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12/04/2017

Barriga de aluguel fora do Brasil atrai casais homoafetivos que querem se tornar pais

Juntos há seis anos e casados oficialmente no papel há quase três, o médico Eliziario Siqueira, de 37 anos, e o psicólogo Ricardo Siqueira, de 30, que vivem no interior de São Paulo, sempre quiseram ser pais. Por intermédio de uma amiga, chegaram à clínica Ser Papai em Miami, que oferece serviço de barriga de aluguel e fertilização in vitro nos EUA. No Brasil, a barriga de aluguel não pode ser remunerada – por isso, aqui é chamada de barriga solidária – e é preciso haver parentesco entre a gestante e aqueles que buscam ser pais dessa forma ou autorização do Conselho Regional de Medicina em outros casos, diferentemente do que ocorre em países como os EUA, onde a barriga de aluguel pode ser remunerada e não necessário esse vínculo familiar entre as duas pontas.

“Sempre quisemos ser pais, não importava a forma”, conta Elizario. Ele garante que não ficou com receio de que a mulher que aceitasse ser barriga de aluguel pudesse mudar de ideia e querer ficar com a criança. “Sempre estivemos bem seguros a respeito disso. A escolha dessas mulheres para serem útero de substituição é bem criteriosa. Elas são bem decididas. Quando elas optam por fazer isso, sabem que estão gerando um filho para os outros”, diz ele.

“Insegurança foi a respeito do registro das crianças. Isso antes de março de 2016, porque, a partir dessa data, o Conselho Nacional de Justiça determinou que os cartórios são obrigados a registrar os filhos de casais homoafetivos por reprodução assistida. Basta ter em mãos os documentos, como escritura pública da barriga solidária, declaração da clínica onde fizeram processo e certidão de casamento”, completa.

O casal, que gastou cerca de R$ 320 mil entre tentativas no exterior e no Brasil, está finalmente “grávido” do primeiro filho e, segundo Eliziario, o bebê está previsto para nascer no final de abril. “O processo das tentativas é como montanha-russa, tem altos e baixos. Muito desgastante, emocionalmente e financeiramente. Mas o desejo de ser pai nos fez persistir.”

A Ser Papai em Miami foi criada a partir de uma cooperativa de clínicas composta por profissionais polingues, incluindo português, espanhol e inglês, e que atuam em várias áreas. “A clínica teve início alguns meses atrás, como uma tangente do projeto Ser Mamãe em Miami, para dar uma atenção especial a casais homoafetivos masculinos, os quais encontram o maior nível de dificuldade com as legislações do Brasil”, afirma o médico pediatra Wladimir Lorentz, diretor do programa.

O Ser Mamãe em Miami, ao qual ele se refere, é um serviço internacional de maternidade em Miami. “A ideia (do Ser Mamãe em Miami) foi minha. Comecei a prestar serviço para a comunidade de turistas internacionais localizada em Miami, pois isso também já era um sonho que eu tinha há um bom tempo. Também notei que os russos estavam vindo para os Estados Unidos para terem seus filhos e logo notei que essa prática também se tornou comum entre os latino-americanos”, explica Lorentz, também diretor desse serviço.

 

E os brasileiros também estão recorrendo à fertilização in vitro e à barriga de aluguel nos EUA. Por quê? “O processo de fertilização in vitro (FIV) requer um investimento tanto emocional quanto financeiro, e que não tem garantias. Por essa razão, é importante que os indivíduos e casais que optam por esse recurso e outras tecnologias de reprodução assistida busquem por um especialista, que pode oferecer os melhores resultados clínicos e taxas de sucesso com base nos últimos avanços da infertilidade e da embriologia”, argumenta Lorentz. “O método utilizado pela Conceptions Florida, clínica que responde pelo tratamento da FIV da Ser Papai em Miami, dispõe de tecnologia chamada LifeAire, que aumenta as taxas de gravidez em 20%, diminuindo chances de aborto. Além disso, nossa localização em Miami permite oferecer uma diversidade cultural e étnica de opções para casais heterossexuais e homossexuais ao selecionar doadores de óvulos e espermatozoides, bem como suplentes. As taxas de sucesso são elevadas.”

