Ação Declaratória - Relação jurídica - Aval - Interpretação como fiança - Empresa emitente - Sucessão - Irrelevância

- O fato de ter ocorrido a sucessão da empresa emitente do título não exime os antigos sócios da responsabilidade assumida mediante o aval por eles lançado no título, ainda que notificado o credor.

- Aquele que presta aval em título de crédito não pode ser confundido com fiador.

Apelação Cível n° 1.0378.07.022686-5/001 - Comarca de Lambari - Apelantes: Eugênio Carneiro Rodrigues e outro - Apelado: Banco do Brasil S.A. - Relator: Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 04 de novembro de 2008. - Guilherme Luciano Baeta Nunes - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES - Trata-se de "ação declaratória de inexistência de relação jurídica, cumulada com pedido de tutela antecipada de sustação de negativação na Serasa" ajuizada por Eugênio Carneiro Rodrigues, Helena Carneiro Rodrigues e Lelaine Pereira Dias Rodrigues contra o Banco do Brasil S.A.

Alegaram os autores, em síntese, que o banco réu firmou com a empresa Konsoy Alimentos Ltda., da qual eram sócios, uma cédula de crédito industrial no valor de R$ 60.720,00 (sessenta mil setecentos e vinte reais) para a aquisição de máquinas e capital de giro associado, a ser paga em 54 parcelas; que figuraram no título na qualidade de avalistas; que, em setembro de 2007, propuseram ao réu a quitação total do débito mediante o pagamento de R$ 20.872,20 (vinte mil oitocentos e setenta e dois reais e vinte centavos) e o restante com a dação em pagamento do maquinário; que, em 24 de outubro de 2008, alienaram a empresa para Francisco Antônio Almeida e Luiz Carlos Gimenez, notificando o réu de que estariam desobrigados e exonerados pela cédula e pela conta de depósito utilizada pela empresa; que o banco réu aceitou tacitamente as condições da notificação enviada.

Em contestação (f. 79-80), o réu refutou a tese de inexistência da relação jurídica, ao argumento de que somente existe previsão legal para a exoneração do fiador após a notificação do credor, nos termos dos art. 835 e 1.500, ambos do Código Civil.

Pela sentença de f. 123-135, o pedido foi julgado improcedente, ficando os autores condenados ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.000,00.

Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação (f. 132-147). Alegam, em resumo, que por diversas vezes buscaram acordo com o réu para a quitação do débito sem obter qualquer resposta; que a empresa foi alienada para terceiros; que enviaram ao réu notificação, em que foi exposta a situação da venda e condição de exonerados das obrigações dos antigos sócios; que ocorreu "novação tácita" em relação à dívida; que em momento algum o réu manifestou qualquer oposição, deixando patente seu animus novandi; que o réu, na contestação, não apresentou defesa quanto à alegação de novação.

Preparo recursal à f. 148.

Contra-razões às f. 154-155.

Conheço do recurso, visto que próprio, tempestivo e preparado.

Versam os autos sobre ação declaratória de inexistência de relação jurídica, referente à cédula de crédito industrial reprografada às f. 11/18 destes autos, com data de emissão de 26.07.2004, data de vencimento em 26.07.2009 e valor de R$ 60.720,00 (sessenta mil setecentos e vinte reais), figurando como avalistas os ora apelantes.

Sustentam que, com a alienação da empresa, os autores não estariam mais responsáveis pelos inadimplementos relativos ao vencimento das parcelas do título por ela emitido.

Afirmam, ainda, que o réu, apesar de devidamente notificado da alienação e cientificado de que os ora apelantes estariam exonerados de responsabilidade pelas obrigações assumidas pela empresa, quedou-se inerte. Diante disso, concluem os autores ter ocorrido "aceitação tácita" por parte do banco credor.

De fato, consoante alegam os recorrentes, a alienação da empresa ocorreu da forma devida, tendo o banco credor sido notificado da sucessão, nos moldes do art. 1.145 do Código Civil, in verbis:

"Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em trinta dias a partir de sua notificação".

Contudo, conforme bem observado pelo douto Juiz a quo, os litigantes se confundem em relação à natureza jurídica da garantia prestada pelos autores.

Em que pesem os argumentos dos apelantes, entendo que o julgamento de improcedência do pedido deve ser mantido.

