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15/06/2018

A desjudicialização e algumas novas possibilidades – a citação extrajudicial no Processo Civil

Texto de autoria do advogado, parecerista e consultor Eduardo Moreira Reis

 A desjudicialização de procedimentos é, há décadas, uma tendência legislativa crescente no Brasil, em paralelo a um aumento das funções do Sistema Registral de Imóveis, de Pessoas, de Títulos e Documentos e dos Tabelionatos, como serviços auxiliares que são do Poder Judiciário. As razões para tal são muitas: a necessidade de desafogo do Poder Judiciário, a existência de situações jurídicas cuja prova inequívoca pode perfeitamente ser atestada por delegatário estatal dotado de fé pública, a crescente financeirização dos negócios imobiliários, a demandar garantias de rápida e segura execução, a crescente segurança jurídica propiciada pelo sistema registral imobiliário contemporâneo, as novas tecnologias, que universalizam e barateiam a informação e permitem maior conformidade da informação registral com a realidade.

Essas e outras razões têm direcionado o legislador para novas atribuições aos serviços extrajudiciais, sempre que não se tenha uma lide em sentido estrito, ou em certos casos mesmo que se tenha, para tentativas preliminares de conciliação.

Tal via não pode jamais excluir a ampla acessibilidade ao Poder Judiciário, direito constitucional irredutível. No entanto, tem se mostrado um caminho para uma prestação pública mais eficiente, em numerosas situações.  Alguns exemplos dessa tendência desjudicializante são a Lei de Loteamentos, com a execução extrajudicial dos contratos inadimplidos, a Lei de Alienação Fiduciária de Imóveis, com os procedimentos extrajudiciais de consolidação da propriedade e alienação, a Lei das Incorporações Imobiliárias, com as alienações extrajudiciais pela Comissão de Representantes, as retificações extrajudiciais de registros de imóveis, o inventário e o divórcio extrajudiciais, as leis de regularização fundiária, com os procedimentos de demarcação urbanística, de legitimação de posse, legitimação fundiária, usucapião administrativo e discriminação extrajudicial de imóveis públicos (art. 195 A e B da LRP), e ainda o procedimento de usucapião extrajudicial incluído na LRP pelo novo CPC. No RCPN há também a nova possibilidade de alteração do nome de pessoas transgênero, que embora já seja uma realidade e já seja objeto de provimentos de corregedorias estaduais, ainda pende de regulamentação pelo CNJ.

Recentemente tivemos contato com uma interessante minuta de projeto de lei, do Deputado Federal paulista Sinval Malheiros, que propõe o procedimento extrajudicial de adjudicação de imóveis com registro ou matrícula, quando objeto de promessa de compra e venda quitada. Trata-se de mais um procedimento no qual, à vista de prova inequívoca da intenção de transferir o bem e da quitação do preço e dos impostos de transmissão, a nosso ver não há por que não se adotar o contraditório extrajudicial para se assegurar ao adquirente o registro do imóvel. Pois na mesma sistemática adotada nos demais procedimentos extrajudiciais translativos ou declaratórios da propriedade imóvel (usucapião, procedimento de demarcação urbanística e legitimação de posse, retificação, execução extrajudicial, discriminação extrajudicial de terra devoluta), a cientificação dos interessados ou potenciais interessados, seguida da anuência ou inércia destes, poderá levar ao deferimento do pleito formulado à serventia extrajudicial e ao registro.

São procedimentos que mesmo encerrados podem ser revistos pelo Poder Judiciário em havendo lesão a direito, mas que na quase totalidade das vezes terminam por se consolidar no tempo, como hígidos e válidos. O que defendemos aqui, como uma opção viável para o Processo Civil Brasileiro, e até para outros países, é que a citação do réu, ao menos nas ações cíveis de natureza patrimonial possa ser facultativamente realizada por serventia extrajudicial. Isso porque, em princípio, a mesma fé pública de que é investido o oficial de justiça é atribuída ao tabelião, oficial de registro de imóveis ou de títulos e documentos. E dada a capilaridade e agilidade do serviço extrajudicial, a extração de uma certidão judicial, com a contrafé e o despacho citatório, entregue a um oficial de títulos e documentos para citação pessoal do réu, muitas vezes viabiliza o cumprimento da diligência em prazo bem menor que o do serviço forense.

Evidentemente seria desejável para a advocacia brasileira que os advogados brasileiros, assim como seus colegas norte-americanos, pudessem certificar a citação do réu. No entanto, dada a conjuntura atual da profissão, não ousamos (ainda) defender tal prerrogativa. Nesse sentido, uma discreta medida desjudicializante adotada pelo novo CPC foi a intimação de testemunhas pelo próprio advogado.

Todavia em se tratando do oficial do Registro de Títulos e Documentos, que já realiza notificações em procedimentos de execução extrajudicial e é agente delegatário de função pública, dotado de fé pública, nos parece perfeitamente possível a realização de diligência citatória por ele, como escolha facultativa do autor da ação.

Além da agilidade maior, uma vantagem de tal prerrogativa, a nosso ver, seria a possibilidade de cooperação internacional entre países, para dispensar cartas rogatórias na citação de réus em processos brasileiros residentes no exterior, ou citação no Brasil de réus em processos no exterior. Mormente após a assinatura da Convenção da Apostila de Haia pelo Brasil, em 2.015, que simplificou a legalização de documentos entre os 112 países signatários e permite o reconhecimento mútuo de documentos brasileiros no exterior e de documentos estrangeiros no Brasil. Assim bastaria o apostilamento do documento citatório estrangeiro e a efetivação da citação, pelo oficial de títulos documento no Brasil, ou por quem lhe faça as vezes em outros países.

É induvidoso que os serviços extrajudiciais brasileiros têm muito o que melhorar. No entanto há potencialidades do sistema que ainda hão de ser melhor exploradas, relativamente à desjudicialização, reafirmando a função constitucional de seus órgãos como serviços auxiliares da Justiça.
Já se tem noticia de iniciativas pioneiras de citação extrajudicial de réus com homologação posterior pelo juízo, no Brasil. No entanto, sem uma regulamentação legal não se tem segurança jurídica suficiente para uma utilização massiva de tal procedimento, sobretudo em processos de maior vulto econômico, visto que o risco de decretação da nulidade citatória é um desestímulo certo para o demandante. No entanto, no nosso entendimento, a sistemática dos acordos processuais admitidos pelo CPC de 2.015 valida perfeitamente uma cláusula contratual que preveja a citação de qualquer das partes pela via extrajudicial, em ações decorrentes do próprio contrato.

Deixamos portanto nossa opinião acerca dessa nova possibilidade de desjudicialização procedimental, que espera-se possa contribuir de alguma forma para novas discussões da matéria.

Sobre o autor –  Eduardo Moreira Reis é advogado, graduado pela UFMG, com pós-graduções pela PUC e pela UFOP. Há cerca de 25 anos atua na prática da advocacia consultiva e contenciosa, nas áreas imobiliária, registral e urbanística. Trabalhando desde a década de 1990 como responsável técnico jurídico em planos e projetos de regularização fundiária, na elaboração de legislações municipais e planos diretores. Parecerista, consultor e palestrante nas áreas imobiliária, urbanística e registral, com diversos cursos e treinamentos ministrados para a CEF, registradores de imóveis, advogados, defensores públicos, promotores de justiça, Estado, municípios, empresas e profissionais envolvidos com questões fundiárias.

Fonte: IRTDPJBrasil


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