- Existindo incerteza quanto aos limites das propriedades dos litigantes,
reconhece-se a carência de ação na qual o autor pretende condenar o réu a
erguer cercas que dividem as propriedades contíguas das partes em
conformidade com o levantamento apresentado unilateralmente pelo autor,
devendo o feito ser extinto sem resolução do mérito.
Recurso não provido e, de ofício, parte dispositiva da sentença alterada.
Apelação Cível n° 1.0440.07.008875-0/001 - Comarca de Mutum - Apelante: José
Moura dos Reis - Apelado: Jacó Lopes de Paula - Relator: Des. Pereira da
Silva
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento e, de ofício, alterar a parte dispositiva da
sentença.
Belo Horizonte, 29 de setembro de 2009. - Pereira da Silva - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. PEREIRA DA SILVA - Trata-se de apelação aviada por José Moura dos Reis
contra a sentença proferida pelo MM. Juiz da Comarca de Mutum, nos autos da
ação de cumprimento de obrigação propter rem, ajuizada contra Jacó Lopes de
Paula, ora apelado.
Adoto o relatório da sentença (f. 80/85), acrescentando que o MM. Juiz
julgou improcedente "o pedido inicial e, em consequência, reconheço em favor
do réu a usucapião do trecho de terras que margeia a divisa das propriedades
das partes, localizado no lado da cerca referente ao imóvel do demandado".
"Em razão do sucumbimento do autor, condeno-o no pagamento das custas
processuais e honorários, que fixo em 15% (quinze por cento) do valor
atualizado da causa (CPC, art. 20, § 4º). No entanto, suspendo a
exigibilidade da verba sucumbencial, em respeito ao art. 12 da Lei
1.060/50".
O apelante, em suas razões recursais de f. 88/91, alega a nulidade da
sentença por entender que o Juiz julgou de forma diversa do que foi
demandado, sendo certo que a ação ajuizada é cominatória decorrente de
obrigação propter rem, não se alegando a usucapião.
Argumenta que as obrigações propter rem também abrangem os tapumes
divisórios; e, no caso, como as cercas divisórias pertencem a ambas as
partes, em se tratando de propriedades contíguas, não há que se falar em
usucapião.
As contrarrazões foram apresentadas, às f. 94/97, pugnando o apelado pela
manutenção da sentença.
Este o breve relatório.
Conheço do recurso porque próprio e tempestivo.
Estão preenchidos os demais requisitos de admissibilidade recursais.
Passo, portanto, à análise das razões recursais.
O apelado ajuizou a presente ação, com pedido cominatório, pretendendo a
condenação do apelante a cercar sua propriedade, que é contígua à
propriedade do apelante, em conformidade com o alinhamento apresentado na
inicial, asseverando inexistir qualquer dúvida quanto aos limites e prumos
no que tange ao levantamento divisório em questão.
Seu pedido foi julgado improcedente por restar claro nos autos haver
incerteza quanto aos limites das propriedades dos litigantes, sendo que o
levantamento apresentado pelo apelante não pode ser aceito por ter sido
confeccionado de forma unilateral.
Lado outro, tendo em vista o pedido contraposto do apelado, que alegou
exceção de usucapião como matéria de defesa, o ilustre Sentenciante entendeu
que a prova testemunhal foi mais que suficiente para comprovar a objeção,
reconhecendo a usucapião, mas com a ressalva de que a finalidade única do
seu reconhecimento é a de gerar a improcedência da pretensão a que ele se
opõe, não podendo substituir a competente ação de usucapião.
Diante dessa realidade fática, verifica-se a existência de divergência em
relação aos limites dos imóveis, razão pela qual entendo estar caracterizada
a carência de ação no caso em questão.
De fato, ao autor/apelante falta interesse de agir em seu pedido cominatório
uma vez que nem mesmo as divisas limítrofes das propriedades pertencentes às
partes litigantes estão definidas, não havendo como exigir uma parte da
outra o levantamento de cercas e tapumes.
Tendo em vista este contexto, o apelante deveria, primeiramente, ajuizar a
necessária ação demarcatória para, posteriormente, ou de forma cumulada,
buscar judicialmente a pretensão aqui delineada.
Neste sentido lecionam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (in
Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais) acerca da falta de interesse processual:
"Existe interesse processual quando a parte tem interesse de ir a juízo para
alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode
trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático. [...]. De outra
parte, o autor movendo a ação errada ou utilizando-se do procedimento
incorreto, o provimento jurisdicional não lhe será útil, razão pela qual a
inadequação procedimental acarreta a inexistência de interesse processual".
Seguem abaixo precedentes deste Tribunal quando do julgamento de situações
semelhantes à apresentada nestes autos:
"Apelação. Ação reivindicatória. Imóvel. Confusão de áreas no plano fático.
Falta de condições para válida constituição do processo. Recurso não
provido. - 1. O reivindicante de imóvel deve, com a petição inicial, carrear
o título de domínio e também demonstrar a efetiva dimensão do bem. - 2. A
existência de confusão de áreas no plano fático deve ser esclarecida em ação
demarcatória. Até que tal providência seja tomada, existe falta de condições
para válida constituição do processo na ação reivindicatória. - 3. Apelação
conhecida e não provida com retificação ex officio do dispositivo
sentencial" (AC 2.0000.00.363.624-6/000, Rel. Des. Caetano Levi Lopes).
"Ação reivindicatória - Falta de individuação e de caracterização do imóvel
reivindicando - Carência - Imposição ao perdedor da demanda do duplo ônus da
sucumbência relativo à lide principal e à secundária - Improvimento da
apelação principal - Provimento do recurso adesivo. - À falta de perfeita
individuação e caracterização do imóvel reivindicando, pela ausência de
indicação e de comprovação da sua exata situação, área e confrontações e,
ainda, pela falta de delimitação da parte tida como invadida, impõe-se o
desprovimento da apelação pela qual o pedido reivindicatório do autor foi
julgado improcedente, mudando-se-lhe apenas o dispositivo, de improcedência
para carência da ação. Como perdedor da demanda, deverá a parte autora
responder pelo ônus de sucumbência relativa à lide principal e à denunciação
da lide" (AC 2.0000.00.311.954-6/000, Rel. Des. Fernando Bráulio).
Neste ínterim, no meu entendimento, está indubitavelmente caracterizada a
carência de ação do apelante, impondo-se a extinção da ação, sem o
julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, inciso VI, do Código de
Processo Civil.
Com tais considerações, nego provimento ao recurso, mudando apenas o
dispositivo da sentença, da lavra do eminente Juiz Emerson Marques Cubeiro
dos Santos, de improcedência para carência da ação.
Custas recursais, na forma da lei, pelo apelante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Cabral da Silva e Electra
Benevides.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO E, DE OFÍCIO, ALTERARAM A PARTE DISPOSITIVA DA
SENTENÇA. |