- A Lei 6.766/79, que disciplina a venda de terrenos loteados e atribui ao
proprietário do empreendimento a obrigação de regularizar os lotes sob pena
de sanção, autorizando o adquirente de um terreno irregular o direito de
interromper o pagamento contratado até que o proprietário proceda ao ato
cartorário, meio de obrigar o proprietário a regularizar o empreendimento,
por se tratar de um encargo que lhe é imposto, qualquer que seja a forma da
aquisição.
- V.v.: - O interesse de agir, que é instrumental e secundário, se faz
presente se a parte sofre um prejuízo, não propondo a ação, e não se
confunde com o interesse substancial, para cuja proteção se intenta a mesma
ação.
Apelação Cível n° 1.0080.07.008725-1/001 - Comarca de Bom Sucesso -
Apelante: Antônio Vicente de Andrade - Apelado: José Campidelli e sua mulher
- Relator: Des. Antônio Bispo
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, em negar provimento, vencido o Vogal.
Belo Horizonte, 28 de maio de 2009. - Antônio Bispo - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. ANTÔNIO BISPO - Antônio Vicente de Andrade ajuizou uma ação cominatória
contra José Campidelli e Adelaide Vilas Boas Campidelli, na qual foi
proferida a sentença combatida, que extinguiu o feito por carência do autor.
O Magistrado, ao proferir o decisum, registrou que ficou decidido, nos autos
da reivindicatória anteriormente julgada, que, após o pagamento da
indenização fixada na sentença, esta passará a valer como titulo aquisitivo
para transcrição, entendendo dessa maneira que o autor não possuía interesse
processual para reclamar a realização do registro do terreno do aqui
apelado.
Irresignado, aduz o apelante que a condenação que lhe foi imposta na ação
acima citada, obrigando-o a indenizar o casal apelado pelo lote objeto da
disputa judicial, equivale a um título aquisitivo do mesmo e que, na
qualidade de adquirente, tem o direito exigir o registro da gleba em
questão, na forma autorizada pelo art. 38 da Lei 6.766/79.
Sem contrarrazões.
Recurso recebido à f. 81-v.; presentes os pressupostos de admissibilidade,
dele conheço.
Pede o apelante que seja reconhecido seu interesse processual para pleitear
uma ordem judicial que obrigue os apelados, proprietários do loteamento do
qual faz parte o terreno por ele ocupado, a efetuar o registro do mesmo.
Do exame dos autos, verifico que o processo admite a incidência do § 3º do
art. 515 do CPC, porquanto suficientemente instruído e apto a ser decidido
diretamente por esta instância revisora.
A questão posta a exame reclama uma breve interpretação da norma contida da
Lei 6.766/79, que disciplina a venda de terrenos loteados e atribui ao
proprietário do empreendimento a obrigação de regularizar os lotes sob pena
de sanção.
A fim de coibir o comércio de loteamentos clandestinos e irregulares,
referida lei autoriza ao adquirente de um terreno irregular o direito de
interromper o pagamento contratado até que o proprietário proceda ao ato
cartorário.
A suspensão do pagamento diretamente ao proprietário afigura-se, assim, como
uma punição imposta ao proprietário desidioso, que fica privado de receber
as parcelas que forem vencendo, uma vez que estas serão depositadas em um
estabelecimento bancário, em conta que somente poderá se movimentada por
meio de uma ordem judicial.
É o que explica a doutrina:
"Verificando a ausência do ato cartorário, ou a irregularidade na execução,
advém a primeira consequência de ordem punitiva: a suspensão dos pagamentos
direitamente ao proprietário e a efetivação do depósito das prestações que
vencerem junto ao cartório imobiliário, o qual, a seguir, as reporá em
estabelecimento bancário, em conta com incidência de juros e correção
monetária, cuja movimentação dependerá de prévia autorização judicial (art.
38)" (RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento de solo
urbano - Leis 6.766/79 e 9.785/99. São Paulo: RT, p.188).
