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02/02/2017

Jurisprudência Mineira - APELAÇÃO CÍVEL - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - COMODATO VERBAL - NOTIFICAÇÃO DO COMODATÁRIO - DECURSO DO PRAZO PARA A DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL - ESBULHO POSSESSÓRIO CONFIGURADO - USUCAPIÃO - POSSE DERIVADA DE COMODATO - AUSÊNCIA DE ANIMUS

APELAÇÃO CÍVEL - REINTEGRAÇÃO DE POSSE - COMODATO VERBAL - NOTIFICAÇÃO DO COMODATÁRIO - DECURSO DO PRAZO PARA A DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL - ESBULHO POSSESSÓRIO CONFIGURADO - USUCAPIÃO - POSSE DERIVADA DE COMODATO - AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI - IMPOSSIBILIDADE - BENFEITORIAS - MANUTENÇÃO - DIREITO DE RETENÇÃO - DESCABIMENTO

- Caracteriza-se o contrato de comodato verbal se a parte reside no imóvel objeto da lide sem a realização de contraprestação.

- Notificado o comodatário para a devolução do imóvel em prazo razoável e decorrido este sem que se atenda à referida notificação, resta configurado o esbulho possessório.

- Não há que se falar em reconhecimento da propriedade pela usucapião se a posse é derivada de contrato de comodato.

- Descabida a retenção ou ressarcimento pelas benfeitorias realizadas pelo comodatário que se destinem à manutenção do bem, nos termos do art. 582 do Código Civil.

Apelação Cível nº 1.0390.13.002963-5/002 - Comarca de Machado - Apelante: Roberto Carlos de Souza - Apelada: Gilsa de Carvalho Dias - Relator: Des. Vasconcelos Lins

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 1º de novembro de 2016. - Vasconcelos Lins - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. VASCONCELOS LINS - Trata-se de recurso de apelação interposto por Roberto Carlos de Souza contra a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Machado, f. 170/173v., que, nos autos da ação de despejo por denúncia vazia c/c cobrança de aluguéis e reintegração de posse, ajuizada por Gilsa de Carvalho Dias, julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial e determinou a reintegração de posse da autora no imóvel objeto da lide.

Condenou, ainda, a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$1.000,00 (mil reais).

Em suas razões, o apelante sustenta que a sentença deve ser reformada, visto que não restaram demonstrados os requisitos indispensáveis à reintegração da posse, quais sejam a posse anterior e o esbulho. Nesse ponto, alega que jamais foi notificado formalmente para desocupação do imóvel em litígio, sendo que o documento de f. 14 foi recebido por pessoa estranha à lide.

Ademais, afirma que deve ser reconhecido o seu direito de propriedade sobre o bem, uma vez que restou configurada usucapião urbana, nos termos do art. 183 da Constituição Federal, porquanto exerce a posse mansa e pacífica do imóvel, com animus domini, por prazo superior a cinco anos.

Em razão do princípio da eventualidade, caso seja reconhecida a procedência da ação, requer seja garantido o seu direito de retenção pelas benfeitorias realizadas no imóvel.

A apelação foi recebida nos efeitos suspensivo e devolutivo (f. 208).

Não obstante tenha sido intimada, a apelada não apresentou contrarrazões.

É o relatório.

Conheço do recurso, presentes os requisitos condicionantes de sua admissibilidade.

Considerando que o Juízo a quo se manteve silente quanto ao pedido de assistência judiciária formulado pelo apelante, concedo à parte o benefício, nos termos da Lei 1.060/50.

A sentença atacada foi publicada sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 (f. 170/174) e o presente julgamento será realizado com base nos pressupostos legais contidos no mencionado diploma processual, consoante orienta o Enunciado nº 54 deste Tribunal de Justiça, assim redigido:

``A legislação processual que rege os recursos é aquela da data da publicação da decisão judicial, assim considerada sua publicação em cartório, secretaria ou inserção nos autos eletrônicos''.

Fixada a lei processual regente do presente recurso, passo à sua análise.

Verifica-se que o apelante busca a reforma da sentença na qual o Juiz de primeiro grau determinou a reintegração de posse da autora no imóvel localizado na Rua Pinhal, nº 143, Bairro Santa Luiza, Machado - MG, alegando deva ser reconhecida a sua propriedade sobre o bem, uma vez que configurada a usucapião constitucional.

Com o devido respeito aos argumentos apresentados, estou convencido de que o recurso não merece ser provido.

Compulsando os autos, nota-se que a relação jurídica existente entre as partes litigantes é de comodato, em que a autora permitiu ao apelante o uso do imóvel, sendo que a assunção de encargos pelo comodatário não afeta o caráter gratuito.

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, ao definirem o contrato de comodato, ensinam:

``[...] Em perspectiva clara, expressamente dispõe o art. 579 do Código Reale que ``comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto''.

Trata-se de contrato extremamente habitual, em especial nos âmbitos familiar e filantrópico e nos círculos de amizade, sendo comum o empréstimo gratuito de livros, veículos, equipamentos médicos, objetos de arte, imóveis residenciais, dentre outros bens [...].

