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05/06/2018

Artigo - Mídia e cartórios. Mais ataques e desinformação - Por Marco Antonio de Oliveira Camargo

O conceituado Grupo Folha, em meados deste mês de maio, dispensou alguma atenção e espaço aos cartórios brasileiros em sua principal publicação impressa, o jornal A Folha de São Paulo,  matérias reproduzidas em suas publicações digitais.

Nestas publicações assim como costumeiramente acontece com todos os demais veículos de comunicação de massa, aquele respeitável jornal também errou muito e desinformou seus leitores sobre a realidade do Serviço Público de Notas e de Registro que, por força de dispositivo constitucional, é atribuído aos cartórios do Brasil.

No dia 12 de maio a versão impressa da Folha publicou matéria de meia página (Cartórios e TJ resistem à duplicata eletrônica– página. A17 – seção mercado). (1)

No dia 14, em espaço ainda maior, na página A 21 da mesma seção mercado, foipublicada a matéria denominada Tributação no Brasil Beneficia Elite de profissionais da iniciativa privada. O texto, em si não contém qualquer menção aos cartórios, mas o gráfico ilustrativo tem em seu topo, com inquestionável destaque, a indicação titular de cartório como sendo estes os profissionais com o maior rendimento médio sujeito à tributação. (2)

O ápice desta especial deferência e atenção dispensada aos cartórios do país foi um  Editorial publicado no segundo mais nobre espaço da edição impressa do dia 15 de maio.

Naquela data o jornal voltou à carga com mais intensidade e desinformação em um texto tendencioso e reducionista.

Na opinião daquela publicação, que se apresenta ao leitor como sendo um jornal a serviço do Brasil, seria importante manifestar-se daquela maneira breve e superficial sobre uma realidade muito complexa. Seria ainda justificável tratar ofensivamente (uma sinecura) uma instituição centenária composta por um grande contingente de profissionais sérios e dedicados à prestação de um serviço público eficiente e que conta com a confiança e satisfação da grande maioria de seus usuários. Conforme, aliás, comprovado pelo Datafolha, renomado instituto de pesquisa, integrante do mesmo grupo editorial (3).

Nos dez parágrafos daquele editorial existem tantas imprecisões e impropriedades que seria possível redigir um tratado com esclarecimentos, contrapontos e análise imparcial de uma realidade complexa que não pode ser assim reduzida a um mero Lobby do Carimbo(este é o título daquele editorial). (4)

Não se pretende realizar tanto neste despretensioso texto, cujo objetivo é apenas lançar alguma luz para dissipar falsas impressões que aquelas publicações possam ter criado na imagem que se faz dos cartórios brasileiros, um verdadeiro desserviço prestado ao nosso país.

Ressalve-se, a bem da verdade, que na mesma edição do dia 15 de maio de 2018, a Folha gentilmente, ofereceu espaço para a manifestação do presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil, o tabelião Claudio Marçal Freire (Painel do Leitor – página A3 – sob o título singelo “Cartórios”).

O presidente daquela associação, com muita propriedade e síntese, criticou a matéria publicada no 12 de maio pelos erros e omissões nela verificados; ressalvando especialmente que: (a) não existe obrigatoriedade do registro de duplicatas nos cartórios de protesto, (b) os cartórios prestam informações gratuitas sobre a inadimplência de pessoas físicas e jurídicas (c) a Folha falhou na análise dos fatos ao “omitir proposta levada pelo setor de tomar a cobrança de protesto gratuita“.

A FORÇA DO HUMOR
Naquela edição impressa do dia 15 de maio, entretanto, a pequena manifestação do presidente da Anoreg, publicada no Painel do Leitor da Folha de São Paulo não tinha a mínima chance de ser considerada como de relevância e importância frente às cores e apelo visual da charge do cartunista Velati, publicada na página A-14, na seção denominada HORA DO CAFÉ, do Caderno Mercado e que tocava no mesmo assunto  (5).

