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11/03/2019

Artigo – Conciliação e mediação? O critério trabalhista puro – Por Doroteia Silva de Azevedo Mota

Com a advento da regulamentação da política pública dos métodos de resolução apropriada de disputas, entram em cena as discussões acerca das diferenças entre os institutos da conciliação e da mediação e muitas dúvidas podem surgir. Essas dúvidas trazem problemas de ordem prática, como a incerteza quanto à aplicação de técnicas e a própria capacitação do conciliador ou mediador. Paralelo a isso, ainda persistem as ideias contrárias ao uso da mediação para a resolução de conflitos ou disputas trabalhistas, existindo aqueles que a ele se opõem, tendo por base o princípio da hipossuficiência do empregado ante o empregador e o princípio da irrenunciabilidade de direitos, ambos do Direito do Trabalho.

Inicialmente, as semelhanças: ambos são meios autocompositivos de resolução adequada de conflitos ou disputas; tanto na conciliação quanto na mediação há um terceiro, neutro e imparcial, cujo papel é auxiliar as partes na resolução de uma disputa, sem poder decisório e sem conceder aconselhamento jurídico. Tanto em um quanto em outro método as partes decidem de que forma irão pôr fim à disputa entre elas, com a ajuda do conciliador ou mediador. Via de regra, portanto, não haveria diferença.

O Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) e a Resolução CSJT 174/2016 apresentam diferentes traços distintivos. Primeiramente, a Lei 13.105/2015, nos parágrafos 2º e 3º do artigo 165, adota, como critério diferenciador, a relação prévia entre as partes, ou o “vínculo anterior entre as partes”: se não existia, será usada a conciliação; se existia, será a mediação. Trata-se, em verdade, muito mais de um fator operacional, uma “orientação de encaminhamento”, que propriamente um conceito ou definição, como leciona André Gomma de Azevedo[1].

Esse critério possui uma fragilidade, que é justamente a possibilidade de ocorrer o oposto: fazer uma conciliação quando há um vínculo anterior entre as partes e fazer uma mediação quando esse vínculo não existe. Como exemplo da primeira situação, um empregado e um empregador, vindos de uma longa relação de emprego, numa sessão no Cejusc (Centros Judiciais de Métodos Consensuais de Solução de Disputas, na Justiça do Trabalho, popularmente conhecidos como “centros de conciliação”), chegarem rapidamente a um acordo, baseado apenas em posições. Não se utilizariam técnicas nem o processo de mediação, e, no entanto, a relação prévia estaria ali.

No âmbito da Justiça do Trabalho, a Resolução CSJT 174/2016 traça o critério da “criação ou não de proposta de opções para composição do litígio”: se houver proposta de opções, por parte do mediador, será conciliação; se não houver, será mediação.

Trata-se de um critério interessante, contudo ignora a existência de uma técnica de mediação conhecida como “proposta do mediador” (em inglês, mediator’s proposal), que é usada quando as partes já estão num impasse ou prestes a chegar nele, e nada mais parece resolver — então o mediador apresenta sua proposta e as partes decidem se a aceitam ou não. Apesar de ser uma espécie de “último recurso”, constitui-se em uma criação de proposta de opção por parte do mediador. Então não seria mediação? Tudo que fora feito anteriormente seria cancelado e voltariam todos ao status quo ante?

A resposta é “não”. Impossível cancelar todo o trabalho já feito para que as partes cheguem a um acordo, apenas com base na diferença de terminologia ou na “necessidade” de se identificar um e outro instituto. Talvez baseados nessa premissa, alguns autores prefiram não apontar diferenças entre os dois.

A Lei de Mediação (Lei 13.140, de 26 de junho de 2015), em seu artigo 1º, parágrafo único, estabelece que: “Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”. Esse diploma legislativo “dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a auto composição de conflitos no âmbito da administração pública”. Não conceitua nem define a conciliação.

Para a Justiça do Trabalho, a distinção, além do interesse acadêmico, se mostra importante para estabelecer se é possível o uso da mediação para a resolução de disputas trabalhistas, ou disputas entre trabalhador e empregador. Hodiernamente, vemos que essa possibilidade existe e foi concretizada na Resolução CSJT 174/2016.

