O nome é mais que um acessório ou simples
denominação. Ele é de extrema relevância na vida social, por ser parte
intrínseca da personalidade. Tanto que o novo Código Civil trata do
assunto em seu Capítulo II, esclarecendo que toda pessoa tem direito ao
nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
Ao proteger o nome, o Código de 2002 nada mais fez do que concretizar o
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Essa tutela é
importante para impedir que haja abuso, o que pode acarretar prejuízos e,
ainda, para evitar que sejam colocados nomes que exponham ao ridículo seu
portador.
Porém, mesmo com essa preocupação, muitos não se sentem confortáveis com o
próprio nome ou sobrenome: ou porque lhes causam constrangimento, ou
porque querem apenas que seu direito de usar o nome de seus ascendentes
seja reconhecido. E, nestes casos, as pessoas recorrem à justiça.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem firmando jurisprudência sobre o
tema, com julgados que inovam nessa área do Direito de Família.
Recentemente, no dia 9 de setembro, a Quarta Turma decidiu que é possível
acrescentar o sobrenome do cônjuge ao nome civil durante o período de
convivência do casal. De acordo com o colegiado, a opção dada pela
legislação, de incluir o sobrenome do cônjuge, não pode ser limitada à
data do casamento, podendo perdurar durante o vínculo conjugal (REsp
910.094).
Em outro julgado, no qual o prenome causava constrangimento a uma mulher,
a Terceira Turma autorizou a sua mudança. A mulher alegou que sofria
grande humilhação com o prenome “Maria Raimunda” e, assim, pediu a sua
mudança para “Maria Isabela” (REsp 538.187).
A relatora, ministra Nancy Andrighi, acolheu as razões de que não se
tratava de mero capricho, mas de “necessidade psicológica profunda”, e,
ademais, ela já era conhecida em seu meio social como Maria Isabela, nome
que escolhera para se apresentar, a fim de evitar os constrangimentos que
sofria.
Retificação/alteração
No direito brasileiro, a regra predominante é a da imutabilidade do nome
civil. Entretanto, ela permite mudança em determinados casos: vontade do
titular no primeiro ano seguinte ao da maioridade civil; decisão judicial
que reconheça motivo justificável para a alteração; substituição do
prenome por apelido notório; substituição do prenome de testemunha de
crime; adição ao nome do sobrenome do cônjuge e adoção.
A Terceira Turma do STJ, em decisão inédita, definiu que uma pessoa pode
mudar o seu nome, desde que respeite a sua estirpe familiar, mantendo os
sobrenomes da mãe e do pai. Os ministros do colegiado entenderam que,
mesmo que vigore o princípio geral da imutabilidade do registro civil, a
jurisprudência tem apresentado interpretação mais ampla, permitindo, em
casos excepcionais, o abrandamento da regra (REsp 1.256.074).
No caso, a decisão permitiu que uma menor, representada pelo pai,
alterasse o registro de nascimento. Ela queria retirar de seu nome a
partícula “de” e acrescentar mais um sobrenome da mãe (patronímico
materno). Para o relator da questão, ministro Massami Uyeda, afirmou que
há liberdade na formação dos nomes, porém a alteração deve preservar os
apelidos de família, situação que ocorre no caso.
Homenagem aos pais de criação também já foi motivo de pedido de
retificação dos assentos constantes do registro civil de nascimento de uma
mulher. Em seu recurso, ela alegou que, não obstante ser filha biológica
de um casal, viveu desde os primeiros dias de vida em companhia de outro
casal, que considera como seus pais verdadeiros. Assim, desejando
prestar-lhes homenagem, pediu o acréscimo de sobrenomes após a maioridade.
A Terceira Turma autorizou a alteração, ao entendimento de que a simples
incorporação, na forma pretendida pela mulher, não alterava o nome de
família (REsp 605.708).
O mesmo colegiado entendeu, em outro julgamento, que não é possível
alterar ou retificar registro civil em decorrência de adoção da religião
judaica. No caso, a esposa ajuizou ação de registro civil de pessoa
natural alegando que, ao casar, optou por acrescentar o sobrenome do
marido ao seu. Este, por sua vez, converteu-se ao judaísmo após o
casamento, religião que é praticada pelo casal e por seus três filhos (REsp
1.189.158).
O casal sustentou que o sobrenome do marido não identificava a família
perante a comunidade judaica, razão pela qual pediram a supressão do
sobrenome do esposo e sua substituição pelo da mulher. Em seu voto, a
relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que, por mais compreensíveis
que sejam os fundamentos de ordem religiosa, é preciso considerar que o
fato de a família adotar a religião judaica não necessariamente significa
que os filhos menores seguirão tais preceitos durante toda a vida.
A Corte Especial do STJ também já enfrentou a questão. No caso, um cidadão
brasileiro, naturalizado americano, pediu a homologação de sentença
estrangeira que mudou seu sobrenome de Moreira de Souza para Moreira
Braflat. Ele alegou que, nos Estados Unidos, as pessoas são identificadas
pelo sobrenome e que, por ser o sobrenome Souza muito comum, equívocos em
relação à identificação de sua pessoa eram quase diários, causando-lhe os
mais diversos inconvenientes (SEC 3.999).