A ilustração referida foi especialmente infeliz em sua tentativa de fazer humor com o embate entre as forças em oposição representada pelos Cartórios (e seus aliados) e os Bancos, Financeiras e Prestadoras de Serviços de Cobrança interessados em excluir os Cartórios de Protesto dos procedimentos de cobranças de duplicatas não pagas com pontualidade.

Uma pequena descrição do desenho: Abaixo de um título em destaque (Com receita de R$15 Bilhões, Cartórios Resistem à Duplicata Eletrônica), entrincheirados entre uma montanha de papéis, dois senhores reclamam paras seus interlocutores: ” O que virá depois? Vão tomar nossos Ábacos? Nossas Máquinas de Escrever?… “

É claro que o humor do desenhista não é endereçado a qualquer leitor  – apenas uma pequena parcela da população conhece o significado do termo ábaco – o caderno mercado é publicação dirigida ao seleto leitor com interesse em economia e finanças –  mas sua mensagem é evidente: na mentalidade do desenhista (e também de alguma parcela da população), cartório seria símbolo de atraso, burocracia, de total falta de sintonia com os novos usos e técnicas da moderna economia e informática.

Entretanto, e especialmente em relação aos Cartórios de Protesto, não existe nada mais errado do que tal conclusão preconceituosa.

A informatização está presente em todos os serviços prestados pelos tabeliães de protestos; inclusive por pressão dos bancos e empresas de assessoria e cobrança, que são seus principais usuários.

Máquinas de escrever, certamente não são mais usadas por nenhum cartório e em muitos deles o papel não mais integra sua rotina de trabalho, substituídos que foram pelos documentos eletrônicos.

Na edição do dia 17 de maio, no mesmo caderno mercado, novamente os cartórios foram objetos de humor por ilustração publicada na mesma seção (Hora do café, página A 20).

Naquela charge, que em seu título igualmente repete a reportagem do dia 12 do maio “Cartórios e TJ resistem à duplicata eletrônica”, também os fabricantes de carimbos, clips de papel e de envelopes foram associados ao atraso e às dificuldades para aprovação de medidas modernizadoras do país (6)

O humor, ao que parece, estaria na absurda e improvável associação entre os microempresários que fornecem insumos de pequeno valor às poderosas e (supostamente) influentes instituições que se utilizam de seus produtos, para assim, unidos, conseguir superar e resistir às ameaças ao poder e força que supostamente possuem na atualidade.

O EDITORIAL DO CARIMBO

O maior dos erros do editorial publicado em 15 de maio está na associação indevida entre a totalidade dos cartórios do país com algum eventual interesse em dificultar o aperfeiçoamento da legislação civil / comercial que regula a emissão, circulação e cobrança dos títulos comerciais – Leia-se: a Duplicata Mercantil.

A existência de um indigitado “capitalismo cartorial” – expressão constante daquela publicação – que representaria exemplo perfeito dos vícios e arranjos característicos dos Brasil e destinados a beneficiar alguns poucos em detrimento da livre competição de mercado, é conclusão equivocada que não se sustenta em fatos.

Na realidade, até mesmo a Associação dos Titulares de Cartórios de Protesto, que poderiam ter parcela de seu rendimento afetado pela proposta de alteração legal em discussão, já se manifestou favorável à algum aperfeiçoamento de legislação e as demais especialidade de cartórios não seriam ameaçadas por nenhuma das situações indicadas naquele editorial.

É evidente que os cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais (que existem em maior número e estão presentes em todos os municípios do Brasil) não seriam minimamente afetados pelas propostas modernizadoras representadas pelo cadastro positivo e pela duplicata eletrônica.

A afirmação feita pelo editorialista de que todos os 12 mil cartórios brasileiros são tabelionatos é falsa. Quem é Registrador (Civil, Imobiliário, de Títulos e Documentos), regra geral, não é Tabelião e portanto, simplesmente está errada a informação.

O editorial contém ainda falha adicional por não considerar que na especialidade de cartório representada pelo Tabelião de Notas existe livre concorrência para a prestação dos serviços. O cidadão tem absoluta liberdade para escolher em qual tabelionato de notas irá fazer sua escritura, procuração ou testamento público, ou ainda onde irá reconhecer a sua firma e buscar orientação sobre os seus negócios privados.

