AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO - VENDA DE IMÓVEL EM DUPLICIDADE -
RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO PELO COMPRADOR - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO
CORRETOR QUE INTERMEDIOU A VENDA - POSSIBILIDADE
- O art. 723 do Código Civil preceitua que o corretor é obrigado a executar
a mediação com diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao
cliente todas as informações sobre o andamento do negócio, devendo, ainda,
sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os
esclarecimentos que estiverem ao seu alcance acerca da segurança ou risco do
negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir nos
resultados da incumbência.
- "Comprovando-se o prejuízo de uma das partes, em decorrência de
informações equivocadas ou falsas transmitidas pelo corretor, inclusive a
terceiros, se sujeita ele a arcar com as perdas e danos, naturalmente em
solidariedade com aquele que restou com o indevido favorecimento".
Apelação Cível nº 1.0441.09.016954-7/001 - Comarca de Muzambinho - Apelante:
Rute de Pasqual Leite Ribeiro Celani, André Luiz Celani - Litisconsortes:
Geraldo Donizete Alves, Jacy Rosa, Maria da Silva Rosa, Ordalha dos Santos
Alves e outro, José Antônio Montanari - Apelados: Izabel Cristina Arantes,
Maria de Lourdes Matias da Silva Arantes, Luiz Francisco Arantes - Relatora:
Des.ª Cláudia Maia
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à
unanimidade, em dar parcial provimento á apelação.
Belo Horizonte, 10 de novembro de 2011. - Cláudia Maia - Relatora.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES.ª CLÁUDIA MAIA - Trata-se de recurso de apelação interposto por Rute
Pasqual Leite Ribeiro Celani e André Luis Celani contra a sentença de f.
121/128, proferida pelo eminente Juiz de Direito Flávio Umberto Moura
Schmidt, investido na Comarca de Muzambinho, que, nos autos da ação
anulatória de ato jurídico c/c pedido de reintegração de posse e demolição
de construção ajuizada por Maria de Lourdes Matias da Silva Arantes, Izabel
Cristina Arantes e Luiz Francisco Arantes, julgou parcialmente procedente o
pedido da inicial para condenar os ora apelantes ao pagamento da importância
de R$36.000,00.
Nas razões recursais de f. 137/139, pugnam pela reforma da sentença,
alegando que o único responsável pela venda em duplicidade de lotes
constatada nos autos foi o corretor José Antônio Montanari, dado que ele
alterou os dados do contrato após a morte do marido e pai dos apelados.
Alegam que também foram vítimas de "fraude", uma vez que a escritura passada
à segunda compradora, Ordalha dos Santos Alves, se deu na mais absoluta
boa-fé e confiança, pois José Antônio era responsável pela venda de todo o
loteamento denominado Mirante.
Intimados, os apelados não apresentaram contrarrazões (f. 142).
É o relatório.
Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade,
conheço do recurso.
Cuida-se de ação anulatória com pedido de reintegração de posse, demolição e
de indenização ajuizada por Maria de Lourdes Matias Silva Arantes, Izabel
Cristina Arantes, Luiz Francisco Arantes contra Rute Pasqual Leite Ribeiro
Celani, André Luiz Celani, Ordalha dos Santos Alves, Geraldo Donizete Alves,
Jacy Rosa, Maria da Silva Rosa e José Antônio Montanari.
Na petição de ingresso os autores afirmam que são herdeiros de Antônio Luiz
Arantes, que, em 10.12.1999, adquiriu dos dois primeiros réus o lote n. 10
da quadra E do loteamento denominado Fazenda do Mirante, mediante corretagem
realizada por José Antônio Montanari.
Alegam que o valor foi pago integralmente aos vendedores e que, após a morte
do adquirente, ocorrida em 23.08.2003, o corretor José Antônio Montanari
alterou por meio de rasura os dados do contrato, substituindo o número do
lote para n. 9, enquanto o de n. 10 foi novamente alienado para Ordalha dos
Santos Alves e seu marido Geraldo Donizete Alves.
Analisando o teor das razões trazidas no apelo, resta incontroverso que os
ora recorrentes, na condição de proprietários do loteamento denominado
Fazenda do Mirante, alienaram em duplicidade o lote de n. 10 para pessoas
distintas.
Cinge-se, portanto, o pedido recursal à reforma da decisão para atribuir
responsabilidade exclusiva ao réu responsável pela venda do imóvel, José
Antônio Montanari, sob o fundamento de que, como proprietários, também foram
vítimas de fraude, pois ele alterou os dados do contrato depois da morte do
marido e pai dos apelados e não repassou aos mesmos o valor auferido com a
segunda venda do terreno.
Primeiramente, incube registrar que os depoimentos colhidos em audiência
indicam que, sem sombra de dúvida, houve corretagem da parte de José Antônio
Montanari, tanto na primeira quanto na segunda venda do lote n. 10, objeto
da contenda.
O depoimento pessoal de José Antônio Montanari de f. 114-v. traz informações
bastante relevantes para a aferição da sua participação na venda do lotes,
pois reconhece ter vendido o terreno ao marido e pai dos autores, ficando
responsável pela confecção do contrato, cujas cláusulas foram estabelecidas
pelo procurador da vendedora Rute Pasqual Leite Ribeiro Celani, recebendo
integralmente o valor do terreno na sua própria residência, repassado pelo
mesmo ao procurador da vendedora.
