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09/02/2017

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE - REJEITADA - EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - ZONA RURAL - DEMOLIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - OCUPAÇÃO ANTRÓPICA CONSOLIDADA - LEI ESTADUAL N° 14.309/2002

JURISPRUDÊNCIA MINEIRA

JURISPRUDÊNCIA CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE - REJEITADA - EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - ZONA RURAL - DEMOLIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - OCUPAÇÃO ANTRÓPICA CONSOLIDADA - LEI ESTADUAL N° 14.309/2002 - MEDIDAS MITIGADORAS - OBRIGAÇÃO PROPTER REM - NOVO PROPRIETÁRIO - NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO - SENTENÇA MANTIDA

- Tendo em vista que a parte requereu a nomeação de advogado dativo, durante o prazo para contestação, não há falar em intempestividade da peça de defesa.

- Conforme disposições contidas na Lei estadual nº 14.309/2002, restando caracterizada ocupação antrópica consolidada, não há falar em demolição das edificações realizadas no imóvel objeto da lide, uma vez que inexiste violação à legislação ambiental.

- Tendo sido prescritas medidas compensatórias pelo órgão ambiental, estas devem ser implementadas independentemente de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental.

Recurso desprovido.

Apelação Cível nº 1.0435.13.000213-0/001 - Comarca de Morada Nova de Minas - Apelante: Ministério Público do Estado de Minas Gerais - Apelado: Hamilton Pereira da Cruz - Relatora: Des.ª Hilda Teixeira da Costa

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em rejeitar preliminar e negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2016. - Hilda Teixeira da Costa - Relatora.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES.ª HILDA TEIXEIRA DA COSTA - Trata-se de apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em face da sentença de f. 78/83, que, nos autos da ação civil pública proposta contra Hamilton Pereira da Cruz, julgou improcedente o pedido inicial no tocante à demolição do imóvel do apelado, condenando-o, contudo, ao cumprimento de obrigação de fazer, consistente na apresentação de um plano de revegetação e/ou enriquecimento de mata ciliar no prazo de 90 dias, elaborado por profissional legalmente habilitado, que contemple o plantio de espécies nativas arbóreas da região, em uma área não inferior a 200 metros da faixa marginal da represa de Três Marias, por 50 metros de largura, preferencialmente distribuídos a jusante e a montante do rancho, que deverá ser cercada com mourões e arame farpado ou liso, por período não inferior a 5 anos, devendo esse plano de revegetação ser previamente aprovado pelo Ibama. Estipulou, também, multa diária para o caso de descumprimento da obrigação imposta, no importe de R$200,00, e, por fim, fixou honorários em R$3.000,00 em favor de defensor dativo.

Em suas razões recursais (f. 89/90-v.), o Parquet alega, preliminarmente, que a contestação foi apresentada intempestivamente, devendo ser reconhecida a revelia e efeitos decorrentes.

No mérito, relata que, em razão de boletim de ocorrência lavrado pela Polícia Militar Ambiental em 2002, foi instaurado inquérito civil para apurar intervenções impactantes na área em que está localizado o imóvel de propriedade do apelado, tendo sido firmado TAC com o proprietário anterior, que assumiu a responsabilidade pelos fatos descritos no relatório policial, obrigando-se a realizar medidas compensatórias. Afirma que as medidas compensatórias não foram cumpridas e que, posteriormente, o referido imóvel, onde foi construído um rancho, foi alienado ao apelado, que também não adimpliu as obrigações contidas no TAC.

Assevera que a área de preservação permanente se insere no status de espaço territorial especialmente protegido, previsto no art. 225, § 1º, III, da Constituição da República, razão pela qual é caracterizada, regra geral, pela intocabilidade e vedação de uso econômico direto. Com base nessa premissa, ressalta que a supressão de vegetação em área de preservação permanente é exceção, sendo imprescindível, para tanto, prévia autorização pelo órgão ambiental competente, o que não aconteceu no presente caso, pois sustenta que o apelado interveio em área legalmente protegida, causando sérios danos ambientais, sem qualquer autorização.

Afirma que o laudo elaborado pelo Núcleo Regional de Fiscalização Ambiental do Alto São Francisco, que concluiu que o imóvel do apelado não se encontra em área de preservação permanente, foi elaborado com base nas disposições do novo Código Florestal, apesar da intervenção ambiental ter sido constatada em 2002, quando vigia o antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65) e a Resolução Conama nº 302/02.

