- O documento novo, ou seja, destinado a fazer prova de fatos ocorridos
depois de articulados, pode ser juntado a qualquer tempo (art. 397 do Código
de Processo Civil).
- A servidão predial é direito real, constituído em favor de um imóvel sobre
outro, pertencentes a proprietários diversos, com a finalidade de
aumentar-lhe a utilidade, implicando restrições ao prédio serviente.
- A constituição da servidão se sujeita a registro no Cartório de Registro
de Imóveis.
- Comprovada a inexistência de constituição válida de servidão bem como a
possibilidade de trânsito por caminho diverso, deve a parte abster-se de
utilizar a passagem do imóvel dos apelados.
Recurso conhecido e não provido.
Apelação Cível n° 1.0134.07.088794-5/001 - Comarca de Caratinga - Apelante:
Aura Mara Garcia de Oliveira - Apelado: João Zacarias de Lana e outra -
Relator: Des. Bitencourt Marcondes
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 18 de fevereiro de 2009. - Bitencourt Marcondes - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. BITENCOURT MARCONDES - Cuida-se de recurso de apelação cível interposto
por Aura Mara Garcia de Oliveira, em face da r. sentença proferida pelo MM.
Juiz de Direito Alexandre Ferreira, da 2ª Vara Cível da Comarca de Caratinga,
que julgou procedente a ação de manutenção de posse ajuizada por João
Zacarias de Lana e Darzinha Maria de Estevam.
Sustenta que a sentença deve ser reformada, pois comprovou a existência
legal da servidão de passagem existente há vários anos entre os imóveis dos
apelados, a qual não pode ser reivindicada, conforme documento juntado à f.
66 - declaração da lavra do antigo proprietário dos imóveis -, que concede
direito de servidão de passagem ao finado Ovídio Garcia, falecido em
22.05.2003, e sua esposa, ora apelante, para acesso à sua propriedade,
inclusive a título gratuito e sem condições sobre o referido beco.
Ressalta que os apelados agem com intuito de prejudicá-lo, o que é defeso em
lei nos termos do § 2º do art. 1.228 do Código Civil.
Afirma ser devida a servidão de passagem, pois demonstrada a necessidade de
trânsito que não se dá apenas para sua comodidade.
Recurso recebido à f. 84.
Contrarrazões apresentadas às f. 86/90.
Presentes os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade,
conheço do recurso de apelação.
1 - Do objeto do recurso.
Pleiteia a recorrente a reforma da sentença ao argumento de ter comprovado a
existência legal da servidão de passagem existente há vários anos entre os
imóveis dos apelados, não podendo ser reivindicada.
O i. Magistrado a quo julgou procedentes os pedidos nos seguintes termos, in
verbis:
``[...] Destarte, a servidão não se presume. Se instituída por contrato,
depende do necessário registro para cristalizar-se em direito real, o que
não ocorreu no presente caso.
Ademais, não se pode perder de vista que as testemunhas ouvidas em juízo (f.
54/55) foram uníssonas em afirmar que a ré possui passagem por outro
caminho, demonstrando de forma inequívoca que seu imóvel não encontra-se
(sic) encravado, não restando prejudicado, portanto, seu direito de
passagem, ínsito ao direito de vizinhança.
Corolário lógico, patente o direito da parte autora em fechar os fundos dos
imóveis de sua propriedade.
Isso posto, julgo procedentes os pedidos iniciais e condeno a parte ré a se
abster de utilizar a passagem no beco existente entre os imóveis localizados
na Rua Darcy Fortunato nºs 175 e 223, Município de Santa Bárbara do Leste-MG.
Por conseguinte, declaro o direito da parte autora em fechar os fundos dos
imóveis de sua propriedade. Para o caso de descumprimento fixo multa diária
de R$ 50,00 (cinquenta reais).
Condeno a parte ré nas custas processuais e honorários advocatícios, que
fixo em R$ 200,00 (duzentos reais), com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC,
ficando suspensa a exigibilidade, a teor do disposto na Lei 1.060/50''.
1.1 - Da servidão.