Outros pontos destacados pelo especialista para justificar essa demanda são as “leis favoráveis, cobertura de seguro adequada e um extenso processo de seleção e rastreio que fazem da Flórida um local ideal para a seleção de um substituto”. “No Brasil, como em muitos outros países, regem legislações que limitam o acesso de pacientes a serviço de FIV, especialmente quando envolve o uso de útero de substituição (barriga de aluguel). Para grupos específicos, como casais homoafetivos, essas leis tornam quase impossível realizar o sonho de ter um filho. Também são restritos, pela lei que se aplica ao método de FIV, a escolha de sexo do feto”, complementa Lorentz.

O dr. Armando Hernandez-Rey, diretor da clínica Conceptions Florida, explica que os pais intencionais internacionais que requerem a barriga de aluguel não são obrigados a permanecer em Miami ou nos EUA durante toda a gravidez. “Uma vez que o esclarecimento médico e o tratamento necessários estão completos, os pais pretendidos podem retornar ao seu país. Normalmente, eles voltam para o parto”, diz. De acordo ainda com ele, nos EUA, quem faz barriga de aluguel recebe uma média de US$ 30 mil. “Outros fatores podem resultar em um aumento da quantidade de compensação, incluindo a gestação gêmea, parto cesárea, etc. A mãe recebe a sua compensação durante a gravidez por meio de uma conta criada por um advogado de confiança, para evitar a apropriação indevida de fundos.”

E como é feita a liberação dessa criança para viajar e morar no país de origem de seus pais? “Durante a gravidez, um contrato de pré-nascimento será criado e executado após o nascimento da criança, como o nome do substituto, e irá aparecer inicialmente na certidão de nascimento. Dentro de 2 a 3 semanas e para cumprir o contrato, uma nova certidão de nascimento será emitida com os nomes dos pais pretendidos, formalizando-os em pais legais”, responde Armando Hernandez-Rey.

Apesar de ter os casais homossexuais como principal público-alvo, a clínica também é procurada com frequência por casais heteros. “Os casais que enfrentam dificuldades em conceber e procuram tecnologias de reprodução assistida são vistos em nossa clínica diariamente. As mulheres que procuram criopreservação de oócitos (que envolve técnicas para preservação de óvulos, espermatozoides e embriões para uso posterior) por razões pessoais ou médicas também são bastante comuns”, conta Hernandez-Rey.

Dupla cidadania

Moradores de Governador Valadares, em Minas, o empresário Pedro Maciel Filho, de 42 anos, e o ortodontista Janderson Antonio de Lima, de 37, estão juntos há 16 anos e são casados oficialmente. Eles já tinham tentado adoção. “É um processo burocrático e pode ser bastante demorado”, diz Pedro. “Por ser mais ágil e descomplicado, optamos pela barriga de aluguel.”

O casal conheceu a agência Tammuz por meio de Roy Rosenblatt-Nir (que depois se tornou CEO da Tammuz Brasil), e de seu marido Ronen, que tiveram dois filhos por surrogacy (gestação por substituição) pela Tammuz, que até então não atuava no Brasil. “Eles nos convidaram a acompanhá-los a uma viagem a Tel Aviv, para conhecer a agência e tirar todas as nossas dúvidas. Saímos de lá interessados e já fizemos o cadastro no banco de doadoras para darmos início ao processo”, lembra Pedro.

Ele e Janderson optaram por uma doadora de óvulos da África do Sul, e a barriga de aluguel na Tailândia foi uma sugestão da própria Tammuz. O casal queria ter dois filhos, um de cada pai. E, após cinco tentativas de inseminação, tiveram três filhos: Vitor, Luisa e Valentina, hoje com 2 anos.

Quanto eles gastaram em todo o procedimento? “Não me lembro da tabela, e mesmo assim os valores alteram muito levando em conta o plano pelo qual opta e quantos filhos deseja ter. Sendo sincero, depois de certa etapa do processo, não fiz questão de contabilizar o valor investido, pois houve também despesas com a hospedagem e estadia fora do país. A estimativa gira em torno de USD 110 mil”, responde Pedro.

