AÇÃO DECLARATÓRIA - LOTEAMENTO - ASSOCIAÇÃO DE MORADORES - RATEIO DE
DESPESAS - PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL - FRUIÇÃO DOS BENEFÍCIOS ORIUNDOS DOS
SERVIÇOS PRESTADOS - PAGAMENTO -NECESSIDADE
- Embora sejam distintos os institutos jurídicos do condomínio horizontal e
do loteamento para fins urbanos, o Poder Judiciário não pode ignorar a
existência de situações fáticas em que os loteamentos se apresentam como
verdadeiros "condomínios de casas", nos quais os proprietários das unidades
isoladas participam e usufruem das comodidades oferecidas e, até mesmo,
criam associações ou registram convenções de condomínio com o escopo de
administrar as denominadas "áreas comuns".
- Os proprietários de imóveis compreendidos na área de atuação de associação
de moradores de loteamento fechado têm obrigação de pagamento das taxas e
demais encargos por esta instituídos, ainda que não sejam associados, sob
pena de enriquecimento ilícito.
Apelação Cível n° 1.0701.06.170633-2/003 - Comarca de Uberaba - Apelantes:
Sebastião Ferreira Andrade e sua mulher - Apelada: Associação de Moradores
do Loteamento denominado Jardim Jockey Club - Relator: Des. Lucas Pereira
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 12 de fevereiro de 2009. - Lucas Pereira - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. LUCAS PEREIRA - Trata-se de ação declaratória proposta por Sebastião
Ferreira Andrade e Maria Rozária de Jesus Ferreira em desfavor de Associação
dos Moradores do loteamento Jardim Jockey Club.
Noticia a exordial, que a ré está enviando boletos bancários relativos à
taxa de serviço e manutenção, ameaçando interromper o fornecimento de água
medido por hidrômetro, em caso de não pagamento. Disseram que a requerida
pratica atos de perseguição, dificultando a permissão para alugar as
chácaras para festas, além de estar tentando transformar o loteamento em
condomínio fechado, ilicitamente. Asseveram que os autores notificaram a
suscitada para deixar de ser associados, não podendo ser obrigados a se
manterem associados. Alegam que não podem ser impedidos de circular na área
do loteamento, devendo a ré abster-se de incluir o nome dos requerentes na
lista de maus pagadores.
Requereram, assim, a concessão de tutela antecipada, para que seja declarada
a ilegalidade da taxa mensal de rateio de despesas, para que tenham direito
à utilização da água, para que não sejam obrigados a se manterem associados
e para que a ré seja impedida de transformar o loteamento em condomínio,
devendo, ao final, ser confirmada a tutela antecipada e julgados procedentes
os pedidos iniciais.
Tutela antecipada indeferida às f. 79, razão pela qual foi interposto agravo
de instrumento, ao qual foi negado provimento. (f. 1.341-1.345)
Devidamente citada, a ré apresentou contestação (f. 110-130), alegando as
preliminares de impossibilidade jurídica do pedido e de falta de interesse
de agir. No mérito, alega que os proprietários rateiam as despesas comuns,
pagando a mensalidade relativa à manutenção da segurança, captação e
distribuição de água, energia elétrica despendida com a bomba e outros
serviços. Assevera que não pretende transformar o loteamento em condomínio.
As preliminares foram rejeitadas às f. 1.195. Depoimentos testemunhais às f.
1.269-1.275.
Na sentença (f. 1.285-1.290), o douto Julgador a quo julgou parcialmente
procedentes os pedidos, declarando o direito dos autores de não se manterem
associados, bem como seu direito ao uso da água, encanamentos e hidrômetro e
bens de uso comum, mediante o pagamento das despesas correspondentes,
respondendo os requerentes pelas despesas comuns inerentes ao loteamento,
mediante rateio, julgando, por conseguinte, improcedente o pedido de não
serem acionados judicialmente para pagamento da taxa de serviço e
manutenção. Determinou, ainda, que a ré se abstenha de impedir os
postulantes de entrarem e circularem na área de loteamento, bem como de
promover a transformação do loteamento em condomínio fechado, fixando multa
de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada ato contrário à determinação dos
autos. Permitiu a inclusão do nome dos requerentes em lista de
inadimplentes.