Além de errado o editorial é tendencioso ao analisar dados que indicam estar a receita dos cartórios imune à crise que tem assolado a economia do país.

O fato que é a receita do universo dos cartórios brasileiros, por sua complexidade, sofre com a crise de forma diferente.

Com o desemprego e falta de dinâmica na economia, enquanto o Registro de Imóveis, por exemplo, vê seu movimento e receita cair, os serviços de protesto aumentam seu faturamento na mesma proporção em aumenta seu trabalho em razão do aumento da inadimplência.

O serviço de Registro Civil, que pratica atos fundamentais para o exercício da cidadania, como o registro de nascimento e óbito (que sempre são gratuitos para o usuário), casamentos e outros atos relacionados à pessoa, regra geral, não tem seus rendimentos afetados por crises econômicas.

A especialidade de Registro Civil de Pessoas Naturais, aliás, se modernizou e interligou nacionalmente exatamente no período indicado pelo gráfico reproduzido naquele editorial (de 2013 a 2017). Não fosse a diminuição do poder econômico da população, muito provavelmente, as receitas desta especialidade de cartório, face a esta nova realidade de aumento da oferta de serviços a seus usuários, haveria de aumentar o seu faturamento na mesma medida em que aumentou a possibilidade da prestação de serviços.

Crise, como sabido, sempre representa oportunidade e não seria inteligente esperar que a crise atingisse a todos indistintamente. Neste momento atual alguns setores da economia, simplesmente não sentem nenhum abalo e apesar desta crise (ou graças a ela) têm crescido em larga estala.

É fato positivo que não tenha havido diminuição do rendimento total do universo dos cartórios no período entre o ano de 2013 e 2017; isso é bom, pois não há desemprego e o setor continua a funcionar adequadamente como sempre fez. Este fato, nem deveria ser considerado motivo para notícia de jornal.

O editorial, entretanto, toca ponto sensível da realidade nacional: é realmente inaceitável que tanto tempo depois da entrada em vigor de Leis e Normas que regulamentam os concursos públicos para acesso à titularidade de um cartório, ainda exista neste país, alguma região onde não se realizam, com a frequência necessária, concursos públicos para provimento da titularidade dos cartórios vagos.

Mas é preciso ressalvar: esta não é a realidade do Estado de São Paulo e da grande maioria dos Estados do Brasil e qualquer iniciativa de tentar barrar a realização de concurso público não representa o interesse da imensa maioria dos titulares de cartório e de suas associações de classe.

Também parece importante esclarecer que o número indicado como sendo o faturamento total dos cartórios do Brasil – 14 bilhões – somente é conhecido e divulgado porque existe transparência dos dados. Se tal número for considerado como um todo, no qual a sonegação e a subnotificação é algo inexistente, que representa, conforme ali mesmo se indica, um setor de prestação de serviço com alcance em todo o país, disperso em 12 mil unidades, percebe-se que não se trata de nenhum número absurdo.

A receita de 14,6 bilhões dividida por 12 mil cartórios do país resulta em aproximados 1.22 milhões. Este número dividido pelos 12 meses do ano, resulta em uma média mensal de aproximados R$102.000,00 por cartório. Este número, não representa muito bem a realidade nacional (pois não é possível  se conceber um padrão para esta complexa situação), mas é um indicador de que para uma “atividade econômica” que demanda muita mão-de-obra qualificada, instalação e manutenção e de espaços físicos para atendimento ao público em geral, o valor não é tão elevado quanto possa parecer, principalmente se considerado que não existe nenhum tipo de sonegação ou ocultação de receita. Situação muito diferente daquela que, notoriamente, acontece com os demais segmentos econômicos onde a fiscalização nem de longe se aproxima daquela que acontece com os cartórios.

É fato evidente que, se os titulares de cartório representam os maiores contribuintes individuais, dentre os trabalhadores que recolhem impostos e fazem suas Declarações de Renda à Receita Federal, isso se explica por não existir sonegação de informação e rendimento. Situação muito diferente do que tradicionalmente acontece nos demais ramos de atividade econômica.