A agência Tammuz foi fundada em 2008 por Doron Mamet, em Israel, com a proposta de auxiliar em todo o processo, da escolha do método até a parte burocrática, incluindo a parte jurídica, acompanhamento da saúde da gestante e a nacionalização do bebê. Aqui no Brasil, a Tammuz chegou por iniciativa de Roy Rosenblatt-Nir, ex-cônsul de Israel no País.

Ele e o marido Ronen, que tiveram seus filhos pela Tammuz, optaram por dois processos simultâneos de surrogacy na Índia, que gerou os filhos Saar e Rotem, cada um deles filho biológico de um dos pais. O casal morava no Brasil quando teve seus filhos, que viveram aqui até 3 anos de idade. “Depois disso, nós voltamos a Israel porque minha missão como Cônsul de Israel acabou e, então, nós decidimos trazer a agência ao Brasil e facilitar o serviço para os brasileiros”, conta Roy, que, após alguns meses, foi nomeado CEO da Tammuz Brasil.

E por que ele e Ronen decidiram pela barriga de aluguel? “Infelizmente, em Israel, a adoção não é uma opção muito provável de acontecer, pois a fila de adoção pode ultrapassar o prazo de sete anos. Não há, felizmente, muitas crianças precisando de um lar. Além disso, como a grande maioria dos casais, nós também queríamos ter filhos com as nossas características genéticas”, afirma Roy.

“O processo de surrogacy no exterior é uma alternativa importante para casais homoafetivos, que enxergam na técnica uma maneira de realizar o sonho de ser pais. Além disso, tem se mostrado uma opção muito buscada por casais heterossexuais, em que as mulheres já enfrentaram diversas tentativas frustradas de fertilização in vitro e esgotaram outras alternativas para se tornarem mães”, diz ele.

Roy explica ainda que todos os processos de surrogacy da Tammuz são realizados no exterior, seguindo a legislação de cada país, principalmente nos Estados Unidos, Ucrânia, Grécia e Rússia. “Nós realizamos processos também em Israel, onde o programa é permitido para casais heterossexuais israelenses. A Geórgia, um pequeno país da Europa Oriental, também permite processos de surrogacy, mas nós não atuamos no país em decorrência da falta de estruturas médica e jurídica apropriadas.”

Segundo o CEO, a escolha do país em que os pais querem contratar o serviço de surrogacy depende da legislação vigente em cada um deles. “Nos Estados Unidos, por exemplo, o processo é permitido para todos, sem restrições; a Ucrânia permite o processo apenas para casais heterossexuais casados no civil; na Grécia, podem fazer surrogacy os casais heterossexuais casados no civil ou casais em união estável e mulheres solteiras; a Rússia permite o processo apenas para casais heterossexuais.”

Aos brasileiros que não falam a língua do país escolhido, a agência assegura dar suporte. “Grande parte dos contratos e documentos já estão traduzidos para o português. Além disso, há serviços de tradutores simultâneos. As clínicas com as quais temos parcerias estão preparadas para receber os casais brasileiros. No caso do plano americano, é solicitado que pelo menos um dos pais fale a língua inglesa, isso porque, ao contrário do que acontece na Ucrânia, o contato com a surrogate nos Estados Unidos será direto e em inglês.”

Dependendo do país onde é realizado o processo, o bebê automaticamente recebe dupla cidadania, como é o caso dos EUA. Já na Ucrânia, na Rússia e na Grécia, por exemplo, a criança recebe apenas a cidadania brasileira, uma vez que os pais são brasileiros.

“Após o nascimento, será emitida a certidão de nascimento para o bebê, na qual constará somente o nome dos pais. Há alguns procedimentos jurídicos simples que são realizados pelos nossos advogados como, por exemplo, apostilamento de documentos, no caso da Ucrânia, ou procedimentos mais aprimorados para a emissão de passaporte americano para o bebê, no caso de processos realizados Estados Unidos – os bebês nascidos em território americano têm direito à cidadania. Na hora da emissão do passaporte brasileiro, os pais devem comparecer pessoalmente à Embaixada Brasileira, ainda no país em que foi feito o processo. Esses trâmites podem levar de três a quatro semanas para serem finalizados”, detalha Roy.

