DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO
JURÍDICO - DOAÇÃO INTER VIVOS - NULIDADE DA SENTENÇA E DO PROCESSO -
PRELIMINARES REJEITADAS - AUSÊNCIA DE NULIDADE DA ESCRITURA PÚBLICA DE
DOAÇÃO - RECURSO NÃO PROVIDO
- Os negócios jurídicos possuem elementos essenciais que são imprescindíveis
a sua validade, quais sejam: agente capaz; objeto lícito, possível,
determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei, nos
termos do art. 82 do Código Civil de 1916, norma aplicável à espécie, já que
a doação que se busca anular com a presente demanda foi firmada em
22.09.1993.
- A despeito da impropriedade dos termos usados no Código Civil anterior,
consideravam-se "loucos de todo o gênero'' as pessoas portadoras de
sofrimento mental incapacitante em razão da total ausência de discernimento
para os atos da vida civil. E, para que o sofrimento mental seja capaz de
macular de nulidade o negócio jurídico, é necessário que a incapacidade seja
preexistente e contemporânea à prática do ato jurídico.
- É juridicamente perfeita a doação feita por escritura pública em que a
assinatura da doadora é colhida em sua residência pelo escrivão.
Rejeitaram as preliminares e negaram provimento ao apelo.
Apelação Cível n° 1.0707.00.029333-2/001 - Comarca de Varginha - Apelante:
Adriana Cleusa Porto Mattos - Apelado: Aldamir Pinto Fernandes e sua mulher
- Relator: Des. Sebastião Pereira de Souza
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Batista de Abreu,
incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar
as preliminares e negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 30 de maio de 2011. - Sebastião Pereira de Souza - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Proferiu sustentação oral, pela apelante, o Dr. João Batista de Oliveira
Cândido e, pelo apelado, o Dr. Luiz Fernando Valladão Nogueira.
DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA - Conheço do recurso porque regular e
tempestivamente aviado, presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de
admissibilidade.
Trata-se de recurso de apelação nas f. 298/306, interposto contra a r.
sentença nas f. 282/290 que, nos autos da ação anulatória de doação c/c
indenização por perdas e danos ajuizada por Adriana Cleusa Porto Mattos em
face de Aldamir Pinto Fernandes e Maria Lucia Rennó Pinto, julgou
improcedente o pedido inicial, ao fundamento de que a autora não comprovou
que a doadora era incapaz no momento da lavratura da escritura pública de
doação, não se desincumbindo do ônus que lhe cabia.
Dos agravos retidos.
Apesar de rogar pelo conhecimento e provimento, após compulsar detidamente
os autos, constato que a parte autora, ora apelante, não interpôs qualquer
agravo retido ao longo do processo.
Da preliminar de nulidade da sentença.
Preliminarmente, a apelante alega a nulidade do processo por cerceamento do
direito de defesa ante o indeferimento dos pedidos de requisição do exame de
tomografia da doadora e de esclarecimentos ao perito.
Contudo, razão não lhe assiste, pois contra a r. decisão na f. 223, que
indeferira tais pedidos, a parte autora não interpôs qualquer recurso,
caracterizando-se a preclusão com o seu silêncio.
Rejeito, pois, a primeira preliminar.
Da preliminar de nulidade do processo por ausência de identidade física do
juiz.
Ainda preliminarmente, alega que a r. sentença deve ser cassada porque o
juiz que colheu a prova não foi o juiz que decidiu.
Pela simples leitura do caput do art. 132 do CPC depreende-se que as
exceções à obediência ao princípio da identidade física do juiz abarcam as
situações em que o juiz que encerrou a audiência se encontra legalmente
impedido de prolatar a sentença no mesmo processo. Assim sendo, não havendo
indícios de ilegalidade que denotem a nulidade do processo, há de ser
afastada a vinculação do juiz, podendo outro que vier a sucedê-lo decidir a
lide.