Embargos de declaração de f. 1.293-1.296, 1.298-1.299, rejeitados às 1.300.
Os autores apresentaram apelação (f. 1.302-1.307), alegando que as despesas
que estão sendo cobradas não são comuns do loteamento, mas sim fruto da
transformação em condomínio fechado, aliado ao fato de que não restou
demonstrada a sua origem, necessidade e quais serviços foram efetivamente
prestados. Disse que os atos da recorrida não correspondem à vontade da
maioria dos proprietários. Assevera que o bem objeto do litígio é loteamento
comum, não estando a associação autorizada a cobrar despesas com feição de
taxas de condomínio dos proprietários, sobretudo por ser de obrigação do
Poder Público dar segurança, conservar ruas, passeios e praças, iluminação
pública, oferecimento de água, dentre outros.
Contrarrazões, às f. 1.325-1.335, em que ré se pautou pelo desprovimento do
apelo. Pugna pela aplicação das penas por litigância de má-fé.
É o relatório.
Juízo de admissibilidade.
Conheço do recurso, porque próprio, tempestivo e devidamente preparado.
Mérito.
Inicialmente, insta registrar que há diferenciação entre condomínio
horizontal e loteamento convencional.
O condomínio horizontal é regido pela Lei nº 4.591/64 e consiste no conjunto
de edificações construído em terreno aberto, no qual existem unidades
autônomas na forma de casas térreas ou assobradadas, partes reservadas como
de utilização exclusiva dessas unidades (jardins, quintais), bem como áreas
de propriedade comum a todos os condôminos, nas quais podem ser construídos
jardins, clubes, salões e vias de acesso às unidades entre si e à estrada ou
via pública (art. 8º, alínea a, da Lei nº 4.591/64).
O loteamento convencional, por sua vez, encontra previsão na Lei nº 6.766/79
e diz respeito ao parcelamento do solo urbano, mediante a subdivisão de
gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de
circulação, de logradouros púbicos ou prolongamento/ampliação das vias já
existentes (art. 2º, § 1º, da Lei nº 6.766/79).
Desse modo, é de convir que a diferença substancial existente entre os dois
institutos jurídicos reside no fato de que, nos condomínios horizontais, as
áreas externas às unidades autônomas pertencem aos próprios condôminos, que
as utilizam de acordo com o estabelecido na respectiva convenção, ao passo
que, nos loteamentos convencionais, a propriedade se restringe ao lote, pois
as áreas externas, após o registro do loteamento, passam ao domínio do
Município (art. 22 da Lei nº 6.766/79).
Pode-se dizer, portanto, que os condomínios traduzem estado de comunhão
entre os proprietários relativamente às áreas que não integram as unidades
isoladas, e, por outro lado, os loteamentos para fins urbanos visam à
integração da gleba inicialmente indivisa ao Município, de modo que as áreas
destacadas dos lotes se tornam bens públicos de uso comum do povo.
Não obstante, é notória a proliferação dos chamados "condomínios fechados",
que, muitas vezes, não passam de áreas de loteamento em que os proprietários
dos lotes, com ou sem autorização do Município, instalam portarias e
cancelas a fim de manter maior segurança e privacidade.
Assim, independentemente da natureza jurídica do local, seja condomínio
horizontal, seja loteamento, tenho que o Poder Judiciário não pode ignorar a
existência de situações em que os loteamentos se apresentam como verdadeiros
"condomínios de casas", nos quais os proprietários das unidades isoladas
participam e usufruem das comodidades oferecidas e, até mesmo, criam
associações ou registram convenções de condomínio com o escopo de
administrar as denominadas "áreas comuns", tal como in casu.