Dessa discussão acerca do uso da mediação nas disputas trabalhistas nasceu o critério que ousei designar “trabalhista puro”, para traçar a distinção entre conciliação e mediação. Segundo o critério trabalhista puro, a conciliação é uma das fases do processo do trabalho em que se tenta fazer com que as partes cheguem a um consenso por meio de um acordo. Existem ao menos duas tentativas de conciliação obrigatórias no processo trabalhista, uma antes de recebida a defesa e outra após o término da instrução. A qualquer momento, contudo, pode ser tentada a conciliação, determinada pelo magistrado ou a pedido das partes, porém, realizada, nos termos da Resolução CSJT 174/2016 e caso ocorra no Cejusc, pelo juiz ou pelo servidor capacitado para tanto.

E a mediação? A mediação é um processo em si mesmo, ou seja, um processo dotado de etapas e procedimentos, que são: pré-mediação, abertura, comunicação, negociação, encerramento. A mediação também contém técnicas. E pode ser usada na conciliação.

Esse critério leva o nome “trabalhista puro” porque é calcado na conciliação praticada na Justiça do Trabalho, conforme prevê a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Quando se diz que o juiz do Trabalho ou a Justiça do Trabalho é vocacionada para a conciliação, tem a conciliação em seu “DNA”, está-se referindo à previsão normativa que estabeleceu a conciliação como etapa processual obrigatória, muito antes de ser criada a determinação constante do artigo 334, do Código de Processo Civil, no sentido de que “o juiz designará audiência de conciliação e mediação” ao receber a petição inicial.

Para um melhor entendimento do critério trabalhista puro, necessário um maior estudo do processo de mediação, suas fases, as diversas técnicas utilizadas, para se compreender, inclusive, por que a mediação pode (e deve) ser usada na conciliação, entendida esta, repita-se, como fase do processo do trabalho, destinada a alcançar a resolução da disputa por intermédio do acordo, que, uma vez homologado pelo juiz, equivale a sentença contra a qual não cabe recurso.

E como fazer com as lides que não são trabalhistas?

O mesmo critério pode ser adotado, entendendo-se a fase em que o magistrado designa audiência para se tentar acordo como sendo a conciliação, e a mediação como o processo que poderá ser utilizado para resolver o conflito.

Como tanto a mediação quanto a conciliação contêm aspectos de ordem teórica e prática, e por estarem os mediadores/conciliadores lidando com as emoções e questões pessoais de cada parte, a capacitação do mediador/conciliador é de vital importância, inclusive quanto ao processo de mediação. É preciso que ele ou ela esteja preparado para lidar com a disputa que se instaurou, não apenas para que o acordo seja alcançado, porque o acordo não é obrigatório, mas principalmente para que a condução seja feita de forma correta, em atendimento aos princípios éticos que norteiam os dois institutos. Qualquer descuido com relação à lisura, transparência e eficiência do procedimento poderá resultar em graves prejuízos ao trabalho realizado e comprometer a sua eficácia, não importando se se trata de conciliação ou mediação.

Quanto à diferenciação, o critério trabalhista puro, como visto, pode atender perfeitamente às demandas trabalhistas, e ainda ser aproveitado para as disputas que tenham por objeto causas de outra natureza. Fica a sugestão.
 
Referências 
BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6a Edição (Brasília/DF:CNJ), 2016).
Lei 13/105, de 16 de março de 2015. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Último acesso em 25 de fevereiro de 2019.
Lei 13.140, de 26 de junho de 2015 (Lei Geral de Mediação). Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13140.htm>. Último acesso em 25 de fevereiro de 2019.
Resolução CSJT 174, de 30 de setembro de 2016. Disponível em <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/95527/2016_res0174_csjt.pdf?sequen ce=1&isAllowed=y>. Último acesso em 25 de fevereiro de 2019.
 
[1] BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Azevedo, André Gomma de (Org.). Manual de Mediação Judicial, 6a Edição (Brasília/DF:CNJ), 2016).
 
Doroteia Silva de Azevedo Mota é juíza titular da 5ª Vara do Trabalho de Salvador, juíza auxiliar da Presidência do TRT-5 e juíza coordenadora de Cejusc. LLM em Resolução de Disputas, com foco em mediação, pela Pepperdine University (Califórnia) e especialista em Direito Constitucional do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Fonte: Conjur

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