A matéria a seguir comentada, apenas confirma com números absolutos o que foi afirmado acima.  Quem modifica sua posição de contribuinte individual para a de “pessoa jurídica” (ou que, simplesmente, sonega informações sobre sua renda) tem mais rendimento porque paga menos impostos.

Não parece supérfluo ressalvar que o cartório parece uma empresa (ou no dizer da reportagem: uma Pessoa Jurídica), tem encargos trabalhistas, responsabilidade, despesas e rendimentos como se fosse uma; entretanto, quanto aos rendimentos líquidos do seu titular, o tratamento tributário e exatamente igual ao aplicável a qualquer funcionário público ou pessoa física que recebe rendimentos econômicos.

O GRÁFICO QUE GRITA E O TEXTO QUE CALA
No texto publicado no dia 14 de maio e acima referido (“Tributação no Brasil beneficia elite de profissionais da iniciativa privada”)não existe nenhuma menção ao rendimento dos “titulares de cartório” mas a informação de maior destaque no enorme gráfico publicado era exatamente a que indicava ser o titular de Cartório o profissional com o maior rendimento médio dentre as ocupações dos profissionais que atuam no setor público.

A publicação, portanto, no que se refere à situação singular do titular de cartório perante a Receita Federal, tem altíssimo potencial de desinformação.

Em seu subtítulo menciona: “Além de altos rendimentos de servidores, sistema arrecada menos impostos de trabalhador como PJ” a desinformação é potencializada quando, sob a legenda do gráfico publicado, afirma-se: “Enquanto servidores públicos investem sobre o Orçamento para assegurar rendimentos elevados, trabalhadores da iniciativa privada viraram PJ“.

A conclusão a ser extraída disso tudo, evidentemente, seria a de que também os titulares de cartório estariam entre os profissionais que retiram seus elevados rendimentos do Orçamento Público, o que é absolutamente falso e de modo algum se aplica aos titulares de cartório.

Justamente ao contrário do que sugere a matéria, ao prestar serviço público remunerado diretamente pelos usuários (como ocorre, por exemplo, com as concessionárias que arrecadam pedágio para manter as estradas a elas concedidas) os cartórios representam importante fonte de receita para o Orçamento Público em geral, com repasses obrigatórios para variados órgãos da Administração.

Importante ressalvar que é exatamente por esta razão que os Tribunais de Justiça, Defensorias Públicas e Ministérios Públicos Regionais se uniram ao Tabeliães de Protesto na resistência contra a implantação da Duplicata Eletrônica como proposta e defendida pelo setor bancário, conforme correta e precisamente informou a matéria publicada em 12 de maio e inicialmente citada.

Mais desinformação ainda pode ser identificada quando se considera o percentual indicado com alíquota média de pagamento de imposto, indicado no gráfico encabeçado pelos titulares de cartório: 10,1% é o percentual médio das alíquotas recolhidas a título de Imposto de Renda por aqueles que encabeçam a lista de rendimentos tributados (a informação tem origem na Receita Federal do Brasil, à partir das Declarações de Imposto de Renda das Pessoas Físicas). O número é sempre mais baixo em relação aos demais profissionais que atuam no setor público. A interpretação correta destes números não é possível sem o conhecimento das particularidades das diferentes realidades destes prestadores de serviços públicos.

Em apertada síntese, é possível explicar os números com a seguinte informação complementar: A realidade dos quase 12 mil titulares de cartório que existem neste país é muito diferente entre si. Existem cartórios que geram altos rendimentos e seus titulares e são tributados pela alíquota máxima do Imposto de Renda (27,5% da renda líquida). Entretanto, a grande maioria dos cartórios do país não tem potencial para gerar rendimentos sujeitos à tal alíquota, centenas (talvez alguns milhares deles) localizados nas pequenas localidades mal conseguem gerar renda para se manter funcionando e atender seus usuários e, evidentemente, são considerados isentos do pagamento de Imposto de Renda ou são tributados por alíquotas muito inferiores à máxima aplicável.