A servidão predial é um direito real, constituído em favor de um imóvel
sobre outro, pertencentes a proprietários diversos, com a finalidade de
aumentar-lhe a utilidade, implicando restrições ao prédio serviente. No
entanto, ao contrário dos direitos de vizinhança, a servidão decorre sempre
de ato de vontade das partes, conforme ressalta Sílvio de Salvo Venosa,
senão vejamos, in verbis:
``Como acenamos em capítulo anterior, os direitos de vizinhança têm origem e
finalidade diversas das servidões prediais. A servidão decorre sempre de ato
de vontade, enquanto os direitos de vizinhança, de regulamentos ou
imposições legais. Os direitos de vizinhança objetivam evitar danos entre
vizinhos, têm caráter eminentemente preventivo, permitindo e facilitando o
aproveitamento e a convivência dos prédios e dos respectivos vizinhos. [...]
A servidão é estabelecida para facilitar ou tornar mais útil a propriedade
do prédio dominante. Não decorre de um imperativo, mas de busca de
utilidade, facilidade ou maior comodidade na satisfação de necessidades do
proprietário. [...] Da mesma forma, é mais confortável ao proprietário ir
buscar água no vizinho, quando não possui fonte, do que caminhar longa
distância até nascente pública, por exemplo.
O titular do direito de servidão é sempre o proprietário do prédio
dominante. O proprietário do prédio serviente, em razão desse direito real
que grava seu imóvel, fica obrigado a permitir que o titular do prédio
dominante exerça atividade em seu bem (o trânsito ou a retirada de água, por
exemplo), ou a manter atitude omissiva em relação a direito que normalmente
teria (não levantar muro acima de certa altura ou não abrir janela em
determinado local de seu prédio, por exemplo)'' (In Direito civil - Direitos
reais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002, v. 5, p. 392).
Assim, a servidão representa, no sentido jurídico, o encargo ou ônus
estabelecido sobre um imóvel em proveito e utilidade de outro imóvel, de
proprietários diversos.
1.2 - Do caso concreto.
É fato incontroverso que há, entre os dois imóveis de propriedade dos
apelados, um 'beco' que é utilizado como passagem pela apelante,
proprietária de imóvel localizada nos fundos, após o córrego.
A apelante afirma ser detentora do direito de servidão sobre tal passagem e,
para tanto, acostou, às alegações finais, o documento de f. 66, qual seja
Declaratória de Constituição de Passagem.
Os apelados, de outro lado, impugnaram a juntada de referido documento.
1.2.1 - Do documento novo.
Em se tratando de documento comprobatório da existência da servidão, por ser
indispensável à defesa da ré, deveria acompanhar a contestação, nos termos
do disposto no art. 396 do Código de Processo Civil (``Art. 396 - Compete à
parte instruir a petição inicial (art. 283), ou a resposta (art. 297), com
os documentos destinados a provar-lhe as alegações'').
No entanto, a apelante deixou transcorrer in albis o prazo para defesa e,
por se apresentar como documento novo, ou seja, destinado a fazer prova de
fatos ocorridos depois de articulados, já que se trata de declaração datada
de 08.05.2008 (após a propositura da ação), pode ser juntado a qualquer
tempo, como o foi (art. 397 do Código de Processo Civil).
Registro que o Superior Tribunal de Justiça tem admitido a colação tardia de
documento, desde que não seja essencial ou fundamental ao deslinde da ação e
que não haja má-fé da parte.
Nesse sentido:
``Processo civil. Procedimento monitório. Contrato de abertura de crédito em
conta-corrente. Possibilidade. Alegação de irregularidade na apuração do
quantum debeatur. Documento juntado com a apelação. Possibilidade. Arts. 397
E 398, CPC. Exegese. Precedentes. Doutrina. Recurso provido parcialmente.
[...] II - Somente os documentos tidos como indispensáveis, porque
'substanciais' ou 'fundamentais', devem acompanhar a inicial e a defesa. A
juntada dos demais pode ocorrer em outras fases e até mesmo na via recursal,
desde que ouvida a parte contrária e inexistentes o espírito de ocultação
premeditada e de surpresa do juízo'' (STJ, REsp n° 431716/PB, 4ª T., Rel.
Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 22.10.2002).
Desse modo, não há, como alegam os apelados, óbice à juntada do referido
documento.
1.2.3 - Da prova da servidão.