Ora, seguindo as pegadas do legislador, o comodato é empréstimo gratuito (sem contraprestação) de coisa infungível (não substituível por outra de igual espécie, qualidade ou quantidade) para ser utilizada pelo beneficiário por tempo determinado ou determinável. Trata-se, portanto, de um empréstimo para uso por terceiro'' (Curso de direito civil, contratos, teoria geral e contratos em espécie. 5. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2015. v. 4, p. 758-759).

Verifica-se, portanto, que o apelante residia no imóvel objeto da lide por mera liberalidade de sua proprietária, ora apelada, em clara hipótese de comodato verbal por prazo indeterminado.

E, como sabido, no comodato sem prazo, caso o comodante, proprietário do bem, vise à sua retomada, deve constituir em mora o comodatário, notificando-o (judicial ou extrajudicialmente), concedendo-lhe prazo para a sua restituição.

Decorrido o prazo concedido sem que o comodatário restitua a coisa ou desocupe o imóvel, configura-se sua a mora, conforme dispõe o art. 582 do Código Civil:

``Art. 582. O comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.''

A mora do comodatário também viabiliza a propositura da ação possessória, com a reintegração de posse do comodante sobre o bem, pois fica configurado o esbulho possessório.

Nesse sentido já se manifestou esta 18ª Câmara Cível:

``Apelação cível. Reintegração de posse. Comodato verbal. Notificação. Esbulho configurado. Procedência do pedido. - Se os apelantes encontram-se na posse do imóvel por empréstimo gratuito da proprietária, mãe e sogra dos mesmos, respectivamente, e provado o contrato de comodato verbal, não podem se negar a restituir o referido imóvel. - Caracterizada a mora dos comodatários por meio da sua notificação e presentes os requisitos do art. 927 do CPC, viabiliza-se a propositura da ação possessória, com a reintegração de posse do imóvel ao legítimo proprietário'' (TJMG - Apelação Cível nº 1.0290.12.007950-1/001 - Relator: Des. Sérgio André da Fonseca Xavier - 18ª Câmara Cível - j. em 19.04.2016 - p. em 27.04.2016).

No caso em apreço, constata-se que o recorrente fora notificado extrajudicialmente por meio do Cartório de Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas de Machado, para desocupar o imóvel no prazo de 15 (quinze) dias, isto em 31.05.2013 (f. 14/14v.), mas não procedeu à sua desocupação até a presente data, mostrando-se inequívoca a sua mora.

Frise-se, nesse ponto, que a notificação foi realizada no endereço do imóvel em litígio e foi recebida por Lúcia Helena Silva Souza, fato que não foi contestado pelo recorrente em sua defesa inaugural, não havendo que se falar em invalidade do ato ou desconhecimento acerca da aludida cientificação.

Assim sendo, considerando que o apelante foi devidamente notificado para a devolução do bem, mas não desocupou o imóvel no prazo definido, mostra-se escorreita a determinação de reintegração de posse da apelada sobre o imóvel.

Por outro lado, também não merece guarida a alegação do recorrente no sentido de que restou configurada a usucapião prevista no art. 183 da CF, o que legitimaria a sua propriedade sobre o bem, justamente porque exerce a posse do imóvel de forma precária, em razão do comodato.

Nesse sentido, se a posse do apelante é derivada de empréstimo feito pela apelada, não há como reconhecer o seu exercício com animus domini, o que impede o acolhimento da pretensão de usucapião.

Frise-se, ainda, que o próprio apelante em sua peça contestatória reconhece que o imóvel em questão é de propriedade da autora (f. 62):

``A realidade dos fatos é que o requerido, entre os meses de março a abril de 2006, ficou sabendo, por um Sr. de nome Gilson de Carvalho, da venda de uma casa, abandonada há tempos, no valor de R$7.000,00 (sete mil reais), localizada na Rua Pinhal, nº 143, Bairro Santa Luíza, de propriedade de sua irmã, a requerente. Dizia o Sr. Gilson que possuía procuração para a venda do imóvel e que sua irmã, proprietária, morava em Campinas/SP.

Assim, restam descaracterizados os requisitos essenciais, a fim de que seja reconhecida a prescrição aquisitiva em seu favor, pelo que descabe qualquer pretensão nesse sentido.

Por derradeiro, também não merece prosperar a insurgência do recorrente quanto ao seu direito de retenção das benfeitorias realizadas, visto que tratam de obras destinadas à preservação do bem, consoante documentos juntados pelo recorrente aos autos, despesas custeadas pelo réu pela utilização gratuita do imóvel por período que já ultrapassa 10 (dez) anos.

Conforme estabelece o já citado art. 582 do Código Civil, o comodatário tem o dever de cuidado e de conservação da coisa como se fosse sua, cujo exercício implica, naturalmente, a realização de despesas para a manutenção do bem.

Com efeito, por usar a coisa como se sua fosse, o comodatário não tem direito de retenção ou de ressarcimento de benfeitorias realizadas para a manutenção do bem, uma vez que indiscutível é o seu dever de arcar com os custos a elas correspondentes, consoante expressa imposição legal.

Pelo exposto, nego provimento ao recurso, mantendo a sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Custas, pelo apelante, suspensa a exigibilidade por ser beneficiário da justiça gratuita.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Mota e Silva e João Cancio.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico - MG


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