Natural, portanto, que a média nacional não se aproxime do teto. Por outro lado, quando se trata da elite dos funcionários públicos, os listados naquele gráfico, não existe o mesmo tipo de discrepância existente no universo dos cartórios.

Não se ignora o fato de que, para a garantia de um elevado rendimento, sobre o qual seria justo e possível cobrar impostos com base em alíquotas mais elevadas, os membros do Ministério Público, do Poder Judiciário e do corpo diplomático não precisam gerar renda mas, exatamente conforme informado no texto, retirá-la do orçamento; o que, de alguma maneira, ao que parece, têm conseguido fazer.

Os altos rendimentos individuais da elite dos profissionais (onde existe situação de relativa igualdade entre toda a categoria) deve dar causa a recolhimento de imposto de renda pelas alíquotas mais altas, devendo, em muitos casos, limitar-se ao teto máximo de 27,5% do rendimento.

CONCLUINDO, SEM NADA DE NOVO ACRESCENTAR
De tudo o quanto se mencionou acima, parece evidente que a conclusão acertada sobre estas últimas publicações da Folha de São Paulo é a mesma tradicional recomendação que deve estar presente em toda e qualquer formação de opinião sobre um fato: cautela e imparcialidade intelectual é necessária.

Mesmo entre pessoas e organizações bem-intencionadas e isentas, existe a possibilidade de erros e enganos ao analisar qualquer realidade um pouco mais complexa.

Assim é a situação dos cartórios do Brasil: uma forma de prestação de serviço público de grande relevância e alcance, que atende todos os recantos do país, que ao invés de sangrar o Tesouro Nacional, com ele contribui em grande medida; um setor que se moderniza e se prepara para o futuro, no qual certamente ainda existirá um lugar para ele permanecer exercendo seu importante papel de prevenção de litígios.

Os serviços de notas e de registros, ao que tudo indica (exatamente como ocorre na maioria dos países) ainda permanecerão essenciais para promover a defesa dos interesses privados na sociedades organizadas, garantindo a publicidade, autenticidade segurança e eficácia dos atos jurídicos  (7).

NOTAS:

(1)   – A versão digital da matéria publicada na edição impressa do jornal (com alguns acréscimos em relação ao texto publicado) pode ser acessada em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/05/cartorios-e-tj-resistem-a-duplicata-eletronica.shtml   Para a edição impressa o link é  //www1.folha.com.br/fsp/fac-simile/2018/05/12/

(2)  http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/com-ou-sem-nota-pj/

Com ou sem nota, PJ?   –    Bruno Carazza

Dados sobre pagamento de Imposto de Renda são um retrato de como o Brasil é uma máquina na criação de privilégios públicos e privados

Mas não se preocupe, meu amigo,/ Com os horrores que eu lhe digo / Isso é somente uma canção / A vida realmente é diferente, quer dizer / A vida é muito pior  –  “Apenas um rapaz latino americano” – Belchior)

Desde a semana passada uma tabela apareceu recorrentemente na “timeline” das minhas redes sociais, compartilhada tanto por amigos de direita quanto por esquerdistas. Tratava-se da compilação de um documento da Receita Federal contendo as quinze ocupações com maiores rendas médias anuais de acordo com a declaração de Imposto de Renda Pessoa Física de 2013.

Reproduzo abaixo o ranking, atualizando-o com os últimos dados disponíveis (2016) e expandindo a lista para as 20 categorias com maior rendimento:

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

O principal motivo para a indignação que uniu os defensores do Estado Mínimo aos seus adversários que pregam contra a “casta judicial que condenou Lula sem provas” está no fato de que a lista acima é dominada por categorias do funcionalismo público.

Eles têm razão na revolta. Como já demonstrei aqui, sindicatos de algumas carreiras públicas vêm atacando com voracidade o Orçamento Público para assegurar rendimentos que são, na imensa maioria dos casos, muito superiores ao seu retorno para a sociedade.

