PROCESSUAL CIVIL - APELAÇÃO - ANULATÓRIA DE REGISTRO CIVIL - GENITOR
BIOLÓGICO PRETERIDO EM SEU DIREITO DE REGISTRAR SUA FILHA - COMPROVAÇÃO -
DESÍDIA EM PROCEDER AO ATO REGISTRAL - INOCORRÊNCIA - RECURSO PROVIDO
Apelação Cível n° 1.0245.06.098880-6/001 - Comarca de Santa Luzia -
Apelante: Luiz Carlos Sutério - Apelada: Joice Araújo de Andrade
representada p/ mãe Renata Araújo da Silva, e outros - Relator: Des. Barros
Levenhagen
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade
de votos, em dar provimento.
Belo Horizonte, 3 de dezembro de 2009. - Barros Levenhagen - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DES. BARROS LEVENHAGEN - Trata-se de apelação aviada contra a sentença de f.
50/52-TJ, proferida pelo Magistrado Marco Antônio de Melo nestes autos de
ação anulatória de registro civil de pessoa natural c/c reconhecimento de
paternidade ajuizada por L.C.S. em face de J.A.A., representada por sua mãe,
R.A.S., e de M.C.A., que julgou improcedentes os pedidos exordiais,
reconhecendo, contudo, o direito do autor de "ter reconhecida a identidade
genética de seu descendente" e condenando o postulante "ao pagamento das
custas processuais e honorários advocatícios", arbitrados em R$ 415,00
(quatrocentos e quinze reais), "ficando sua exigibilidade suspensa por ser
beneficiário da justiça gratuita, nos termos do art. 12 da Lei 1.060/50".
Inconformada, recorre a parte autora (f. 54/61-TJ), salientando, em síntese,
a ilegalidade do registro procedido pelo companheiro da genitora da menor,
mesmo sendo inequívoca a paternidade do ora recorrente. Ressalta, ainda,
nunca haver se oposto a registrar a criança em seguida ao seu nascimento,
além de destacar os vínculos afetivos existentes entre pai e filha.
Contrarrazões apresentadas às f. 68/70-TJ, pugnando os recorridos pela total
manutenção da sentença vergastada.
Parecer ministerial da lavra do Procurador de Justiça Bertoldo Mateus de
Oliveira Filho, opinando pelo provimento recursal (f. 84/86-TJ).
Conheço do recurso voluntário por atendidos os pressupostos que regem sua
admissibilidade.
Circa meritas, trata-se de recurso aviado contra a sentença de mérito que
julgou improcedente o pedido exordial, que pretende "seja declarada sem
efeito a certidão exarada pelo escrevente João Adimilson Pereira em
20.11.06, dando como cumprida a notificação encaminhada à autora e
registrada sob o número 901071 do Registro de Títulos e Documentos de Belo
Horizonte".
As formas de reconhecimento voluntário aplicam-se aos filhos havidos fora do
casamento, visto que os matrimoniais são presumidamente "filhos do marido".
O reconhecimento voluntário, na forma do art. 1.609, CC, pode se dar:
"Art. 1.609 - (omissis):
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em
cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o
reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser
posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes".
Não divergem as partes quanto ao fato de que o reconhecimento da ré se deu
por ato de vontade do companheiro da mãe da menor, com quem já se
relacionava à época de seu registro civil. Alega o autor, por outro lado,
que foi indevidamente preterido em seu direito de figurar no assento de
registro civil de sua filha biológica.
Como é cediço, o reconhecimento voluntário é ato solene, espontâneo,
irrevogável, incondicional e personalíssimo. Entretanto, tem-se reconhecida
a possibilidade de utilização da ação anulatória para afastar a filiação
denegada pelo exame genético (DNA), como se depreende da iterativa
jurisprudência desta Corte:
"Ação anulatória de registro público - Possibilidade jurídica do pedido -
Exame de DNA - Busca da verdade real - Existência de erro - Deferimento do
pedido. - A possibilidade jurídica do pedido é identificada pela
possibilidade segundo o ordenamento jurídico de se conceder a tutela
pleiteada em juízo. No caso em comento, não se pode aferir a impossibilidade
jurídica do pedido, uma vez que o pedido de negatória de paternidade, bem
como anulação do registro, encontra respaldo na lei, na doutrina e
jurisprudência mais modernas. Ação negatória de paternidade com pedido de
averbações civis - Inépcia da inicial - Formalismo jurídico - Razões e
pedido - Instrumentalidade das formas - Rejeitar. - A moderna concepção de
processo, sustentada pelos princípios da economia, instrumentalidade e
celeridade processual, determina o aproveitamento máximo dos atos
processuais, principalmente quando não há prejuízo para a defesa das partes.