Polêmica

A barriga de aluguel remunerada é uma questão polêmica em muitos países – como no Brasil –, que consideram essa prática uma exploração das mulheres ou mesmo um comércio. Por isso, perguntamos aos representantes de Ser Papai em Miami e Tammuz: o que acham dessa polêmica?

“Nos Estados Unidos, o uso da barriga de aluguel é visto de forma mais positiva do que no Brasil. A remuneração à gestante é visto como algo necessário pelo tempo e serviço prestado, e até mesmo como uma forma positiva por proporcionar a casais a possibilidade de ter um filho”, afirma Wladimir Lorentz, diretor do programa Ser Papai em Miami.

“Costumo aconselhar que conversem com uma mulher que já foi surrogate e entendam como isso é percebido ou visto por ela. São mulheres que enxergam o gesto com grande importância e que entendem que estão ajudando casais ou indivíduos a realizarem um sonho. Até hoje, não encontrei nenhuma mulher que foi surrogate arrependida de ter realizado o processo. Geralmente, elas sentem muito orgulho do que fizeram e muitas vezes até nos procuram novamente com desejo de realizar o processo pela segunda vez. Entendemos que se trata de um processo em que todas as partes envolvidas são beneficiadas. Nos certificamos constantemente de que todas as etapas do processo sejam realizadas de forma ética, transparente e seguindo estritamente a legislação de cada país em que atuamos”, diz Roy Rosenblatt-Nir, CEO da Tammuz.

Legislação

O blog conversou também sobre tema com o advogado José Roberto Moreira Filho, professor da Faculdade Arnaldo, de Belo Horizonte, mestre em Direito Privado e presidente da Comissão de Direito de Família da OAB/MG. “Não existe condições de se alugar uma barriga no Brasil tendo em vista que nossa legislação veda terminantemente qualquer contrato oneroso relativo à cessão do corpo humano e seus órgãos e, se o contrato for feito, ele será considerado totalmente nulo”, explica o especialista. “A resolução 2121/2015 permite a doação temporária do útero, mas a doadora deve ser parente em até 4.º grau da mulher ou do casal que busca a técnica, ou seja, primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima. Os demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina.”

Então, o que acontece quando a barriga de aluguel é encomendada por casais de brasileiros no exterior e, depois, a criança que nasceu no exterior é trazida para o Brasil? Como a lei brasileira entende esse caso? “Primeiramente, a lei brasileira é totalmente omissa nas questões que envolvem reprodução humana artificial e o uso das técnicas que possibilitam casais inférteis a terem filhos. A única norma que temos é a Resolução 2121, de 2015, do Conselho Federal de Medicina, mas trata-se de norma deontológica, ou seja, de uma norma de conduta ética dos médicos. No exterior, existem países que não só permitem como regulam esse tipo de contrato oneroso envolvendo o útero feminino.”

Assim, de acordo ainda com Moreira Filho, se o procedimento for feito e a criança, registrada em nome do casal seja no país estrangeiro ou até mesmo em nosso país, “é certo que a lei garantirá a essa criança os mesmos direitos de uma criança nascida de forma normal”. “Existe em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de se estabelecer uma relação de parentesco apenas pelo afeto existente entre um pai ou uma mãe e seus filhos que externam à sociedade a relação materno e paterno filial existente”, observa ele. “Dessa forma, mesmo que não exista entre a criança e seus pais qualquer vínculo biológico, é possível que seja considerada filha dos mesmos. Por isso é que, sendo encomendada a “barriga de aluguel” no exterior e feita nos termos legais da legislação daquele país, é certo que a criança poderá ser registrada em nome dos pais aqui no Brasil e terá os mesmos direitos que qualquer filho.”

Fonte: Estadão


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