Para o relator, ministro João Otávio de Noronha, é inviável a alteração de
sobrenome quando se tratar de hipótese não prevista na legislação
brasileira. “O artigo 56 da Lei de Registros Públicos autoriza, em
hipóteses excepcionais, a alteração do nome, mas veda expressamente a
exclusão do sobrenome”, afirmou o ministro.
Vínculo socioafetivo
Se a intenção é atender ao melhor interesse da criança, a filiação
socioafetiva predomina sobre o vínculo biológico. O entendimento foi
aplicado pela Terceira Turma do STJ, que decidiu que o registro civil de
uma menina deveria permanecer com o nome do pai afetivo (REsp 1.259.460).
No caso, o embate entre pai biológico e pai de criação já durava sete
anos. A criança, nascida da relação extraconjugal entre a mãe e o homem
que, mais tarde, entraria com ação judicial pedindo anulação de registro
civil e declaração de paternidade, foi registrada pelo marido da genitora,
que acreditava ser o pai biológico. Nem o exame de DNA, que apontou
resultado diverso, o fez desistir da paternidade.
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, reconheceu a ilegitimidade do
pai biológico para propor a ação. Segundo ela, o Código Civil atribui ao
marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua
mulher e dá ao filho a legitimidade para ajuizar ação de prova de
filiação. Entretanto, a ministra ressaltou que, no futuro, ao atingir a
maioridade civil, a menina poderá pedir a retificação de seu registro, se
quiser.
A Quarta Turma do STJ, também levando em consideração a questão
socioafetiva, não permitiu a anulação de registro de nascimento sob a
alegação de falsidade ideológica. O relator, ministro João Otávio de
Noronha, ressaltou que reconhecida espontaneamente a paternidade por
aquele que, mesmo sabendo não ser o pai biológico, admite como seu filho
de sua companheira, é totalmente descabida a pretensão anulatória do
registro de nascimento (REsp 709.608).
No caso, diante do falecimento do pai registral e da habilitação do filho
da companheira na qualidade de herdeiro em processo de inventário, a
inventariante e a filha legítima do falecido ingressaram com ação negativa
de paternidade, objetivando anular o registro de nascimento sob a alegação
de falsidade ideológica.
“É possível afirmar que a mera paternidade biológica não tem a capacidade
de se impor, quando ausentes os elementos imateriais que efetivamente
demonstram a ação volitiva do genitor em tomar posse da condição de pai ou
mãe. Mais do que isso, como também nas relações familiares o
meta-princípio da boa-fé objetiva deve ser observado, a coerência
comportamental é padrão para aferir a correção de atos comissivos e
omissivos praticados dentro do contexto familiar”, afirmou o ministro.
Em outro julgamento, a Terceira Turma negou o pedido de anulação de
registro civil, formulado sob a alegação de que o reconhecimento da
paternidade deu-se por erro essencial. No caso, o pai propôs a ação com o
objetivo de desconstituir o vínculo de paternidade com filho, uma vez que
o seu reconhecimento se deu diante da pressão psicológica exercida pela
mãe do então menor. Após o exame de DNA, ficou comprovado não ser ele o
pai biológico (REsp 1.078.285).
Na contestação, o filho sustentou que o vínculo afetivo, baseado no
suporte emocional, financeiro e educacional a ele conferido, estabelecido
em data há muito anterior ao próprio registro, deve prevalecer sobre o
vínculo biológico. Refutou, também, a alegação de erro essencial, na
medida em que levou aproximadamente 22 anos para reconhecer a filiação,
não havendo falar em pressão psicológica exercida por sua mãe.
Para o relator do processo, ministro Massami Uyeda, a ausência de vínculo
biológico entre o pai registral e o filho registrado, por si só, não tem o
condão de taxar de nulidade a filiação constante no registro civil,
principalmente se existente, entre aqueles, liame de afetividade.
Mudança de sexo
O transexual que tenha se submetido à cirurgia de mudança de sexo pode
trocar nome e gênero em registro sem que conste anotação no documento. A
decisão, inédita, foi da Terceira Turma, em outubro de 2009. O colegiado
determinou, ainda, que o registro de que a designação do sexo foi alterada
judicialmente conste apenas nos livros cartorários, sem constar essa
informação na certidão (REsp 1.008.398).
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a observação
sobre alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da
pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias. Anteriormente, em
2007, o colegiado analisou caso semelhante e concordou com a mudança desde
que o registro de alteração de sexo constasse da certidão civil (REsp
678.933).
A ministra destacou que, atualmente, a ciência não considera apenas o fato
biológico como determinante do sexo. Existem outros elementos
identificadores do sexo, como fatores psicológicos, culturais e
familiares. Por isso, “a definição do gênero não pode ser limitada ao sexo
aparente”, ponderou. Conforme a relatora, a tendência mundial é adequar
juridicamente a realidade dessas pessoas.
Não é raro encontrar outras decisões iguais, posteriores a do STJ, na
justiça paulista, por exemplo. Em maio de 2010, a 2ª Vara da Comarca de
Dracena (SP) também foi favorável à alteração de nome e gênero em registro
para transexuais. Para o juiz do caso, estava inserido no conceito de
personalidade o status sexual do indivíduo, que não se resume a
suas características biológicas, mas também a desejos, vontades e
representações psíquicas. Ele também determinou que a alteração não
constasse no registro.