensa a sua exigibilidade na forma do art.
12 da Lei 1.060/50.
DES. NICOLAU MASSELLI - De acordo.
DES. BATISTA DE ABREU - Peço vista.
Súmula - PEDIU VISTA O VOGAL. O RELATOR E O REVISOR NEGAVAM PROVIMENTO AO
RECURSO.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. PRESIDENTE BATISTA DE ABREU - O julgamento deste feito foi adiado na
sessão do dia 09.01.2008, a meu pedido, após o Relator e o Revisor negarem
provimento ao recurso.
De fato, o cartório ou serventia, assim entendido como o local onde os
serviços notariais e de registro são prestados, não possui personalidade
jurídica, ou seja, não é entidade sujeita de direitos e obrigações,
qualificação que, na verdade, atribui-se aos notários e oficiais de
registro, pessoas físicas a quem é delegado o exercício da atividade, nos
termos do art. 22 da Lei nº 8.935/94.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça vem adotando posicionamento no
sentido de admitir o ajuizamento de ações contra o cartório, equiparando-o
às pessoas formais que, embora não detentoras de personalidade jurídica, são
titulares de personalidade judiciária, a exemplo do espólio, da massa
falida, do condomínio, etc.
Nesse sentido:
"Processual civil. Cartório de notas. Pessoa formal. Capacidade processual.
Ilegitimidade passiva. Erro material. Correção de ofício. Prequestionamento.
Violação do art. 535 do CPC. Não-ocorrência. [...]
2. Entre as atribuições do magistrado, inclui-se a prerrogativa de, a todo
tempo, zelar pela higidez da relação processual, determinando as
providências corretivas que julgar adequadas para que o processo se ultime
de modo eficaz e efetivo. Hipótese em que o apego excessivo à formalidade da
norma adjetiva contraria os princípios que informam a razoabilidade, a
efetividade e a economia processual.
3. O cartório de notas, conquanto não detentor de personalidade jurídica,
ostenta a qualidade de parte no sentido processual, ad instar do que ocorre
com o espólio, a massa falida, etc., de modo que tem capacidade para estar
em juízo.
4. Recurso especial não provido" (REsp 774.911/MG - 2ª Turma do STJ - Rel.
Min. João Otávio de Noronha - j. em 18.10.2005 - DJ de 20.2.2006, p. 313).
Acontece que, no caso, não se trata de incapacidade civil do cartório, mas
sim de ato praticado por outro oficial quando titular, este sim o
responsável. Poder-se-ia admitir que a sucessão impõe a continuidade da
responsabilidade, mas essa tese ainda me parece temerária discuti-la,
especialmente na condição de Juiz vogal com vista dos autos.
Com os votos que me antecederam, nego provimento.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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