Com efeito, a jurisprudência tem reconhecido legitimidade à associação de
proprietários de lotes, para cobrança dos mesmos, das despesas concernentes
à administração, conservação e limpeza das vias internas do loteamento, de
suas demais partes e benfeitorias de uso comum, bem assim da segurança
patrimonial e pessoal dos condôminos ou associados, ainda que não
associados.
Assim, considerando que os autores notificaram a ré, em 18.9.2006, acerca do
seu desligamento da associação (f. 42), tenho que persiste a sua obrigação
pelo pagamento das taxas, uma vez que os mesmos usufruem dos benefícios
custeados por esta:
"Ementa - Ação declaratória - Inexistência de relação jurídica - Pedido
improcedente - Loteamento fechado - Sociedade civil sem fins lucrativos que
não se confunde com o condomínio constituída com finalidade de representar
os interesses dos proprietários e moradores do loteamento denominado
'Chácara São Rafael' Campinas - Admissibilidade. - Assim, por força de
dispositivos constitucionais, os autores de fato tem o direito de não querer
associar-se ou não permanecerem associados, podendo inclusive, renunciar a
esse direito. - Tal fato, entretanto, não isenta os donos dos lotes do
pagamento das despesas realizadas na área sob pena de enriquecimento
ilícito, também, vedado por nosso ordenamento jurídico, porque quer queira,
quer não, os autores tiram proveito dos benefícios que a associação dos
moradores lhe proporciona no loteamento onde tem seu imóvel - Precedentes
jurisprudenciais - Recurso desprovido" (Tribunal de Justiça de São Paulo,
Apelação Cível nº 58.697-4 - Campinas - 7ª Câmara de Direito Privado -
Relator: Júlio Vidal - 25.11.98 - v. u.).
"Cobrança - Despesas condominiais - Condomínio fechado - Filiação à
associação que mantém o loteamento - Irrelevância - Cabimento. - Procede a
ação em relação a condômino, independentemente de filiação à associação que
mantém o loteamento, a título de enriquecimento sem causa. Recurso provido"
(Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Ap. s/ Rev. 553.201 - 9ª Câm.
- Rel. Juiz Eros Piceli - j. em 18.11.98).
Isso porque seria injusto permitir que determinado proprietário, que usufrui
de todos os benefícios e serviços, que são administrados pela associação
responsável pelo condomínio, não arcasse com a sua cota-parte nas
respectivas despesas e melhoramentos, obtendo valorização de seu imóvel sem
a devida contraprestação e, ainda, onerando os demais condôminos.
Portanto, na condição de proprietários, sem dúvida, os apelantes têm a
obrigação de contribuir equitativamente com a construção das benfeitorias,
bem como com o pagamento dos serviços na proporção de sua fração ideal.
Nesse sentido, é a orientação do eg. STJ:
"Civil. Agravo no recurso especial. Loteamento aberto ou fechado. Condomínio
atípico. Sociedade prestadora de serviços. Despesas. Obrigatoriedade de
pagamento. - O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou
fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram
sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção,
deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí
decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos
serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida
contraprestação" (STJ, AgREsp 490419/SP, DJ de 30.06.2003, p. 00248, Relator
Min.ª Nancy Andrighi).
"Condomínio atípico. Associação de moradores. Despesas comuns.
Obrigatoriedade. - O proprietário de lote integrante de gleba urbanizada,
cujos moradores constituíram associação para prestação de serviços comuns,
deve contribuir com o valor que corresponde ao rateio das despesas daí
decorrentes, pois não é adequado que continue gozando dos benefícios sociais
sem a devida contraprestação. Precedentes. Recurso conhecido e provido"
(STJ, REsp 439661/RJ, DJ de 18.11.2002, p. 00229, LEXSTJ, v. 00159, p.
00218, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar).
