Um casal de Cuiabá garantiu na Justiça o direito de registrar um filho
biológico gerado em uma barriga de aluguel. A decisão foi proferida pelo
juiz de Direito Auxiliar da Quarta Vara Especializada da Família e Sucessões
da Comarca da Capital, Francisco Alexandre Ferreira Mendes Neto, que
determinou à maternidade (Clínica Femina ou outra unidade hospitalar) a
expedição da Declaração de Nascido Vivo da criança que está sendo gerada por
E.C.D.A.R. em nome dos pais biológicos R.D.A. e T.R.S.D.A.
A Ação Reivindicatória de Paternidade e Maternidade com Pedido de
Antecipação de Tutela recebeu parecer favorável do Ministério Público do
Estado. Conforme justificativa do casal, o requerimento da antecipação da
tutela é uma forma de os pais garantirem o registro da criança de forma
correta.
No processo, os autores da ação destacam que são casados há aproximadamente
oito anos e mulher tentou engravidar por longa data, tendo frustrada
qualquer expectativa de gerar um filho ao ser diagnosticado carcinoma
epidermóide de colo e suspeita de adenocarcinoma, conhecidos popularmente
como câncer de útero.
Diante do problema de saúde, o casal foi orientado pela própria médica que
emitiu os laudos a realizar o procedimento Fertilização In Vitro (FIV). O
procedimento foi realizado com gametas do próprio casal, gerando um embrião
que foi transferido para o útero da irmã de um dos requerentes. Tanto a
hospedeira quanto o marido emitiram declaração, com firma reconhecida, bem
como termo de consentimento assinado por ambos antes da realização do
procedimento médico, atestando que não existe qualquer vontade em possuir a
guarda ou a posse da criança que vem sendo gerada no útero da mulher.
Na decisão, o magistrado lembra que o assunto é um tema inquietante, difícil
de opinar, uma vez que envolve questões éticas, morais e jurídicas. A
situação é agravada ainda pela falta de legislação específica a respeito,
além dos sentimentos e expectativas das partes e de seus problemas
psicológicos. Porém, cita ainda que de acordo com o disposto pelo artigo
126, do Código de Processo Civil, mesmo nas hipóteses de lacuna ou
obscuridade da lei, não pode o magistrado deixar de despachar ou sentenciar,
devendo se socorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do
direito.
Diante do cenário, o juiz mencionou que o Código Civil Brasileiro, em seu
artigo 1.597, incisos III e V, já tratou da presunção da paternidade do
marido em relação aos filhos havidos por inseminação artificial homóloga e
por inseminação artificial heteróloga previamente consentida. Sempre
destacando que a legislação em vigência não contém ressalva para a presunção
de maternidade decorrente do parto (Artigo 1.603 e 1.608, do Código Civil e
inciso IV, da Lei nº 8.069/1990), seja a criança gerada por fertilização
natural ou artificial.
Antes de proferir a decisão, o magistrado recorreu ainda ao Conselho Federal
de Medicina, que por meio da Resolução CFM 1358/92 instituiu as primeiras
normas éticas para utilização das técnicas de reprodução assistida, em 1992
e em 2010, em que tais diretrizes foram atualizadas pela Resolução CFM
1957/2010.
Assim, entendeu que, em princípio, a fecundação artificial homóloga não fere
princípios jurídicos, uma vez que o filho terá os componentes genéticos do
marido e da mulher. A Resolução nº 1358/92 do Conselho Federal de Medicinado
Brasil exige que a coleta do material, sua utilização e o destino da mesma
tenham a concordância prévia e expressa dos interessados, o que foi
devidamente cumprido pelos autores.
Para o magistrado, ficou comprovado nos autos que a autora possui patologias
que a impedem de ter uma gravidez natural. Ademais, a parturiente e seu
marido assinaram termo de consentimento quanto ao procedimento. “Não
vislumbro nenhum prejuízo em atender a demanda inicial, até porque inexiste
vedação legal para o procedimento adotado de fertilização in vitro e, ainda,
por prevalecer o melhor interesse da criança, eis que corresponderá à
lavratura do assento de nascimento com base na verdade biológica da
filiação”.
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