Se da fundamentação e do pedido se extrai a devida pretensão do autor, deve
o magistrado prestigiar a prestação jurisdicional em detrimento do
formalismo jurídico. É sucedâneo lógico da ação negatória de paternidade com
pedido de averbações civis a anulação do pedido, pois a ação negatória de
paternidade tem como fim primordial a retirada do assento de nascimento
civil, o nome do antigo pai. Ação negatória de paternidade com pedido de
averbações civis - Nulidade da sentença - Formalismo jurídico - Rejeitar. -
O julgador, ao prestar sua função jurisdicional, deve sempre garantir que na
decisão o direito será determinado muito além da forma e da legalidade, indo
em consonância com a efetividade e com o ideal de justiça. E, mais, a função
jurisdicional também deve ser célere, não podendo o magistrado, se é
perfeitamente possível adotar a decisão de primeiro grau, anulá-la e
interromper a marcha processual. Ação anulatória de registro público -
Possibilidade jurídica do pedido - Exame de DNA - Busca da verdade real -
Existência de erro - Deferimento do pedido. - O reconhecimento dos filhos
através de registro público é irrevogável, no entanto tal fato não implica a
vedação de questionamentos em torno da filiação, desde que haja elementos
suficientes para buscar a desconstituição do reconhecimento anteriormente
formulado. Para desconstituir o registro de nascimento é necessário erro ou
falsidade, contudo tenho que o exame de DNA, por ter como resultado um erro
essencial sobre o estado da pessoa, é prova capaz de desconstituí-lo, pois
derruba, por completo, a verdade jurídica nele estabelecida. Diante de uma
prova tecnológica e cientificamente avançada como o exame de DNA e, ainda,
não havendo, nos autos, elementos suficientes para contradizer o resultado
por ele alcançado, não há razão para decidir contrariamente à sua
conclusão'' (TJMG, Processo nº 1.0598.05.005248-2/001, Rel. Des. Moreira
Diniz, p. em 08.11.2007).
"Embargos infringentes - Ação negatória de paternidade - Código Civil de
1916, art. 178, § 3º - Decadência inocorrente - Inexistência de vínculo
biológico - Conclusão apurada em dois exames de DNA - Infidelidade conhecida
no meio social - Robustez do caderno probatório. - 1. No Estado Democrático
de Direito - no século XXI -, não se pode interpretar o exíguo prazo do art.
178, § 3º, do vetusto e revogado Código Civil com descuramento da ideologia
que o inspirou, ainda no século atrasado, quando aqueles valores eram
outros. Hodiernamente, é inaceitável o rigorismo da presunção pater is est,
tanto que o novo Código Civil (art. 1.601) afastou qualquer limitação
temporal à contestação da paternidade, sendo imprescritível essa ação de
estado. - 2. A robustez e univocidade do caderno probatório, mormente ante a
conclusão de dois exames médico-periciais (DNA), autorizam a inconcussa
afirmação de inexistência de vínculo biológico entre os supostos pai e
filho, não interessando a este a falsidade ideológica constante do assento
do seu registro de nascimento, pois o prenome e o patronímico são elementos
constitutivos do nome da pessoa, atributo de sua personalidade, que a
identifica na sociedade. Compete ao Judiciário o esclarecimento e a expunção
do falso registro, poder-dever que revela interesse condizente com a
dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III). O falso dado registral
relativo à paternidade do menor traduz um invólucro sem conteúdo, um
formalismo sem sentido, uma mentira que o ofende à sociedade, um pseudolaço
paternal que não o acolhe, uma declaração despida de consistência jurídica e
socioafetiva'' (TJMG, Processo nº 1.0000.00.252558-2/002, Rel. Des.
Nepomuceno Silva, p. em 28.11.2003).
A certeza científica alcançada pelo exame genético privilegia a verdade real
e sua valoração no contexto probatório já foi objeto de manifestação pelo
STJ:
"Direito civil. Recurso especial. Ação de investigação de paternidade. Exame
pericial (teste de DNA) em confronto com as demais provas produzidas.
Conversão do julgamento em diligência. - Diante do grau de precisão
alcançado pelos métodos científicos de investigação de paternidade com
fulcro na análise do DNA, a valoração da prova pericial com os demais meios
de prova admitidos em direito deve observar os seguintes critérios: (a) se o
exame de DNA contradiz as demais provas produzidas, não se deve afastar a
conclusão do laudo, mas converter o julgamento em diligência, a fim de que
novo teste de DNA seja produzido, em laboratório diverso, com o fito de
assim minimizar a possibilidade de erro resultante seja da técnica em si,
seja da falibilidade humana na coleta e manuseio do material necessário ao
exame; (b) se o segundo teste de DNA corroborar a conclusão do primeiro,
devem ser afastadas as demais provas produzidas, a fim de se acolher a
direção indicada nos laudos periciais; e (c) se o segundo teste de DNA
contradiz o primeiro laudo, deve o pedido ser apreciado em atenção às demais
provas produzidas. Recurso especial provido" (REsp 397.013/MG, Rel. Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. em 11.11.2003, DJ de 09.12.2003, p. 279).
Na hipótese dos autos, patente se apresenta o fato de que o postulante fora
deliberadamente impedido de registrar o nascimento de sua filha, comprovando
que, tão logo tomara ciência de que esta viera ao mundo, buscara, em vão,
exercer seu papel de pai.
Com efeito, conforme bem salientado pelo ilustre Procurador de Justiça, "a
solução adotada pelo r. decisum se apresenta, na questão, antinômica,
porquanto não se assegura a identidade genética do descendente sem a
inscrição no registro civil (art. 54, 7º, Lei 6.015/73)", merecendo,
destarte, ser reparada, para que se dê ao demandante a oportunidade de
exercer o seu direito de figurar, oficialmente, como pai biológico de sua
filha, em seu registro de nascimento.
Com essas considerações, dou provimento ao recurso para reformar a sentença
monocrática, julgando procedentes os pedidos constantes da peça de introito.
Custas recursais, pelos apelados, restando, entretanto, suspensa sua
exigibilidade por se encontrarem litigando sob o pálio da assistência
judiciária gratuita.
Diante do acolhimento do pleito em epígrafe, ficam invertidos os ônus
sucumbenciais, observando-se, igualmente, a gratuidade judiciária conferida
aos réus.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Maria Elza e Nepomuceno
Silva.
Súmula - DERAM PROVIMENTO. |