A tese que defende a ocorrência da novação, em relação à obrigação assumida pelos recorrentes na cédula de crédito industrial de f. 11/18, não se sustenta.

Pela leitura do referido ajuste, ou mesmo do termo "Por aval ao emitente", constante da parte final do contrato (f. 16), resta claro e evidente que os sócios da empresa assumiram a posição apenas de avalistas da cédula de crédito industrial, não a posição de fiadores.

A fiança se dá por escrito e não admite interpretação extensiva (art. 819 do Código Civil).

Logo, impossível estender aos ora apelados, todos sócios, a qualidade de fiadores do ajuste, o que iria não apenas contra os termos rigorosos da lei, que exige a explícita condição do fiador do contrato, mas também dos próprios contornos do título em discussão, que foi expresso em situar os ora apelados apenas como avalistas.

A respeito do aval, preleciona Fábio Ulhoa Coelho, em seu Curso de Direito Comercial, v. I:

"Duas são as características principais do aval, em relação à obrigação avalizada: de um lado, a autonomia; de outro, a equivalência. O avalista assume perante o credor do título uma obrigação autônoma, mas equivalente à do avalizado" (12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, p. 414).

Dessa forma, não se pode ignorar que suas condições de avalistas impedem os recorrentes de discutir a origem da dívida ou apresentar exceções pessoais do avalizado.

O art. 32 do Anexo I do Decreto n. 57.663, de 24.1.1966, que promulgou as convenções para adoção de uma "Lei Uniforme" em matéria de letras de câmbio e notas promissórias, dispõe:

"O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada".

Diante disso, a obrigação assumida pelo avalista se mantém, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.

O atual Código Civil reproduz esta orientação, que consubstancia um dos alicerces do direito cambiário:

"Art. 899. [...]

§ 2º Subsiste a responsabilidade do avalista, ainda que nula a obrigação daquele a quem se equipara, a menos que a nulidade decorra de vício de forma".

E, ainda, nesse sentido salienta Fábio Ulhoa Coelho:

"Da autonomia do aval seguem-se importantes conseqüências. Em primeiro lugar, a sua existência, validade e eficácia não estão condicionadas à da obrigação avalizada. Desse modo, se o credor não puder exercer, por qualquer razão, o direito contra o avalizado, isto não compromete a obrigação do avalista. Por exemplo, se o devedor em favor de quem o aval é prestado era incapaz (e não foi devidamente representado ou assistido no momento da assunção da obrigação cambial), ou se a assinatura dele no título foi falsificada, esses fatos não desconstituem nem alteram a extensão da obrigação do avalista. (...) Também em decorrência da autonomia do aval, não pode o avalista, quando executado em virtude do título de crédito, valer-se das exceções pessoais do avalizado, mas apenas das suas próprias exceções (por exemplo, pagamento parcial da letra, falta de requisito essencial etc.)" (op. cit., p. 415).

Assim, conforme já pontuado pelo ilustre Juiz de primeiro grau, o fato de ter ocorrido a sucessão da empresa, mesmo considerando a notificação enviada ao banco requerido, não está a eximir os ora recorrentes da responsabilidade assumida através do aval por eles lançado no título, haja vista a autonomia e independência da garantia.

Nesse sentido, já decidiu o eg. Superior Tribunal de Justiça:

"Execução. Nota promissória. Avalista. Discussão sobre a origem do débito. Inadmissibilidade. Ônus da prova. - O aval é obrigação autônoma e independente, descabendo, assim, a discussão sobre a origem da dívida. Instruída a execução com título formalmente em ordem, é do devedor o ônus de elidir a presunção de liquidez e certeza. Recurso especial conhecido e provido" (Recurso Especial n. 190.753 / SP, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 28.10.2003).

Assim, configurada a condição de avalistas dos apelantes em relação à cédula de crédito industrial de f. 11/18, bem como preenchidos os requisitos legais de validade do título e da garantia ofertada, o decreto de improcedência do pedido de declaração de inexistência da relação ali avençada era mesmo medida que se impunha.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso.

Custas, pelos apelantes.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Unias Silva e Elpídio Donizetti.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico de MG - 10/02/2009.

Nota de responsabilidade

As informações aqui veiculadas têm intuito meramente informativo e reportam-se às fontes indicadas. A SERJUS não assume qualquer responsabilidade pelo teor do que aqui é veiculado. Qualquer dúvida, o consulente deverá consultar as fontes indicadas.