APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - DANO
AMBIENTAL - FATO CONSTITUTIVO - AUSÊNCIA DE PROVA - RECURSO NÃO PROVIDO
- O meio ambiente sadio é direito de todos e patrimônio da humanidade.
- Quem promove intervenção irregular em área de preservação permanente à
margem de represa hidrelétrica danifica o meio ambiente, tornando-se
responsável pela respectiva reparação.
- É necessário, entretanto, haver prova sobre a existência e autoria dos
danos.
- Ausente a prova do dano ambiental, resta impossibilitada a aplicação das
respectivas sanções.
Apelação cível conhecida e não provida, mantida a sentença que rejeitou a
pretensão inicial.
Apelação Cível n° 1.0481.08.082508-8/001 - Comarca de Patrocínio - Apelante:
Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Apelado: Flávio Henrique
Ferreira - Relator: Des. Caetano Levi Lopes
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em negar provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 1º de dezembro de 2009. - Caetano Levi Lopes - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. CAETANO LEVI LOPES - Conheço do recurso, porque presentes os requisitos
de admissibilidade.
O apelante aforou esta ação civil pública contra o apelado. Afirmou que o
mesmo apelado é proprietário ou possuidor de um imóvel rural que se encontra
nas margens da Usina Hidrelétrica de Nova Ponte. Acrescentou que o recorrido
construiu uma casa em área de preservação permanente, o que degradou o meio
ambiente. Entende que a casa deve ser demolida e determinada a recuperação
da área degradada. O apelado afirmou que não causou degradação porque
adquiriu o imóvel em 2001, quando já havia alicerce de concreto e a casa foi
construída em 2003. Asseverou que plantou diversas árvores e arbustos,
beneficiando o meio ambiente. Pela r. sentença de f. 121/124, a pretensão
foi rejeitada.
O thema decidendum consiste em examinar se o recorrido lesou o meio
ambiente.
O exame da prova revela o que passa a ser descrito.
O apelante juntou, com a petição inicial, o procedimento administrativo nº
171/06, de f. 21/103. Destaco o boletim de ocorrência policial de f. 23/24
noticiando a construção de um rancho com 55 m2 a 43 m da cota máxima de
operação do reservatório da hidrelétrica. Destaco, também, o termo de
declarações prestadas pelo apelado no procedimento administrativo (f. 31),
informando que adquiriu o imóvel rural de Tomaz Ferreira de Souza, no ano de
2001, quando já havia a base de concreto para construção da casa que foi,
posteriormente, edificada. Esclareceu, na mesma peça, que não existe
qualquer documento da transação e possui somente o contrato de compra e
venda feito entre Tomaz Ferreira de Souza e os proprietários anteriores,
Paulo César da Silveira e esposa. Esses os fatos.
Em relação ao direito, dispõe o art. 225 da Constituição da República que o
meio ambiente ecologicamente equilibrado é patrimônio comum do povo. É o
chamado direito de terceira geração conforme proclamou o egrégio Supremo
Tribunal Federal:
"Meio ambiente - Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225) -
Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade - Direito de
terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da
solidariedade - Necessidade de impedir que a transgressão a esse direito
faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais [...].
- A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de
um direito fundamental que assiste à generalidade das pessoas. - Todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico
direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o
gênero humano (RTJ 158/205-206). - Incumbe ao Estado a à própria
coletividade a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das
presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de
caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que
é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da
coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo
desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção
desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. [...]'' (Ac. no ADI -
MC n° 3540, Tribunal Pleno, Rel. Des. Min. Celso de Mello, j. em
01.09.2005).
É oportuno lembrar que uma série de questões decorre dessa condição que goza
o meio ambiente, conforme alerta Alexandre de Moraes (Constituição do Brasil
interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 2.004):
"Meio ambiente como patrimônio comum da humanidade. A definição do conceito
de patrimônio comum da humanidade gera inúmeros problemas concretos, pois,
ao fixar a humanidade como titular do direito de propriedade, deve-se fixar
seu comportamento perante o exercício desse direito, bem como as modalidades
jurídicas na gestão desse direito e a utilização dos instrumentos jurídicos
protetivos.