Não é outro o entendimento da jurisprudência desta Corte:
"Apelação - Cobrança de taxas em condomínio residencial - Associação de
moradores - Legitimidade - Proprietário de imóvel no condomínio - Fruição
dos benefícios oriundos dos serviços prestados - Obrigação pelo pagamento -
Analogia com condomínio edilício - Aplicação da Lei 4.591/64 - Despesas
ordinárias - Carência de ação - Inexistência. - A associação de moradores de
vila ou condomínio residencial ou fechado, ainda que irregularmente
constituída, tem legitimidade para cobrança das despesas comuns. - Mesmo que
o proprietário ou morador não tenha anuído à associação, tem obrigação de
pagamento das taxas se usufrui dos benefícios por elas custeados e das áreas
comuns. - Pela grande semelhança existente entre esse tipo de condomínio e o
regulado pela Lei nº 4.591/64, aplica-se esta àquele, pelo menos
subsidiariamente. Logo, como a manutenção e conservação do condomínio
interessam a todos os que possuem lotes residenciais no empreendimento,
todos devem concorrer, na proporção de sua parte, para as respectivas
despesas" (TAMG, Ap. nº 369.812-0, Juiz de Fora, 5ª Câmara Civil, em Turma,
Rel. Juiz Mariné da Cunha, j. em 19.09.2002, p. em 22.03.2003).
E não há que prosperar a alegação dos apelantes no sentido de que não há
origem, necessidade e prova de que os serviços foram efetivamente prestados.
A necessidade dos serviços realizados pela recorrida repousa na falta de
infraestrutura do loteamento, havendo, inclusive, os documentos de f.
147-152 demonstrado que a captação e distribuição de água foi realizada pela
associação por não terem obtido êxito com o Poder Público.
Assim, restou demonstrado pelos documentos de f. 719-1.171, que não foram
impugnados especificamente pelos requerentes, que foram realizadas obras de
captação e distribuição de água, energia para funcionamento das bombas dos
poços artesianos, muros, cercas elétricas, fechamento dos lotes para
garantir direito de propriedade de cada um, serviço de portaria, conservação
e pavimentação das ruas.
Dessa maneira, conforme se pode depreender, os serviços foram realizados
para manter o loteamento em ordem e para propiciar o bem-estar dos
proprietários, constituindo obras de infraestrutura em prol dos mesmos,
independentemente de serem associados.
Com efeito, verifico que os serviços prestados pela recorrida visam à
manutenção, infraestrutura e segurança do respectivo loteamento, essenciais
ao seu funcionamento e utilização, sendo os postulantes responsáveis pelo
seu pagamento, ainda que restasse demonstrada a alegação dos apelantes no
sentido de que os serviços prestados pela recorrida não correspondiam à
vontade da maioria dos proprietários.
Isso porque os proprietários, ainda que não associados, tal como os
postulantes, são responsáveis pelo pagamento da taxa de manutenção por
estarem usufruindo das vantagens oferecidas pela associação, sob pena de
enriquecimento ilícito dos mesmos, não merecendo reforma a r. sentença.
Por fim, cumpre esclarecer, ainda, que, para aplicação da multa ao litigante
de má-fé, prevista no art. 18 do CPC, deve ser demonstrado que os apelantes
se teriam servido do processo para a prática de ato simulado, o que não
ocorreu in casu. Nesse sentido:
"A circunstância de a agravante ter lançado mão dos recursos legais para
defender-se não implica necessariamente litigância de má-fé, visto que
inocorre a infringência ao disposto no art. 17 e seus incisos do CPC;
ademais, lembre-se que o exercício do direito de ação encontra respaldo
constitucional (art. 5º, XXXV, da Carta Política)" (TRT, 2ª R, 4ª T., Ap.
19.990.532.829, Rel. Juiz Paulo Augusto Câmara, DOESP de 22.09.00).
Com tais razões de decidir, nego provimento à apelação para manter a r.
sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Custas recursais, pelos apelantes.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Irmar Ferreira Campos e
Luciano Pinto.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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