Não obstante a possibilidade de juntada e apreciação do referido documento
para deslinde do feito, não faz prova do alegado pela apelante, pois, como
bem ressaltou o i. Juiz a quo, ``o documento de f. 66 não comprova a efetiva
constituição de servidão de passagem no beco pertencente à parte autora,
haja vista que a constituição da servidão sujeita-se a registro no Cartório
de Registro de Imóveis''.
Ora, a servidão, como direito real e decorrente de ato de vontade, somente
pode ser constituída mediante declaração expressa dos proprietários e
subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis, conforme dispõe a
norma inserta no art. 1.378 do Código Civil, in verbis:
``Art. 1.378 - A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e
grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se
mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e
subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis''.
Dessa forma, considerando a inexistência de registro da referida declaração,
não há falar-se em direito à servidão de passagem.
Lado outro, a prova testemunhal colhida nos autos é suficiente para
demonstrar que há outra opção de passagem para a apelada, ou seja, sua
propriedade não se encontra encravada, senão vejamos excertos dos
depoimentos, in verbis:
``[...] que a ré possui uma rua calçada em frente à sua casa, porém ela
passa no corredor da casa do autor para poder cortar caminho; que ela passa
no local a pé, através de uma pinguela, conforme a segunda foto de f. 14;
que a ré não teria prejuízo se a sua passagem for fechada; [...]'' (f. 54).
``[...] que a ré atravessa uma pinguela sobre o rio Caratinga e passa pelo
corredor entre as casas na primeira foto de f. 13; que o depoente não sabe
informar há quanto tempo a ré passa pelo local; [...] que não sabe informar
por qual motivo a ré passa pelo local; [...]'' (f. 55).
Insta ressaltar, por fim, não ser verossímil a alegação da recorrente no
sentido de que os apelados agem com intuito único e exclusivo de
prejudicá-la, diante da ausência de qualquer prova neste sentido, ônus que
lhe incumbia, nos termos do art. 333 do Código de Processo Civil.
Assim, em que pese o inconformismo da apelante, a sentença deve ser mantida
tal como foi lançada.
2 - Conclusão.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.
Custas¸ ex lege.
DES. BATISTA DE ABREU - De acordo com o Relator.
DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA - Peço vista.
Súmula - PEDIU VISTA O VOGAL. O RELATOR E O REVISOR NEGAVAM PROVIMENTO AO
RECURSO.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. BATISTA DE ABREU (PRESIDENTE) - O julgamento deste feito foi adiado na
sessão do dia 11.02.2009, a pedido do Vogal. O Relator e o Revisor negavam
provimento ao recurso.
DES. SEBASTIÃO PEREIRA DE SOUZA - Pedi vista destes autos na última sessão
para me inteirar do processado e curvo-me ao julgamento esboçado pelo e.
Relator, porém por motivo outro.
A servidão de passagem, mesmo não titulada, caso fosse tornada permanente e
considerada aparente, seria capaz de induzir proteção possessória, nos
termos da Súmula 415 do colendo STF, verbete donde se extrai que:
``415 - Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo
pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo
direito à proteção possessória''.
Sabe-se que não se pode confundir o direito real de servidão de passagem com
o direito pessoal de passagem forçada, instituto afeto ao direito de
vizinhança. Enquanto o primeiro decorre da vontade das partes, o outro
decorre da lei. Enquanto o primeiro propicia uma comodidade, o segundo
satisfaz uma necessidade, pois um imóvel encontra-se encravado, isto é,
tolhido de qualquer acesso à via pública.
Entretanto, no caso dos autos, as fotografias de f. 13/14 demonstram que a
hipótese não é de servidão, pois o que há no local é um beco entre os
imóveis dos autores, o qual é "acessado'' ousadamente através de um delgado
tronco de árvore que encima um pequeno ribeirão.
Afastada a hipótese da servidão, só restaria à apelante então o direito à
passagem forçada, porém o depoimento das testemunhas confirmou que o seu
imóvel possui outro acesso à via pública, que não a travessia do beco,
tornando impossível a aplicação do instituto.
Assim sendo, embora por outros fundamentos, estou acompanhando o Relator e
negando provimento ao recurso.
Custas, ex lege.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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