Perquirido sobre a rasura que foi feita na via do contrato de compra e venda
dos autores, o réu afirmou que, depois de ficar sabendo pela autora Izabel
dos fatos envolvendo a venda dúplice, ele próprio fez constar o lote número
9 à caneta no contrato, "como garantia aos autores sobre um imóvel que tinha
as mesmas dimensões que o do lote de número 10".
Outrossim, no depoimento de f. 113, a segunda compradora, Ordalha dos Santos
Alves, disse que adquiriu o imóvel objeto da lide mediante a corretagem de
José Antônio Montanari, que se encarregou de confeccionar o contrato de
compra e venda, salientando também que, depois de ter sido procurado pelos
autores, o corretor insistiu que o terreno deles era o de n. 9.
O art. 723 do Código Civil preceitua que o corretor é obrigado a executar a
mediação com diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao
cliente todas as informações sobre o andamento do negócio, devendo, ainda,
sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os
esclarecimentos que estiverem ao seu alcance acerca da segurança ou risco do
negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir nos
resultados da incumbência.
Segundo a doutrina de Cláudio Luiz Bueno de Godoy:
"a conduta do corretor deve não só evitar prejuízo que possa ser causado ao
cliente, mas, antes e igualmente, ostentar-se apta a lhe gerar o razoável
proveito esperado do negócio agenciado. Mais, e de novo tal qual já se
afirmou a propósito da mesma incumbência que tem o agente (art. 712), cabe
ao corretor o dever de informar, na verdade, também como antes expendido um
dever anexo ou lateral que o princípio da boa-fé objetiva, na sua função
supletiva, impõe nas relações contratuais, como exigência de um padrão de
lealdade e solidarismo o qual, mercê de comando até mesmo constitucional
(art. 3º, I), obrigatoriamente as permeia (art. 422, CC)" (Código Civil
comentado, p. 585).
Arrematando o raciocínio supraesposado, Arnaldo Rizzardo afirma que:
"comprovando-se o prejuízo de uma das partes, em decorrência de informações
equivocadas ou falsas transmitidas pelo corretor, sujeita-se ele a arcar com
as perdas e danos, naturalmente em solidariedade com aquele que restou com o
indevido favorecimento" (Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 778).
In casu, verifico que o réu José Antônio Montanari participou do negócio
jurídico envolvendo ambas as vendas do lote de n. 10, inexistindo nos autos
qualquer indício de que tenha ele tentado evitar a situação que se instaurou
com a realização do segundo negócio, demonstrando, assim, atitude
completamente antiprofissional e antiética, somente interessado em proveito
financeiro próprio.
A meu ver, a confissão de que alterou deliberadamente os dados constantes no
contrato de compra e venda realizado com o falecido não serve como atenuante
para o réu, como entendeu o Magistrado monocrático. Dela se depreende a
consciência quanto à gravidade da situação instaurada em razão da realização
da segunda venda, coroando a atuação desidiosa já perpetrada, pois a
adulteração dos dados do contrato teve, a meu ver, a clara intenção de
livrá-lo das implicações cabíveis ao caso, em prejuízo dos direitos dos
herdeiros do primeiro comprador.
Entretanto, em que pese haver claro interesse dos ora recorrentes quanto ao
reconhecimento da responsabilidade do corretor - até mesmo porque não
poderiam sequer denunciá-lo à lide, por ter sido incluído no polo passivo da
demanda -, não verifico a possibilidade de provimento integral da apelação
para excluir, na sua totalidade, a responsabilidade dos proprietários pela
venda em duplicidade.
Isso porque, em ambas as negociações, Rute Pasqual Leite Ribeiro Celani e
André Luiz Celani foram representados pelo seu procurador e pai da primeira
ré, Joaquim Libânio, que, em seu depoimento, admitiu ser quem assinava as
escrituras públicas de venda dos imóveis do loteamento.
Como asseverou o Julgador a quo, a alegação de que a assinatura constante no
primeiro contrato pode ser rechaçada mediante simples comparação das firmas
apostas nos ajustes de f. 18 e 120.
Nos termos do art. 679 do Código Civil, na condição de mandantes, ficam os
proprietários obrigados para com aqueles com quem seu procurador contratou,
assegurado eventual direito de regresso pelas perdas e danos na hipótese de
restar caracterizado que este excedeu os limites do mandato.
Sobre o tema, segue jurisprudência:
"Compra e venda. Imóvel. Venda realizada através de procurador. Quitação da
dívida. Constante na escritura pública, por valor inferior ao estipulado
pelo mandante. Excesso de mandato. Adquirente que não se responsabiliza por
tal ato. Art. 1313 do Código Civil (de 1916). Direito à imissão na posse.
Recurso provido" (RTJESP 137/56).
Assim, em que pese reconhecer a responsabilidade do corretor pelas vendas do
imóvel, a condenação solidária dos ora recorrentes deverá ser mantida.
Diante do exposto, com respaldo nos princípios do livre convencimento
motivado e da fundamentação dos atos jurisdicionais, dou parcial provimento
à apelação para condenar José Antônio Montanari a pagar solidariamente a
importância determinada na sentença, de R$36.000,00, acrescida de juros de
mora de 1%, a partir da citação, e de correção monetária pela Tabela da
egrégia Corregedoria de Justiça, a contar da data do desembolso do valor
pelos autores.
Custas recursais, pelos apelantes e pelos apelados, na proporção de 50% para
cada um, observada a gratuidade judiciária.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Nicolau Maselli e
Alberto Henrique.
Súmula - DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
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