AGRAVO DE INSTRUMENTO - INVENTÁRIO - DIREITOS SUCESSÓRIOS - CÔNJUGE
SOBREVIVENTE - REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS - ARTS. 1.829,
INCISO I, E 1.845, AMBOS DO CC/02 - INTERPRETAÇÃO - CÔNJUGE COMO HERDEIRO
LEGÍTIMO E NECESSÁRIO EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR DA HERANÇA -
REMOÇÃO DO INVENTARIANTE - ART. 995 DO CPC - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE
CONDUTA ILÍCITA, DESLEAL OU ÍMPROBA - REGULAR ADMINISTRAÇÃO DO ESPÓLIO -
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE REMOÇÃO - RESPEITO À ORDEM LEGAL PREVISTA NO ART.
990 DO CPC.
- A mais adequada interpretação, no que respeita à separação convencional de
bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em
concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a
interpretação literal e lógica do próprio dispositivo. Soma-se a isso o fato
de que o direito à meação não se confunde com o direito à sucessão.Ademais,
mediante a detida análise dos elementos trazidos aos autos neste momento
processual, não há como concluir, em juízo de cognição sumária, pela
ilicitude na conduta do agravante/inventariante, o que justifica sua
manutenção no cargo, mesmo porque respeitada está a ordem legal prevista no
art. 990 do CPC.
Agravo de Instrumento Cível n° 1.0024.09.514308-7/001 - Comarca de Belo
Horizonte - Agravante: Telmo de Oliveira Zenha - Agravadas: Taiana Moreira
Zenha, Taisa Moreira Zenha e outro - Relator: Des. Geraldo Augusto
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador Geraldo Augusto,
incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar
provimento ao recurso.
Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2011. - Geraldo Augusto - Relator.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Assistiu ao julgamento, pelo agravante, a Dr.ª Maria de Fátima Guerra.
DES. GERALDO AUGUSTO - Conhece-se do recurso, presentes os requisitos à sua
admissibilidade.
Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão que, nos autos
do inventário dos bens deixados por Telma Silveira Moreira Zenha, reconheceu
que o agravante não tem direito à meação, tampouco à concorrência
sucessória, além de removê-lo do cargo de inventariante, garantindo-lhe,
porém, o direito real de habitação (f. 18/21-TJ).
Inconformado, recorre o agravante às f. 02/16-TJ, alegando, em síntese, que
o cônjuge sobrevivente, casado no regime da separação convencional de bens,
é herdeiro em concorrência com os descendentes do falecido, nos termos do
art. 1.829 do CC/02 e da doutrina e jurisprudência majoritárias. Argumenta
que, conforme prevê o art. 1.832 do CC/02, caberá ao cônjuge quinhão igual
ao dos que sucederem por cabeça e que o entendimento em sentido contrário
dará azo ao enriquecimento sem causa, visto que foi casado com a de cujus
por mais de 28 (vinte e oito) anos e sempre trabalhou e colaborou com a
formação do patrimônio da mulher. Requer, portanto, seja dado provimento ao
recurso a fim de restabelecer sua condição de herdeiro e inventariante.
À f. 154-TJ, não foi concedido efeito suspensivo ao agravo.
Contraminuta, em resumo, pelo desprovimento do recurso (f. 160/220-TJ).
A d. Procuradoria de Justiça manifestou-se pela desnecessidade de sua
intervenção no feito (f. 222-TJ).
É o breve relatório.
Examina-se o recurso.
De início, cumpre salientar que duas são as controvérsias objeto deste
recurso: em primeiro lugar, deve-se analisar se o cônjuge supérstite, ora
agravante, casado com a de cujus pelo regime da separação convencional de
bens, concorre com os descendentes na herança deixada pela falecida; em
segundo lugar, impõe-se verificar se o mesmo cônjuge deve ser mantido no
cargo de inventariante do espólio.
Depreende-se dos autos que o agravante se casou com Telma Silveira Moreira
Zenha em 18.04.1980, pelo regime da separação de bens (certidão de casamento
de f. 30-TJ), casamento que se findou pelo falecimento desta, em 16.11.2008
(certidão de óbito de f. 32-TJ). Dessa relação nasceram duas filhas, ora
agravadas (f. 34/35-TJ).
Quanto ao primeiro ponto de discussão, constata-se que a MM. Juíza de
Direito a quo, baseando-se na decisão prolatada pela Ministra Nancy Andrighi
no julgamento do Recurso Especial nº 992.749/MS, concluiu que o cônjuge
sobrevivente não tem direito à concorrência sucessória se o casamento era
disciplinado pelo regime da separação convencional de bens.
Em que pese o respeito a tal entendimento, ouso dele divergir.
Com efeito, há acirradas opiniões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da
correta interpretação do disposto no art. 1.829, inciso I, do CC/02, segundo
o qual a sucessão legítima será deferida, em primeira linha, "aos
descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado
este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da
comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;".
