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Justiça de Mato Grosso reconheceu a união estável de um casal que manteve
relacionamento extraconjugal por 17 anos, mesmo o homem tendo outra família,
e determinou a partilha do patrimônio em comum, ou seja, dos bens angariados
e acrescidos durante a relação extramatrimonial. Para assegurar os direitos,
houve ainda a determinação do bloqueio parcial dos bens.
A Ação de Reconhecimento e Dissolução de União Estável cumulada com Partilha
de Bens Adquiridos na Constância da União movida por E.F.S. em desfavor de
J.M.A. relata que o casal viveu junto por 17 anos, entre 1989 e 2006. Eles
moraram juntos sob o mesmo teto e em união estável, no município de
Juscimeira (157km a sul de Cuiabá), como se casados fossem, sendo que ela
trabalhava e auxiliava o requerido na manutenção das suas fazendas.
A relação era pública e foi provada por meio de fotografias da convivência
das partes em momentos do dia-a-dia (inclusive em igrejas), rodeados de
familiares e amigos, bem como por meio de recortes de jornal contendo fotos
do casal perante a sociedade local. A mulher alega ainda que o
ex-companheiro auxiliava na criação de seus filhos. Para demonstrar os
negócios empreendidos, a requerente juntou aos autos cópia das negociações
feitas durante o período em que viveram juntos, como contratos de compra e
venda de imóveis, arrendamento de semoventes, contrato de parceria pecuária,
dentre outros.
Em 2006, o requerido mudou para o município de Piraju, no interior de São
Paulo, por ter atingido idade avançada. Alegou que os filhos dele,
completadas suas capacidades civis e residentes no interior paulista,
começaram a assumir os negócios do pai. Após a separação e a partida do
homem, a autora alegou que não houve partilha dos bens construídos durante o
longo relacionamento, razão pela qual requereu a restituição da parte que
lhe caberia por ter auxiliado e trabalhado em conjunto na construção do
patrimônio. Pediu ainda liminarmente o bloqueio de valores e patrimônio do
requerido para que não houvesse dilapidação.
O próprio requerido confessou no processo a existência da vida em comum,
asseverando, contudo, ser o relacionamento extraconjugal, tendo-se em vista
o fato de ser casado e de nunca ter se separado, de fato, de sua legítima
esposa. Argumentou se tratar de concubinato impuro, havendo, neste caso,
impedimento legal para o reconhecimento da união estável (art. 1.521, VI, do
Código Civil). Destacou ter negócios em São Paulo, bem como em Mato Grosso,
alternando de tempos em tempos sua estadia, ficando ora numa cidade, ora
noutra, confirmando assim o relacionamento adúltero com a requerente.
Nos autos, o réu alegou que não se tratava de uma relação de 17 anos. Isto
porque a relação teria se intensificado entre os anos de 2000 e 2006,
momento em que passou mais tempo no município de Juscimeira e,
consequentemente aumentou a convivência com a ora requerente. No processo, o
requerido aduziu ainda que o objeto da partilha de bens já fazia parte do
pedido feito na ação em trâmite na Quinta Vara Cível da Comarca de Cuiabá,
relacionada a bens adquiridos durante a constância da relação. Desta forma,
requereu a reunião daquele feito a este, em face da continência existente, a
fim de que os processos fossem julgados simultaneamente.
Inicialmente, a magistrada analisou a prejudicial de continência apoiada na
existência da Ação de Cobrança c/c Obrigação de Fazer c/c Pedido de Anulação
de Ato Jurídico em Decorrência de Fraude Contra Credores tramitando na
Quinta Vara Cível da Comarca de Cuiabá. Conforme a juíza, o Código de
Processo Civil regula a continência nos artigos 104 e 105. Explicou que o
objeto das duas demandas são distintos, havendo em comum somente as partes
envolvidas. “Assim, os argumentos do requerido não se sustentam, sendo
impossível a alegação de continência/conexão, pela própria perspectiva
processual formal à regularidade de trâmite e devida observância do Juiz
Natural segundo regras de competência”.
Para a magistrada, o caso relatado não se trata de um segundo casamento ou
relação de simples concubinato, mas sim de corresponsabilidades particulares
e privadas decorrentes dos envolvimentos familiares reais construídos. Para
a juíza, essas famílias fazem parte da sociedade e não podem ser
simplesmente excluídas da percepção de Justiça a que fazem jus. “Não podemos
desconsiderar a existência da união e seus vínculos familiares, caso esta
realidade esteja prescrita aos fatos trazidos no processo, sob pena de criar
extrema desigualdade, sob a argumentação de ‘legitimidade’”.
Ressaltou a juíza que a família apontada pelo réu como tradicional reside em
Piraju (SP), onde o requerido mantém fazendas e outras atividades. Da mesma
forma, o homem mantinha patrimônio e empreendimentos no município de
Juscimeira (MT), onde também mantinha uma segunda família, como
relacionamento extraconjugal. “Os documentos, apesar da tentativa do
requerido em minorar o tempo de convivência comum, são enfáticos quanto à
existência da relação familiar existente. Desta forma, restou incontroversa
a alegação de que ambos mantiveram um relacionamento duradouro, por 17 anos,
conforme termos também inseridos na declaração registrada em cartório”.
Conforme a decisão, deve ser levado em consideração que não se trata de um
simples relacionamento paralelo, de uma traição, mas sim de um núcleo
familiar constituído durante quase duas décadas. “Nessa situação, pode-se
considerar que o esforço e dedicação da autora são equiparados à da esposa
legítima, tendo em vista que a primeira também desenvolveu atividade nessa
condição, administrando a casa, os pertences do casal,
acompanhando/chefiando os empregados da fazenda, etc., e, portanto, direitos
devem ser assegurados”.
No entendimento da juíza, o desvalor atribuído à mulher que não era casada
legalmente com o réu não pode ser amparado por uma Constituição que se diz
garantista, que defende os princípios da dignidade humana. “De acordo com
esse entendimento não se pode utilizar dois pesos e duas medidas para um
mesmo caso”, discorre a juíza na decisão, lembrando que “costumeiramente,
são as mulheres que se veem desprotegidas e desprovidas de direitos nessas
relações. Isso nos leva a perquirir outra elementar hábil à legitimidade do
direito: o combate à violência e à discriminação de gênero”.
Amini Haddad lembrou que atualmente a requerente tem 50 anos e não conta com
trabalho, uma vez que por 17 anos o emprego dela baseava-se nas diversas
atividades realizadas nas fazendas, como os afazeres domésticos de um modo
geral, o trato com animais, negociações visando compra e venda de
mercadorias, bens e imóveis. “Não há como negar a dependência financeira da
autora em relação ao réu. Suas situações econômica, afetiva e familiar
ficaram profundamente entrelaçadas!”.
Diante de todo o exposto, a magistrada determinou a partilha do patrimônio
comum, ou seja, tão-somente dos bens angariados e acrescidos durante a
relação extramatrimonial estabelecida, bem como estabeleceu a medida
assecuratória (art. 798 c/c arts. 461 e 461A) e para bloqueio de 25%
(proporcionalidade na divisão: esposa e concubina) somente do patrimônio
adquirido no período da convivência familiar do requerido com a autora, bem
como, na mesma porcentagem, das movimentações em aplicações financeiras.
“Para efeitos de partilha, dever-se-á proceder à liquidação, considerando os
termos do art. 475-C, quanto aos bens adquiridos de junho de 1989 a junho de
2006, durante a permanência da relação concubinária”, descreve trecho da
decisão, que reconheceu ainda convivência, em união, do casal e declarou a
dissolução da união familiar, após 17 anos de convivência comum.
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