Defende a aplicação da Lei nº 4.771/65 ao presente caso, em razão do princípio tempus regit actum e a irretroatividade do novo Código Florestal, bem como que não há falar em ocupação antrópica consolidada, dada a ausência de manifestação expressa do órgão ambiental competente e o não preenchimento de diversos outros requisitos.

Diante de tais considerações, pugna pelo provimento do recurso, a fim de julgar procedentes os pedidos iniciais, determinando-se, assim, a demolição das construções do imóvel em debate.

Intimado, o apelado apresentou contrarrazões às f. 92/96, defendendo a tempestividade da peça contestatória e o desprovimento do apelo ministerial.

A d. Procuradoria-Geral de Justiça, por meio de parecer da lavra do i. Procurador de Justiça Nedens Ulisses Freire Vieira, manifestou-se pelo provimento do recurso (f. 101/104).

É o relatório.

Preliminar

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em suas razões recursais, suscitou preliminar de intempestividade da peça de defesa. Entretanto, pelo que se depreende das f. 52/53, o apelado requereu, dentro do prazo legal para interposição da contestação, a nomeação de advogado dativo. Sendo assim, tempestiva a peça aviada às f. 46/51, após sua nomeação, conforme, inclusive, certificado pela Secretaria à f. 52-v.

Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida.

Mérito.

Presentes os pressupostos legais, conheço o recurso interposto.

Conforme se extrai dos autos, a Polícia Militar Ambiental, durante a operação ``SOS São Francisco'', desencadeada no período compreendido entre 26.11.2002 e 05.12.2002, constatou a presença de construção irregular às margens da represa de Três Marias, zona rural de Morada Nova de Minas, de propriedade do Sr. Mário Luiz Corrêa, pescador profissional, uma vez que localizada em área de preservação permanente e sem qualquer licença para tanto (f. 08/09).

Com efeito, em vistoria realizada em 03.12.2002, técnicos do Ibama constataram a presença de edificações localizadas a 13m da margem da represa, o que, segundo a Lei nº 4.771/65, constituía área de preservação permanente. Nessa ocasião, o Ibama sugeriu a adoção de algumas medidas mitigadoras e compensatórias, as quais foram reproduzidas em dois TACs firmados com o então proprietário, o Sr. Mário Luiz Corrêa (f. 17/25).

Entretanto, o Sr. Mário Luiz Corrêa não só não cumpriu as obrigações assumidas perante o Parquet, como alienou o imóvel, em 07.11.2008, ao Sr. Hamilton Pereira da Cruz, ora apelado, contra o qual, em 2013, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou a presente ação civil pública, objetivando a demolição das edificações do imóvel (f. 32/32-v.).

Com a devida vênia ao i. Representante do Ministério Público, tenho que não seria o caso de demolição das referidas construções, mas sim o de oportunizar ao novo proprietário o implemento das medidas mitigadoras e compensatórias prescritas pelo órgão ambiental, pelas razões que passo a expor.

Inicialmente, importante registrar que não se olvida que os deveres associados às áreas de preservação permanente têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse, independentemente de o fato de ter sido ou não o proprietário o autor da degradação ambiental.

Dessa forma, ainda que o Sr. Hamilton Pereira da Cruz, ora apelado, não tenha sido responsável direto pelas intervenções realizadas na propriedade, não pode se furtar à obrigação de reparar a área supostamente degradada; mas isso, obviamente, desde que ciente dessas irregularidades.

No caso, conforme alegado pelo apelado e não refutado pelo Órgão Ministerial, o recorrido, quando adquiriu o imóvel, não tinha conhecimento da situação da APP, quanto mais dos TACs firmados pelo antigo proprietário com o Parquet, de forma que não se pode imputar a ele qualquer mora pelo inadimplemento das obrigações contidas nesses instrumentos.

Nesse contexto, tendo em vista que o apelado manifestou total interesse em seguir as orientações do órgão ambiental e recuperar a área supostamente degradada, ou, pelo menos, compensar as intervenções realizadas, afigura-se desarrazoado impor-lhe pena de demolição do imóvel, mesmo porque não há qualquer laudo técnico nos autos que recomende e ateste a eficácia dessa medida, revelando-se imprudente a sua adoção.

Ressalta-se que os dois documentos que embasam o pedido ministerial, um boletim de ocorrência e um relatório técnico elaborado pelo Ibama, são no sentido de que o proprietário deve adotar medidas mitigadoras e compensatórias, nada dispondo sobre eventual necessidade de demolição das edificações, a fim de recuperar a área prejudicada.