Como se vê, trata-se de situação completamente distinta dos fatos narrados
nestes autos, visto que, no caso presente, o apelante ergueu benfeitorias em
lote pertencente a loteamento de propriedade dos apelados, tendo sido, por
isso, condenado a indenizá-los, tornando-se, a partir de então, proprietário
do bem.
Vale destacar que a providência acima relatada foi determinada por esta
instância revisora, quando do julgamento da apelação interposta contra a
sentença que decidiu a reivindicatória manejada pelos ora apelados contra o
apelante, pronunciando-se o colegiado nos termos abaixo transcritos:
"[...] com a indenização, os imóveis reivindicados passarão a pertencer aos
apelantes, sob pena de enriquecimento ilícito do apelado, valendo a
sentença, acompanhada da prova de pagamento do valor que foi apurado através
de liquidação de sentença, como título aquisitivo para a transcrição do
registro de imóveis" (f. 28/29).
No entanto, o pedido cominatório não foi precedido do necessário depósito da
indenização determinada no acórdão, o qual reconhece que, efetuado o
pagamento, a sentença é título hábil para transcrição no registro de
imóveis.
Nesse contexto, sem reparo a decisão que reconheceu a falta de interesse
processual, pelo que nego provimento.
DES. JOSÉ AFFONSO DA COSTA CÔRTES - De acordo com o eminente Relator.
DES. MAURÍLIO GABRIEL - Em autos distintos, José Campidelli ajuizou ação
reivindicatória contra Antônio Vicente Andrade e Evandro de Paiva Carrara.
A sentença prolatada na referida ação, na parte que interessa, ao acolher o
pedido alternativo, condenou Antônio Vicente de Andrade e sua mulher "ao
pagamento dos lotes de nº 14, 15, 16, 17 e 18", em valores "a serem apurados
em liquidação de sentença por arbitramento" (cf. f. 12/21).
Foi negado provimento aos recursos de apelação ofertados contra essa
sentença, como se vê pelo acórdão juntado, por cópia, às f. 22 e seguintes.
O Relator do referido acórdão, o então Juiz Guilherme Luciano Baeta Nunes,
observou, no voto que foi acompanhado pelos demais integrantes da Câmara,
que, "com a indenização, os imóveis reivindicados passarão a pertencer aos
apelantes, sob pena de enriquecimento ilícito do apelado, valendo a
sentença, acompanhada de prova de pagamento do valor que for apurado através
de liquidação de sentença, como título aquisitivo para transcrição no
registro de imóveis" (f. 28 e 29).
Conclui-se, portanto, que, após efetuar o pagamento determinado, Antônio
Vicente de Andrade terá título hábil (sentença) a ser transcrito no registro
imobiliário, passando, assim, a ser proprietário dos mencionados lotes 14,
15, 16, 17 e 18.
Determina, entretanto, o art. 195 da Lei nº 6.015, de 1973, que, "se o
imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o
oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer
que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro".
Assim, em observância ao princípio da continuidade do registro imobiliário,
os registros dos lotes em nome do apelado devem ser obrigatoriamente
precedidos dos registros dos mesmos em nome dos apelados.
Essa providência é exatamente o pedido formulado nesta ação:
"Condenação dos réus a providenciar o registro dos lotes de nº 14, 15, 16,
17 e 18 da quadra 3 do bairro Primo Campidelle, [...]" (cf. f. 3).
Dessa forma, o interesse de agir do autor, ora apelante, se mostra evidente,
pois, segundo lições de Humberto Theodoro Junior, o interesse de agir "não
se confunde com o interesse substancial, ou primário, para cuja proteção se
intenta a mesma ação. O interesse de agir, que é instrumental e secundário,
surge da necessidade de obter, mediante processo, a proteção ao interesse
substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual 'se a
parte sofre um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para
evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos
jurisdicionais'" (Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2002, v. I, p. 52).
Consequentemente, deve ser desconstituída a sentença que extinguiu o feito,
sem resolução do mérito, ante a falta de interesse de agir do autor.
Por todo o exposto, dou provimento ao recurso para desconstituir a sentença
prolatada e determinar que o feito tenha prosseguimento normal.
Custas recursais, pelos apelados.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O VOGAL. |