Como visto, tal artigo disciplina a concorrência sucessória entre o cônjuge
sobrevivente e os descendentes do falecido, vinculando-a ao regime de bens
adotado pelo casal. Dessa forma, não há dúvidas de que o CC/02 elevou o
cônjuge à condição de herdeiro necessário (art. 1.829, III, c/c art. 1.845,
ambos do CC/02), contudo, havendo descendentes do autor da herança, sua
participação na sucessão, em concorrência com estes, dependerá do regime de
bens do casamento.
Nesse sentido, estabelece o art. 1.829, I, que não haverá concorrência, isto
é, o cônjuge não herdará, se o regime de bens era o da comunhão universal, o
da separação obrigatória, ou se, no regime da comunhão parcial de bens, o
autor da herança não houver deixado bens particulares.
Explicam-se tais ressalvas legais pelo fato de que, na primeira e na última
hipóteses, o cônjuge já é meeiro dos bens deixados pelo falecido; e, na
segunda hipótese, porque a impossibilidade de comunhão de bens decorre de
imposição legal.
Especificamente sobre a concorrência sucessória do cônjuge casado pelo
regime da separação convencional de bens, há pelo menos duas correntes de
pensamento, como bem afirmou a Ministra Nancy Andrighi no recurso especial
acima citado.
De um lado está a doutrina majoritária, que se posiciona no sentido de que o
cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação convencional de bens
ostenta a condição de herdeiro concorrente, principalmente porque esse
regime de bens não constou da ressalva prevista no art. 1.829, inciso I, do
CC/02; e, como sabido, as exceções interpretam-se restritivamente.
Do outro lado, está a doutrina minoritária, dentre eles Miguel Reale, que
argumenta que a separação obrigatória prevista neste artigo é um gênero,
comportando duas hipóteses: uma delas é a prevista no art. 1.641, parágrafo
único, do CC/02 (regime da separação legal de bens), e a outra é a
estipulação feita pelos nubentes antes do casamento (regime da separação
convencional de bens). Assim, ambas as hipóteses estariam abrangidas pelo
art. 1.829, I; e, em nenhuma delas, o cônjuge seria herdeiro necessário do
autor da herança.
Adotando essa interpretação, a Ministra Relatora concluiu que "não
remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à
meação, salvo previsão diversa no pacto antenupcial, tampouco à concorrência
sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes
na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é
herdeiro necessário".
Entretanto, essa decisão não pode ser tomada como paradigma para todas as
situações que envolvem o direito à concorrência sucessória do cônjuge
sobrevivente casado sob o regime da separação convencional de bens, uma vez
que o recurso especial em comento abrangia situação fática peculiar e
específica, o que foi inclusive ressaltado pela e. Relatora. De fato, consta
de seu voto a seguinte passagem:
"Ao volver os olhos para o processo em análise, imprescindível auscultar a
situação fática vivenciada pelo casal [...]: (i) não houve longa
convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10
meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia
formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os
nubentes escolheram, voluntariamente, casar pelo regime da separação
convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura
pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois
do casamento, inclusive frutos e rendimentos".
Ora, a hipótese destes autos é diametralmente oposta, notadamente porque o
agravante e a de cujus foram casados por praticamente 28 (vinte e oito) anos
e ainda estavam juntos quando da morte desta.
Nesse contexto, mister afirmar que a mais adequada interpretação do art.
1.829, inciso I, no que respeita à separação convencional de bens, é aquela
que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os
herdeiros do autor da herança, sendo essa, de resto, a interpretação literal
e lógica do próprio dispositivo.
Literal porque, como já afirmado, o regime da separação convencional de bens
não foi previsto como exceção à regra da concorrência entre cônjuge e
descendentes. E lógica porque a intenção do legislador, ao estabelecer tais
exceções, foi a de afastar o cônjuge da concorrência com os descendentes
quando ele já é meeiro, isto é, o objetivo da lei foi exatamente proteger o
cônjuge que não tem direito à meação.
Vale ressaltar que essa conclusão constou expressamente do Recurso Especial
nº 1.111.095/TJ, que tratou de matéria semelhante à destes autos, tendo o
Relator (Ministro Carlos Fernando Mathias) afirmado que:
"A alteração engendrada na norma civil, alçando o cônjuge supérstite à
condição de herdeiro necessário (art. 1.845), tem o escopo de protegê-lo nas
hipóteses em que desprovido o mesmo de percebimento de eventual meação
advinda do regime matrimonial adotado".
Em abono a tal assertiva, o Ministro João Otávio de Noronha, ao proferir
voto-vista, afirmou:
"Importa destacar que, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de
herdar em razão do regime de casamento ser o de comunhão universal ou
parcial, ou de separação obrigatória, não fez nenhuma quando o regime
escolhido for o de separação de bens não obrigatório, de forma que, nessa
hipótese, o cônjuge concorre com os descendentes e ascendentes, até porque o
cônjuge casado sob tal regime, bem como sob comunhão parcial na qual não
haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em
tese, ele ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra
anterior, além de não herdar, (em razão da presença de descendentes), ainda
não haveria bens a partilhar".