Além disso, deve-se ter em mente que as edificações constantes do imóvel do apelado foram erguidas antes de 2002, conforme destacou o d. Magistrado a quo, Dr. Antônio Carneiro da Silva, em seu decisum. Logo, a intervenção antrópica promovida pelo então proprietário, Sr. Mário Luiz Correia, em área de preservação permanente, segundo parâmetros estabelecidos pela Lei nº 4.771/65, ocorreu antes de 19 de junho de 2002, marco fixado pelo § 1º do art. 11 da Lei Estadual n° 14.309/2002, para fins de consolidação de intervenções indevidas:

``Art. 11 - Nas áreas de preservação permanente, será respeitada a ocupação antrópica consolidada, vedada a expansão da área ocupada e atendidas as recomendações técnicas do poder público para a adoção de medidas mitigadoras e de recuperação de áreas degradadas.

§ 1º - Para fins do disposto neste artigo, considera-se ocupação antrópica consolidada o uso alternativo do solo em área de preservação permanente estabelecido até 19 de junho de 2002, por meio de ocupação da área, de forma efetiva e ininterrupta, com edificações, benfeitorias e atividades agrossilvipastoris, admitida neste último caso a adoção do regime de pousio''.

Assim, uma vez atendidas as recomendações técnicas prescritas pelo poder público (relatório Ibama), conforme prescrito no caput, restará configurada a hipótese de anistia acima prescrita, situação que não atenta contra a ordem jurídica, podendo o proprietário manter as construções existentes no imóvel.

Nesse sentido:

``Reexame necessário. Ação demolitória. Construção em área permanente. Ocupação antrópica consolidada antes da promulgação da Lei estadual nº 14.309/2002. Edificação mantida. Sentença confirmada. - Nos termos da Lei estadual sob nº 14.309/2002, nas áreas de preservação permanente, será respeitada a ocupação antrópica consolidada antes da promulgação de tal lei'' (TJMG - Reexame Necessário Cível nº 1.0223.07.234183-5/001, Rel. Des. Luís Carlos Gambogi, 5ª Câmara Cível, j. em 30.04.2015, p. em 12.05.2015).

Embargos de declaração. Construção em área de preservação permanente. Ocupação antrópica consolidada. Art. 11 da Lei estadual nº 14.309/2002. Aplicabilidade. Omissão. Contradição. Obscuridade. Inexistência. Rediscussão da matéria. Prequestionamento. Embargos não acolhidos. - I. Nos termos do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração quando revelado o propósito de rediscutir, nessa via, a questão da manutenção da construção antrópica, ainda que em área de preservação permanente, assim nos termos do art. 11 da Lei 14.309/2002, sem a demonstração da existência de omissão, obscuridade, e-ou contradição no acórdão; II. Não se admite na via dos Embargos de Declaração, reavivar a própria discussão em torno do tema controvertido, sem o apontamento mínimo de vício no acórdão'' (TJMG - Embargos de Declaração Cível nº 1.0702.06.333601-1/002, Rel. Des. Washington Ferreira, 7ª Câmara Cível, j. em 04.08.2016, p. em 09.08.2016).

Diante de tais considerações, conclui-se que não havia como o apelado cumprir os TACs assinados pelo ex-proprietário, como esperava o apelante, pois ignorava a existência desses instrumentos. Contudo, agora, ciente das medidas reparadoras a que está obrigado, até porque fixadas na sentença, contra a qual não recorreu, não poderá se furtar ao seu cumprimento.

Quanto ao laudo elaborado pelo Núcleo Regional de Fiscalização Ambiental do Alto São Francisco (f. 65/70), tenho que irrelevante a sua conclusão para o deslinde do feito, pois o apelado foi condenado à obrigação de fazer consistente no adimplemento das medidas constantes do laudo de f. 13/14, elaborado pelo Ibama, e dessa decisão não recorreu.

Por fim, no que diz respeito à alegação ministerial de que não restaram preenchidos dos requisitos para o reconhecimento de anistia prevista na Lei Estadual n° 14.309/2002, bem como que não houve manifestação do órgão ambiental competente quanto a esse ponto, ressalto que, uma vez atendidas as medidas compensatórias impostas na sentença, que ora se confirma, restarão atendidas todas as disposições do art. 11 da referida lei, inclusive a manifestação do órgão ambiental, conforme determinado, embora seu § 4º faculte a manifestação de qualquer profissional habilitado.

Em face do exposto, rejeito a preliminar e, no mérito, nego provimento ao recurso, mantendo íntegra a r. sentença.

Sem custas.

Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Afrânio Vilela e Caetano Levi Lopes.

Súmula - REJEITARAM PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG


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