O gráfico acima, portanto, é um retrato do processo de caça à renda (rent seeking) levado a cabo diuturnamente pela elite do funcionalismo público no Brasil. O problema é que ele só conta uma parte da história: uma outra elite, esta no setor privado, também se utiliza habilmente de mecanismos de concentração de renda para se dar bem.

Se o rent seeking dos servidores públicos consiste em ameaçar a cúpula dos Três Poderes para aprovar projetos de lei ou obter decisões judiciais concedendo-lhes aumentos salariais e toda sorte de penduricalhos, categorias do setor privado se valem do sistema tributário e da legislação trabalhista para pagar bem pouco imposto.

Falo aqui das incríveis vantagens da “pejotização”, principalmente quando combinada com os regimes tributários de lucro presumido e Simples e a isenção de Imposto de Renda na distribuição de lucros e dividendos.

Bernard Appy, ex-Secretário de Política Econômica no governo Lula e atual diretor do Centro de Cidadania Fiscal, fez as contas numa entrevista aqui na Folha.  O mesmo profissional, prestando o mesmo serviço, contratado por R$ 30 mil brutos por mês, pode receber, líquidos, R$ 15.109 se for celetista, R$ 24.508 se constituir uma PJ tributada segundo o lucro presumido ou R$ 26.563 se for uma PJ enquadrada como Simples.

“Aqui há um problema distributivo claríssimo. É injustificável que duas pessoas que façam a mesma coisa, prestando exatamente o mesmo serviço, tenham uma diferença tão grande de tributação”, avalia Appy.

Para jogar um pouco de luz nesse “lado escuro da Lua” da tributação de pessoas físicas no Brasil, fui atrás dos dados e cheguei a algumas constatações. A primeira delas é que esse sistema deve realmente valer a pena, pois o número de pessoas que adere à pejotização, principalmente em categorias de maior qualificação profissional, cresce vertiginosamente nos últimos 10 anos.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

O gráfico acima revela que, de duas, uma: ou o Brasil sofreu um surto empreendedor sem precedentes nos últimos anos, ou houve uma alteração significativa nos incentivos que levam as pessoas a se tornar PJs.

É verdade que muitas vezes a opção pela pejotização é uma imposição do empregador, que busca aliviar sua folha de pagamentos, acarretando inclusive a precarização do trabalho. Mas também é inegável que diversas categorias de maior qualificação têm pressionado o Legislativo em busca da extensão de hipóteses de adesão aos sistemas de lucro presumido e a possibilidade de opção pelo Simples nos últimos anos.

De acordo com dados de 2014 compilados num relatório da Comissão de Assuntos Econômicos que avaliou a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, só 3% das empresas brasileiras são tributadas com base no lucro real, sendo responsável por 80% da arrecadação do IRPJ. Os outros 97% são imunes, isentos ou optantes pelo Simples ou pelo regime de lucro presumido – razão pela qual respondem por apenas 20% do valor auferido pelo Fisco junto às empresas.

O problema dos regimes do Simples e do lucro presumido é que o ganho da empresa é arbitrado abaixo da realidade. Desse modo, o sócio ganha duplamente: sua empresa paga bem menos imposto, e ele pode distribuir o lucro excedente para si próprio, de forma totalmente isenta.

A característica notável desse sistema é que ele gera injustiça: profissionais semelhantes são tributados de modo muito díspare em função exclusivamente do regime contratual e tributário ao qual estão vinculados. O gráfico abaixo mostra justamente isso. Para cada categoria (localizada nos vértices do gráfico), os PJs (linha azul) pagam uma alíquota efetiva bem menor do que seus colegas que têm tributação na fonte (linha laranja).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

A consequência disso é a criação de um fosso dentro de cada categoria profissional: os rendimentos médios dos PJs são significativamente superiores aos dos seus colegas celetistas:

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

Ao beneficiar com impostos menores justamente quem já se encontra no topo da pirâmide, a pejotização agrava a desigualdade de renda. Assim, se refizermos o ranking das 20 categorias com maiores rendimentos do Brasil levando em conta a pejotização, vamos verificar que jornalistas, médicos, engenheiros, executivos e advogados constituídos em PJs disputam os postos mais altos com a nata dos servidores públicos – com a diferença de que pagam significativamente menos imposto de renda.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do relatório Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (Ano-Calendário 2016) – Receita Federal do Brasil.