Rejeito, pois, a segunda preliminar.
Da preliminar de nulidade - sentença citra petita.
Como última preliminar, a apelante alega que a sentença deve ser cassada
porque o juiz deixou de examinar todas as suas alegações.
Contudo, não se pode taxar de citra petita a sentença que julga
improcedentes os pedidos iniciais, mormente quando a sentença analisa o
cerne do litígio, como no caso dos autos, em que o juiz rejeitou a tese
autoral de nulidade da doação por ausência de capacidade civil da doadora já
falecida.
Ora, o magistrado não tem que justificar porque deixou de aplicar um
regramento ou porque não decidiu de outra forma, mas sim motivar o seu
convencimento, demonstrando os fundamentos fáticos e jurídicos que
efetivamente aplicou. E esses preceitos foram observados pela r. sentença
apelada.
Rejeito, pois, a terceira preliminar.
Do mérito.
No mérito, alega a parte apelante, em apertada síntese, que a r. sentença
recorrida analisou apenas a questão da nulidade da escritura em razão da
incapacidade da autora, deixando de analisar outras nulidades arguidas.
Tal questão já foi devidamente analisada e rejeitada quando do julgamento da
terceira preliminar arguida pela apelante.
A recorrente também alega que as provas dos autos demonstram que a doadora
padecia de confusão mental e era incapaz.
Pois bem. Os negócios jurídicos possuem elementos essenciais, que são
imprescindíveis a sua validade, quais sejam: agente capaz; objeto lícito,
possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei,
nos termos do art. 82 do Código Civil de 1916, norma aplicável à espécie, já
que a doação que se busca anular com a presente demanda foi firmada em
22.09.1993 (f. 81/82).
Por outro lado, o negócio jurídico será nulo quando faltar qualquer desses
elementos essenciais; quando for preterida alguma solenidade que a lei
considere essencial para a sua validade; ou quando a lei taxativamente o
declarar nulo ou lhe negar efeito - inteligência do art. 145 do Código Civil
de 1916.
Pertinente ao caso em comento as hipóteses de incapacidade civil absoluta
previstas no art. 5º do Código Civil revogado:
"Art. 5º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida
civil:
I - Os menores de 16 anos.
II - Os loucos de todo o gênero.
III - Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade.
IV - Os ausentes, declarados tais por ato do juiz''.
A despeito da impropriedade dos termos usados no Código Civil anterior,
consideravam-se "loucos de todo o gênero'' as pessoas portadoras de
sofrimento mental incapacitante em razão da total ausência de discernimento
para os atos da vida civil. E, para que o sofrimento mental seja capaz de
macular de nulidade o negócio jurídico, é necessário que a incapacidade seja
preexistente e contemporânea à prática do ato jurídico.
Nos autos, não há sequer indícios de que a doadora falecida era, ao tempo da
doação, incapaz de entender o negócio jurídico que realizava e de se
comportar de acordo com a sua vontade.
Pelo contrário, mediante o Laudo Pericial nas f. 204/207, complementado nas
f. 217/218 e realizado nos documentos acostados aos autos, o i. médico
perito concluiu que não há referência a qualquer psicopatologia
incapacitante supostamente sofrida pela doadora falecida.
Os depoimentos de dois médicos que atendiam a doadora, quando viva, em
momento algum demonstram que ela era portadora de alguma doença que a
incapacitava ou lhe prejudicava o discernimento (f. 257/259).
Como bem concluiu o MM Juiz em sua excelente sentença:
"Debruçando no caderno probatório, nota-se que a prova produzida indica que
a testadora, quando do ato, era perfeitamente capaz de praticá-lo'' (f.
288).
Assim, a parte autora não se desincumbiu do ônus que lhe cabia -
inteligência do art. 333, I, do Código de Processo Civil.
Em terceiro lugar, a apelante alega que a doação é nula porque o bem doado
era o único bem da doadora.