Soma-se a isso o fato de que o direito à meação não se confunde com o
direito à sucessão.
De fato, a meação é uma espécie de condomínio entre os cônjuges, isto é, é a
parcela dos bens do casal reservada para cada um dos consortes quando o
casamento se der sob os regimes de comunhão.
Assim, a contrario sensu, se estipulado o regime da separação de bens,
previsto nos arts. 1.687/1.688 do CC/02, caso dos autos, não haverá bens
passíveis de integrar eventual meação, cada cônjuge terá livre, exclusiva e
integral administração e fruição dos bens que lhe pertence; o patrimônio dos
cônjuges é absolutamente distinto, não havendo bens comuns; e os bens
particulares serão resguardados de qualquer partilha, fruto de eventual
separação.
Contudo, tal regramento não se aplica quando da transmissão desses bens por
ocasião da morte de um dos cônjuges, já que o direito à sucessão causa
mortis é tutelada por regras próprias, que contêm finalidades também
específicas. Logo, a depender do caso, pode haver cônjuge meeiro, mas não
herdeiro, e cônjuge herdeiro, mas não meeiro.
Ademais, prevê o art. 1.845 do CC/02 que o cônjuge sobrevivente é herdeiro
necessário, juntamente com os descendentes e ascendentes. Portanto, não
poderá o cônjuge ser afastado da sucessão pela simples vontade do sucedido,
mas apenas se ocorrer causa de deserdação ou exclusão por indignidade.
Por todo o exposto, deve ser modificada a decisão agravada para que o
agravante, cônjuge sobrevivente, seja considerado como herdeiro necessário
da de cujus, em concorrência com as agravadas, filhas do casal.
Quanto à segunda controvérsia, por sua vez, tem-se que também merece reforma
a decisão agravada, visto que o reconhecimento de que o agravante é herdeiro
obsta, em princípio, sua remoção do cargo de inventariante, já que ausentes
os fundamentos legais para tanto.
Com efeito, sabe-se que o inventariante, no exercício de seu cargo, possui
deveres legais para com a administração dos bens do espólio, com o fim de
garantir a confiança, o respeito e a credibilidade de sua pessoa perante o
ente que representa. E, ante o dever legal do inventariante, é certo que, na
hipótese de condutas que evidenciem sua deslealdade ou improbidade na
administração do espólio, impõe-se a necessidade da sua remoção.
Entretanto, não se pode admitir que toda e qualquer arguição de improbidade
da conduta do inventariante possa acarretar a sua remoção; faz-se necessário
que tais suspeitas venham acompanhadas de conteúdo probatório.
O art. 995 do CPC dispõe, em seus incisos, casos expressos em que o
inventariante poderá ser removido. No caso concreto dos autos, não se
afigura a ocorrência de qualquer das hipóteses ali dispostas, nem tampouco
de outras condutas que possam evidenciar a deslealdade ou a improbidade das
ações do agravante capazes de ensejar a sua remoção.
Aliás, mediante a detida análise dos elementos trazidos aos autos, neste
momento processual, não há como concluir, em juízo de cognição sumária, pela
ilicitude na conduta do agravante/inventariante, o que justifica sua
manutenção no cargo, mesmo porque respeitada está a ordem legal prevista no
art. 990 do CPC.
Com tais razões, dá-se provimento ao recurso para reformar a decisão
agravada e reconhecer que o agravante, cônjuge sobrevivente, é herdeiro
necessário da de cujus, em concorrência com as agravadas, filhas do casal,
mantendo-o, ademais, no cargo de inventariante do espólio.
DES.ª VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - Sr. Presidente. Não tive acesso aos
autos, portanto não analisei a questão, então peço vista.
Súmula - PEDIU VISTA A 1ª VOGAL, APÓS VOTAR O RELATOR DANDO PROVIMENTO AO
RECURSO.
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
Assistiu ao julgamento, pelo agravante, a Dr.ª Maria de Fátima Carvalho
Guerra.
DES. PRESIDENTE (GERALDO AUGUSTO) - O julgamento deste feito foi adiado na
sessão do dia 06.12.11, a pedido da 1ª Vogal, após meu voto, como Relator,
provendo o recurso.
Com a palavra a Des.ª Vanessa Verdolim Hudson Andrade.
DES.ª VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE - Sr. Presidente. Pedi vista para
análise em face das peças dos autos, aos quais não havia tido acesso, mas,
após analisar as peças, com a devida vênia, cheguei à mesma conclusão a que
chegou V.Exa., como Relator, a quem acompanho para também dar provimento ao
recurso.
DES. ALBERTO VILAS BOAS - De acordo.
Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.
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