A conclusão dessa história não deve servir para rebater críticas aos inúmeros privilégios do funcionalismo público brasileiro, os quais me beneficiam diretamente. Os números demonstram, na verdade, que do outro lado também há um sistema criado para beneficiar a elite privada.

E no meio dessas duas engrenagens concentradoras de renda, subsiste uma imensa massa de brasileiros que sustenta em suas costas um Estado inchado, mas sem ter acesso às brechas tributárias que jogam sobre si também a carga dos mais ricos.

(3) Editorial-     https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/05/lobby-do-carimbo.shtml   Página A-2 Terça-feira 15 de maio de 2018. Editorial:-  Lobby do carimbo

Privilegiados por regras arcaicas, cartórios pressionam contra projetos que buscam a melhoria do ambiente de negócios; Congresso é permeável a minorias abastadas.

Há muito se cunhou a expressão “capitalismo cartorial” para caracterizar vícios dos arranjos econômicos do Brasil —em particular, as prebendas do Estado que permitem a grupos influentes obter ganhos vultosos sem preocupações com a competição no mercado.

Os cartórios de fato ilustram à perfeição tais práticas, operando à sombra do poder público e do incomum cipoal burocrático do país.

Até a Constituição de 1988, seus titulares eram indicados por gestão política; depois veio a exigência de concurso —e resta considerável pressão para que se efetivem os apadrinhados remanescentes. Ainda hoje o posto é vitalício.

Alguns indicadores ajudam a dimensionar as recompensas proporcionadas por essas sinecuras. Em 2017, os quase 12 mil tabelionatos nacionais contabilizaram faturamento de R$ 14,65 bilhões, cifra que permanece estável desde 2015.

Dados das declarações do Imposto de Renda das pessoas físicas apontam o comando de cartórios na liderança das ocupações mais bem remuneradas, em média.

Dificilmente um setor com tais benesses se bateria por propostas modernizadoras. Não surpreende, pois, que tenha feito lobby contra o cadastro positivo de devedores e a duplicata eletrônica, dois projetos que buscam melhorar o ambiente de negócios do país.

No primeiro caso, propõe-se a inclusão automática de consumidores em um banco de dados de informações financeiras, de modo que bancos e outras instituições possam identificar os melhores clientes e competir por eles.

No segundo, pretende-se instituir um registro digital obrigatório de títulos negociados entre empresas.

Ambos representam, em alguma medida, ameaça à renda dos cartórios —seja por reduzir a inadimplência e o número de papéis em protesto, seja por eliminar procedimentos tornados arcaicos pelo avanço da eletrônica.

Também em comum, os textos avançam aos trancos num Congresso altamente permeável aos interesses de minorias bem remuneradas e organizadas. Daí se tem uma ideia de como será árduo levar adiante uma agenda de eliminação de privilégios, redução da desigualdade e abertura econômica.

Reprodução da publicação em meio físico (Edição de 14/05/2018 p. A21) divulgada eletronicamente  no endereço eletrônico – http://oespiritodasleis.blogfolha.uol.com.br/2018/05/11/com-ou-sem-nota-pj/

4) http://www.irtdpjbrasil.com.br/NEWSITE/PesquisaDatafolhaRevela.htm   –

Pesquisa Datafolha revela imagem positiva dos cartórios junto à população 

A pedido da Anoreg/BR – Associação dos Notários e Registradores do Brasil, o Datafolha realizou pesquisa, em agosto passado, para verificar como a população usuária dos serviços notariais e registrais percebe a imagem dos cartórios.

Foram entrevistadas 1010 pessoas nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e Curitiba. O resultado mostra que os cartórios lideram a confiança de seus usuários na comparação com outras instituições do país.

Correios e cartórios têm as melhores avaliações no quesito confiança e credibilidade em comparação com outras instituições como imprensa, empresas, igrejas, ministério público, polícia, justiça, poder legislativo e governos.