Contudo, a doação ora discutida (f. 81/82) não é nula, pois à doadora foi
reservado o usufruto vitalício dos bens doados, garantindo-lhe a
subsistência - inteligência do art. 1.175 do CC/16: "É nula a doação de
todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência
do doador''.
Ressalte-se que não incide no caso a sanção prevista no art. 1.176 do CC/16:
"Nula é também a doação quanto à parte, que exceder a de que o doador, no
momento da liberalidade, poderia dispor em testamento''.
É que, de fato, conforme dispõe o Código Civil, as doações em vida para
terceiros estão subordinadas às mesmas regras da disposição de bens pela via
do testamento, ou seja, o doador que tiver herdeiros necessários não poderá
doar a terceiros mais que cinquenta por cento dos bens que possuir na data
da doação, nos termos do art. 1576 do CC/16: "Havendo herdeiros necessários,
o testador só poderá dispor da metade da herança''.
Todavia, a doação ora questionada não pode ser anulada por esse motivo, pois
nela se alcançou a finalidade protetiva da referida norma do art. 1576 do
CC/16, já que se garantiu a legítima da única herdeira da doadora, sua
filha, ora segunda apelada, que ao tempo da doação já era casada em comunhão
de bens com o donatário, ora segundo apelado. Logo, os bens doados
integraram o patrimônio comum do casal.
De uma forma ou de outra, só a herdeira necessária da doadora falecida, no
caso a sua única filha, ora segunda apelada, é que goza do direito de
reserva de bens em caso de doação em vida ou de testamento que destine bens
para terceiros. Se ela não se opôs à referida doação, até porque, repita-se,
casada em comunhão de bens com o donatário, ora primeiro apelado, tem-se
como válida a disposição de vontade de sua falecida mãe.
Em quarto lugar, aduz a apelante que a doação feita exclusivamente ao
primeiro apelado é fraudulenta, pois a sua esposa, ora segunda apelada, era
filha da doadora e porque visou afastar direito da apelante, que era
legatária no testamento da doadora falecida.
Não há como invalidar uma disposição de vontade regularmente emanada pela
doadora falecida pelo só fato de contrariar legado anteriormente instituído
em testamento público, pois a livre disposição dos seus bens é direito do
proprietário, que pode mudar de ideia e dar ao seu imóvel destinação diversa
da inicialmente pretendida. Como no caso dos autos: se a testadora doa o bem
que lhe pertence e que era objeto de legado anterior, este perde sua
eficácia.
Por fim, alega a apelante que a escritura de doação é nula porque o escrivão
certificou que a mesma foi lavrada no cartório, quando, na verdade, os
próprios réus apelados confessam que a mesma foi lavrada na residência da
doadora.
Pois bem. A tomada de assinatura fora de cartório não infirma a validade, a
eficácia nem a fé pública do registro público, configurando mera
irregularidade.
Tal procedimento é ato corriqueiro e chamado de diligência, em que o
escrivão ou o escrevente vai com o livro à residência da parte interessada
para dar autenticidade e segurança à assinatura. Um bom exemplo é o
casamento em diligência, celebrado fora das dependências do cartório, por
motivo de força maior, por vontade dos noivos e com o consentindo do Juiz.
Além disso, a doação dispensa até mesmo a escritura pública para se tornar
válida, conforme se vê da redação do art. 1.168 do CC/16: "A doação far-se-á
por escritura pública, ou instrumento particular (artigo 134)''.
Logo, é juridicamente perfeita a doação feita por escritura pública em que a
assinatura da doadora é colhida em sua residência pelo escrivão.
Dispositivo.
Com esses fundamentos, nego provimento ao apelo para manter a r. sentença
objurgada pelos seus próprios e jurídicos fundamentos e pelos que ora
acrescento.
Custas recursais, pela apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Otávio Portes e Wagner
Wilson.
Súmula - REJEITARAM AS PRELIMINARES E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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