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26/04/2018

Animais de estimação são alvos de disputa na justiça

Imagine conviver durante anos em união estável com uma pessoa, adotar vários animais de estimação e, após a dissolução dessa união, ter que arcar com a responsabilidade e as despesas desses animais sem auxílio. E se depois do divórcio, você fosse impedido, pelo ex-cônjuge, de conviver com o pet do casal. Para muitas pessoas os animais de estimação são como membros da família e situações como estas estão cada vez mais comuns.

No Brasil, nenhuma legislação dispõe sobre a situação dos animais de estimação nesses casos. O Projeto de Lei 7196/10, do deputado Márcio França (PSB-SP), que pretendia regulamentar a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal, está arquivado. Essas demandas estão sendo resolvidas pelo Judiciário.

Pensão para os animais

No Rio de Janeiro, uma mulher recorreu à Justiça para pedir a colaboração do ex-companheiro referente às despesas dos sete animais de estimação que adquiriram juntos em 22 anos de união estável. A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ condenou o ex-companheiro a pagar o valor de R$ 150 por animal, ou R$ 1.050 no total.

Segundo a advogada Adriana Hapner, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, nas últimas duas décadas, os animais de estimação passaram a assumir posição cada vez mais especial na vida das pessoas, muito distante daquela que os colocava na categoria de bens semoventes, em que apenas o direito de propriedade era considerado.

“Se antes o ser humano responsável pelo animal era denominado exclusivamente como o proprietário, atualmente já recebe comumente a designação de tutor(a), guardião (ã) e até pai ou mãe”, afirma.

Para ela, o papel afetivo que os animais agora ocupam na vida das pessoas não condiz mais com o tratamento jurídico que recebiam e o custeio das suas necessidades, que era considerado apenas destinado a manutenção de um bem, hoje é destinado ao bem estar completo do pet.

“As ofertas de alimentação específica, de acessórios para o vestuário e distração, fisioterapia, acupuntura, banho e tosa, dentre tantos outros produtos ofertados pelo mercado, fez com que o custeio das despesas relacionadas alcançasse cifras elevadas”, esclarece.

Guarda Compartilhada

Em 2015, ganhou repercussão o caso de “guarda compartilhada” de animal de estimação. O caso aconteceu no Rio de Janeiro quando, após 15 anos de união estável, um homem recorreu à Justiça contra sentença que determinou que a ex-companheira ficasse com a posse do cão de estimação “Dully”.

O desembargador Marcelo Lima Buhatem, relator do processo, em seu voto, disse ser comum que as pessoas tratem seus animais de estimação como parte da família, e que “muitas vezes o animal ‘simboliza’ uma espécie de filho, tornando-se, sem nenhum exagero, quase como um ente querido, em torno do qual o casal se une, não somente no que toca ao afeto, mas construindo sobre tal toda uma rotina, uma vida”. Ele garantiu ao homem o direito a companhia do cão Dully, exercendo a sua posse provisória, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados.

Adriana Hapner explica que, em casos de dissolução das uniões, as questões que envolvem os animais de estimação em muito se assemelham às questões da filiação, sendo necessária a produção de provas sobre como a guarda e a convivência com a parte não guardiã deve ocorrer para que os sentimentos de todos os envolvidos possam ser da melhor forma preservados, e como o custeio das necessidades do animal deve ser atribuído a cada parte.

“Nestes casos, diferentemente dos casos que tratam das questões da filiação propriamente ditas, não tem como o sentimento do animal ser priorizado em relação aos sentimentos dos humanos envolvidos, devendo o magistrado buscar a melhor alternativa que atenda às demandas destes, sem, contudo, impingir desconforto ao animal objeto do litígio”, diz.

Ela destaca que as decisões judiciais têm dado preferência à manutenção das situações vivenciadas pelos animais antes dos rompimentos, “levando em consideração as condições de ambas as partes para desenvolver os cuidados necessários com o bem estar do animal, as instalações físicas, o tempo disponível para o convívio, dentre outras variáveis”.

Busca e apreensão

Em outro caso, um ex-marido pediu na Justiça a busca e apreensão de dois cães de estimação em poder de sua ex-mulher. O juiz de primeiro grau entendeu que os animais, o cão Argus da Pedra Clara e a cadela Olívia, estavam acostumados à rotina sob posse apenas da ex-mulher e que a transmissão da posse ao ex-marido alteraria a estrutura e o ambiente familiar, prejudicando a saúde dos animais.

O homem demonstrou a propriedade sobre um dos cachorros e, no último dia 12 de abril, a 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP deu provimento (em parte) ao recurso determinando a entrega do cão Argus sob pena de busca e apreensão.

Para Adriana Hapner, as decisões judiciais que envolvem o convívio dos animais domésticos com os seres humanos não devem se basear exclusivamente na propriedade dos mesmos. “Os sentimentos envolvidos em cada caso devem ser observados, necessariamente”, diz.

Ela explica que o direito dos animais está sendo estudado e debatido em todo o mundo diante da percepção científica da inteligência e consciência dos mesmos. “Novas leis têm entrado em vigor para proteger os animais de testes científicos, maus tratos, regras para obtenção de produtos de origem animal para o consumo humano, proibição do abate de animais com risco de extinção, dentre outras tantas previsões protetivas”, reflete a advogada.

Impacto para o Direito de Família

A advogada Adriana Hapner explica, ainda, que a percepção da sensibilidade dos animais de maneira geral e, especificamente, dos animais de estimação, fez com que a Justiça passasse a se posicionar de forma a atribuir valor significativo aos sentimentos envolvidos nos relacionamentos destes com os seres humanos.

“Não apenas o sentimento dos animais passou a ser muito mais considerado, diante dos estudos científicos do conhecimento neurológico adquirido terem demonstrado que os mesmos têm capacidade e competências emocionais, e consciência delas, como o afeto que os seres humanos passaram a desenvolver pelos seus pets, fez com que o olhar da Justiça passasse a considerar estes relacionamentos com a importância que têm para os envolvidos, detalhando regras para convivência e sustento semelhantes aos incidentes nas questões da filiação”, diz.

Nesse sentido, segundo Hapner, o impacto dessas novas situações para Direito de Família é diretamente proporcional à importância que os animais passaram a ter na vida dos seres humanos. “Certamente, é mais um tema que vai figurar nas dissoluções das uniões, exigindo o olhar atento e sensível dos operadores do Direito das Famílias”.

Fonte: IBDFAM


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