O termo patrimônio jurídico da humanidade implica relação jurídica, pois o
patrimônio pertence à humanidade inteira e, consequentemente, cria o
problema de representação no exercício desse direito, gerando a
possibilidade de organismos internacionais e Estados soberanos pleitearem a
defesa desse bem jurídico, não cabendo aos indivíduos a atuação nessa esfera
protetiva, mas às Nações ou grupos institucionalmente organizados, pois os
beneficiários desse patrimônio comum são a própria humanidade e as gerações
futuras''.
Ora, sabe-se que o dano ambiental consiste na degradação do equilíbrio
ecológico, sendo duas as formas de reparação: o retorno ao status quo ante e
a indenização em dinheiro. A modalidade ideal é a reconstituição ou
recuperação do meio ambiente lesado, cessando-se a atividade lesiva e
revertendo-se a degradação. Entretanto, quando a reconstituição não seja
viável, fática ou tecnicamente, admite-se a indenização em dinheiro.
A propósito, Álvaro Luiz Valery Mirra (na obra Ação civil pública e a
reparação do dano ao meio ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p.
286) assevera:
"A reparação, convém insistir neste ponto, tende à compensação do dano. Ora,
a reparação do prejuízo ambiental significa a adaptação do meio ambiente
degradado e dos seus elementos atingidos a uma situação que possa ser a mais
próxima possível daquela anterior à realização do dano ou daquela em que
estariam se o prejuízo não tivesse se verificado. A questão, uma vez mais, e
como sempre, se resume em encontrar, em cada caso concreto, a melhor forma
de compensar o prejuízo causado e de efetivá-la.
Nesse sentido, os danos ambientais podem até, em certas hipóteses, ser
irreversíveis, sob a ótica ambiental e ecológica, mas nunca irreparáveis.
Uma compensação pecuniária ou in natura sempre poderá (deverá) ser acordada
para a recomposição, na medida do possível, do ambiente degradado''.
A Lei estadual nº 14.309, de 19.06.2002, estabelece:
"Art. 10. Considera-se área de preservação permanente aquela protegida nos
termos desta lei, revestida ou não com cobertura vegetal, com a função
ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade
geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, de proteger o
solo e de assegurar o bem-estar das populações humanas e situada: [...]
§ 2º No caso de reservatório artificial resultante de barramento construído
sobre drenagem natural ou artificial, a área de preservação permanente
corresponde à estabelecida nos termos das alíneas `d' e `e' do inciso III do
caput deste artigo, exceto a área de preservação permanente de represa
hidrelétrica, que terá sua abrangência e sua delimitação definidas no plano
diretor da bacia hidrográfica, observada a legislação pertinente, sem
prejuízo da compensação ambiental. [...]
§ 4º Na inexistência do plano diretor a que se refere o § 2º deste artigo, a
área de preservação permanente de represa hidrelétrica terá a largura de 30
m (trinta metros), sem prejuízo da compensação ambiental e da obrigação de
recuperar as áreas de preservação permanente degradadas, assegurados os usos
consolidados, inclusive para fins de exploração de atividades agrícolas com
culturas perenes de porte arbóreo ou arbustivo, e os atos praticados até a
data de publicação do plano diretor.
Art. 11. Nas áreas de preservação permanente, será respeitada a ocupação
antrópica consolidada, vedada a expansão da área ocupada e atendidas as
recomendações técnicas do Poder Público para a adoção de medidas mitigadoras
e de recuperação de áreas degradadas.
§ 1º Para fins do disposto neste artigo, considera-se ocupação antrópica
consolidada o uso alternativo do solo em área de preservação permanente
estabelecido até 19 de junho de 2002, por meio de ocupação da área, de forma
efetiva e ininterrupta, com edificações, benfeitorias e atividades
agrossilvipastoris, admitida neste último caso a adoção do regime de pousio''.