A percepção da imagem dos cartórios é altamente positiva, 79% dos usuários percebem melhoria nos serviços nos últimos anos. Os entrevistados – que acabavam de usar os serviços de notas, distribuição, registro civil, registro de imóveis, protestos, registro de títulos e documentos e civil de pessoas jurídicas – foram abordados quando saíam dos cartórios em diferentes horários e dias da semana.

A maioria dos entrevistados usa frequentemente os serviços de cartório: 35% usaram os serviços de 1 a 3 vezes nos últimos doze meses; 29%, de 4 a 10 vezes; e 26% usaram os serviços mais de 10 vezes nos últimos doze meses.

Os serviços notariais e de registros são qualificados como muito importantes pela maioria dos entrevistados (63%). O gráfico mostra a segmentação das respostas.

Serviços de cartório são vistos como muito importantes

A pesquisa do Datafolha revela também que a imagem dos cartórios em geral é positiva. Por exemplo, os profissionais são bem avaliados, entende-se que o cartório oferece segurança e há percepção de melhoria nos serviços. O uso de tecnologia para agilizar os serviços também é percebido por 68% dos entrevistados.

Quando a atividade é vista como desgastante, em razão de filas e demora, há a percepção de que o atendimento é diferenciado em distintos cartórios. Existe forte expectativa de usar os serviços pela Internet.

Confiança e credibilidade nos serviços: avaliação comparativa das instituições

Serviços notas 8, 9 e 10

Os usuários de cartório declaram-se satisfeitos com o serviço utilizado no dia da entrevista. Em escala de 0 a 10, a média fica em 8,6.

Satisfação com atendimento, conhecimento e rapidez

Os aspectos do serviço mais bem avaliados concentram-se nas qualidades do atendente e na rapidez:

– Domínio do assunto (8,9)

– Cortesia (8,8)

– Rapidez para o pagamento (8,9)

Honestidade, competência, seriedade, confiabilidade e credibilidade
De modo geral, os cartórios são muito bem avaliados, sobretudo no que diz respeito à honestidade, competência, seriedade, confiabilidade e credibilidade.

Ainda podem avançar no quesito modernidade: tecnologia, inovação, agilidade e visão de futuro.

Confiança e credibilidade em bombeiros, professores, médicos e cartórios
Algumas conclusões do estudo são muito importantes. Além da satisfação com rapidez e atendimento no balcão do cartório, a pesquisa do Datafolha revelou como pontos fortes dos serviços notariais e registrais suas qualidades mais essenciais: honestidade, competência, seriedade, confiabilidade e credibilidade.

A população entrevistada entendeu como muito importantes os serviços que oferecem segurança jurídica aos seus documentos e às suas transações, prevenindo futuros conflitos judiciais.

Os usuários dos cartórios extrajudiciais estão satisfeitos com a qualificação dos profissionais que estão à frente desses serviços, uma vez que encontram o conhecimento especializado que buscam e a imprescindível cortesia. A segurança, razão de ser dos cartórios, também é dos itens mais bem avaliados. E finalmente, a correta percepção de melhoria dos serviços recompensa o esforço de toda a categoria por anos de investimento constante em recursos tecnológicos e humanos.

Aperfeiçoamentos para aprimorar ainda mais os serviços sempre serão necessários, especialmente em itens de permanente evolução como os apontados pela pesquisa: tecnologia, inovação, agilidade e visão de futuro.

(5) Charge  publicada na edição impressa de 15 e maio - acesso possível em -

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/1599217724420377-hora-do-cafe-maio-de-2018#foto-1600485392690721



(6) Charge publicada na edição impressa de  17/05/2018

http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/1599217724420377-hora-do-cafe-maio-de-2018#foto-1600665887224435



(7) O autor, Tabelião de Notas e Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais, nesta conclusão apenas reproduz a inteligência do disposto no parágrafo primeiro da Lei 8935/94 - Regulamento do Artigo 236 da Constituição Federal: "Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos"  

Fonte:  ANOREG/SP on-line – 30/10/2009 – nº 176


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