Por outro norte, pelo sistema de distribuição do ônus da prova, cumpria ao
apelante convencer o Julgador acerca do fato que constitui o direito, ou
seja, que o recorrido causou efetivo dano ao meio ambiente (art. 333, I, do
CPC). É o que ensina José Frederico Marques (nas Instituições de direito
processual civil. Campinas: Millennium, 2000, v. III, p. 342) sobre o tema:
"Como os fatos aduzidos pelo autor são os elementos constitutivos do pedido
que deduziu em juízo, cabe-lhe o ônus de provar esses fatos para que sua
pretensão seja acolhida e julgada procedente.
[...] Em magnífica lição, sintetizou Pietro Castro esses princípios e
diretrizes: 'a ciência processual moderna formulou o princípio de que
incumbe a cada uma das partes alegar e provar os fatos que são a base da
norma que lhes é favorável. Assim sendo, o autor tem o ônus de afirmar e
provar os fatos constitutivos de seu direito, e o réu os ônus pertinentes à
norma que lhe é favorável, ou seja, dos fatos que se apresentem impeditivos
da produção de efeitos da norma favorável ao autor, ou dos que - se esses
efeitos já se iniciaram - venham a extingui-los''.
Observo que o apelante se limitou a trazer aos autos o boletim de ocorrência
policial de f. 23/25 e que noticia a existência de um rancho com 55 m2
construído a 43 m da cota máxima de operação do reservatório da Usina
Hidrelétrica de Nova Ponte. A posse do imóvel rural encontra respaldo
somente nas declarações do próprio apelado (f. 31), segundo o qual não há
qualquer documento relativo à aquisição do imóvel que afirma ter ocorrido
por volta do ano de 2001, quando já existia o alicerce de concreto, sendo
que a casa foi construída em data posterior.
Portanto, se tomadas como corretas as declarações do apelado, há se admitir
que a intervenção em área de preservação permanente ocorreu antes de
19.06.2002, porque, ao adquirir o imóvel, já havia o alicerce para a casa,
devendo ser considerada como ocupação antrópica consolidada, conforme
previsto no § 1º do art. 11 da Lei Estadual nº 14.309, de 2002.
Por outro lado, o § 4º do art. 10 da Lei Estadual nº 14.309, de 2002, com a
redação dada pela Lei estadual nº 18.023, de 2009, prevê que, inexistindo
plano diretor para a bacia hidrográfica, a área de preservação permanente de
represa hidrelétrica terá a largura de 30 metros. Logo, restaria afastada a
ocorrência de invasão de área de proteção porque a construção foi edificada
a 43 metros da cota máxima de operação do reservatório da hidrelétrica.
Assim, a pretensão deveria mesmo ter sido rejeitada. O inconformismo é
impertinente e não pode ser agasalhado.
Com esses fundamentos, nego provimento à apelação.
Sem custas.
DES. AFRÂNIO VILELA - Acompanho o judicioso voto do em. Relator, Des.
Caetano Levi Lopes, para negar provimento ao recurso e manter a sentença,
pois não restou comprovada a autoria dos supostos danos causados ao meio
ambiente à margem da represa hidrelétrica de Nova Ponte, bem como a
degradação, visto que, a teor da Lei nº 14.309/02, com redação dada pela Lei
nº 18.023/09, a ausência de plano diretor para a bacia hidrográfica
pressupõe que a área de preservação terá a largura de 30 (trinta) metros da
represa. Como neste caso o imóvel foi construído a 43 (quarenta e três)
metros de distância, é possível concluir que, se o recorrido houvesse
construído o alicerce que encontrou pronto, este estaria dentro do limite
legal de preservação ambiental e, consequentemente, não poderia ser punido.
DES. BRANDÃO TEIXEIRA - De acordo.
Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. |