Notícias

17/01/2017

APELAÇÃO - DESERÇÃO - AGRAVO RETIDO - INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA POR CARTA PRECATÓRIA - NÃO COMPARECIMENTO DO ADVOGADO NO JUÍZO DEPRECADO - INAPLICABILIDADE DO ART. 453, § 2º, DO CPC/73 - DISPENSABILIDADE DA PROVA - APELAÇÃO - POSSE - TÍTULO DE DOMÍNIO - IR

APELAÇÃO - DESERÇÃO - AGRAVO RETIDO - INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA POR CARTA PRECATÓRIA - NÃO COMPARECIMENTO DO ADVOGADO NO JUÍZO DEPRECADO - INAPLICABILIDADE DO ART. 453, § 2º, DO CPC/73 - DISPENSABILIDADE DA PROVA - APELAÇÃO - POSSE - TÍTULO DE DOMÍNIO - IRRELEVÂNCIA - REQUISITOS - ÔNUS DA PROVA - AUTOR

- A intempestividade para o recolhimento de custas quando indeferida a justiça gratuita configura deserção.

- O destinatário das provas produzidas nos autos é o juiz que, de ofício ou a requerimento da parte, pode determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

- O art. 453, § 2º, do CPC/73 não se aplica quando o advogado deixa de comparecer à audiência no juízo deprecado, no caso de oitiva de testemunha por carta precatória.

- A ação possessória visa garantir posse preexistente hostilizada por uma ofensa concreta, sendo irrelevante o título de domínio.

- Em ação de reintegração de posse, incumbe ao autor o ônus de provar, de forma robusta, a sua posse, o esbulho praticado pelo réu, a data do esbulho e a perda da posse.

- Nas hipóteses em que a posse não é disputada exclusivamente com base no domínio, não incide o Enunciado nº 487 da Súmula do STF.

Apelação Cível nº 1.0701.05.108683-6/001 - Comarca de Uberaba - Apelantes: 1º) Paulo Cury Neto - 2º) Davidson Trindade em causa própria - Apelados: José Caetano Borges Neto, Paulo Cury Neto - Relator: Des. Maurílio Gabriel

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em não conhecer do segundo recurso de apelação, negar provimento aos dois agravos retidos e negar provimento ao primeiro recurso de apelação.

Belo Horizonte, 17 de novembro de 2016. - Maurílio Gabriel - Relator.

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

DES. MAURÍLIO GABRIEL - Cuida-se de ação de reintegração de posse ajuizada por Paulo Cury Neto em desfavor de José Caetano Borges Neto, distribuída por dependência à Ação de Manutenção de Posse nº 0701.04.098251-7 (autos apensos).

O réu, José Caetano, aos 28 de dezembro de 2004, ajuizou ação de manutenção de posse em desfavor de Paulo Cury, afirmando que tem a posse plena, pacífica e com justo título de um imóvel rural situado no Município de Uberaba, que recebera por herança de seu pai, há mais de 40 (quarenta) anos.

Aduziu que, aos 17 de outubro de 1985, efetuou a venda do referido imóvel a Paulo Cury Neto pelo preço de Cr$600.000.000 (seiscentos milhões de cruzeiros), tendo recebido Cr$300.000.000 (trezentos milhões de cruzeiros) em moeda corrente e Cr$300.000.000 (trezentos milhões de cruzeiros) por meio de uma nota promissória.

Acrescentou o réu, na ação de manutenção de posse, que, aos 17 de dezembro de 1985, Paulo Cury Neto, por meio de compromisso particular de compra e venda, revendeu o imóvel para José Caetano, pelo preço de Cr$586.000.000 (quinhentos e oitenta e seis milhões de cruzeiros), pagos nas seguintes condições: Cr$300.000.000 (trezentos milhões de cruzeiros) em cheque, Cr$200.000.000 (duzentos milhões de cruzeiros) representados pelo imóvel residencial situado na Rua Santo Antônio nº 06, na cidade de Uberaba, que se encontrava em nome de Márcio José Loureiro Borges, e Cr$86.000.000 (oitenta e seis milhões de cruzeiros), pagos no dia 18 de janeiro de 1986.

Narrou José Caetano Borges Neto que, mesmo durante esse período de venda e revenda, jamais saiu da posse do imóvel, mas que, aos 23 de dezembro de 2004, Paulo Cury Neto, acompanhado de três pessoas, compareceu ao imóvel ameaçando seus funcionários e exigindo que eles se retirassem de lá.

Afirmou que, ao tomar conhecimento do fato, requisitou a presença da Polícia Militar, que se dirigiu à propriedade e retomou a posse do imóvel. Por tais razões, José Caetano Borges Neto requereu a expedição de mandado de manutenção de posse para que fosse mantido na posse integral do imóvel, evitando-se novas incursões de Paulo Cury Neto.

Já na inicial dos presentes autos, ajuizada por dependência à referida ação de manutenção de posse, o autor Paulo Cury Neto afirmou que adquiriu do réu José Caetano, no dia 17 de outubro de 1985, um imóvel rural situado em Uberaba, na Fazenda Itaberaba, "que se constitui de uma sorte de terras com área de oitenta hectares" em comum com outras seis pessoas, todos os irmãos ou cunhados do réu José Caetano Borges Neto.

Asseverou que, posteriormente, dividiu o imóvel, ficando o seu quinhão demarcado pela escritura pública de divisão lavrada no cartório da Comarca de Uberaba e que, apesar da compra das terras, permitiu que José Caetano Borges Neto permanecesse na posse da fazenda para que continuasse a explorar o laranjal lá existente, mas que jamais teria abdicado da posse de seu imóvel.

Afirmou, ainda, que a ação de manutenção de posse intentada por José Caetano Borges Neto é baseada em um falso contrato de reaquisição do imóvel.

Assim, bateu-se pela procedência da presente ação para que fosse reintegrado na posse de seu imóvel.

Já na contestação, o réu José Caetano Borges Neto apresentou a seguinte versão: em 22 de agosto de 1985, obteve empréstimo com Alcides Gonçalves Montes, que lhe exigira a outorga de procuração para que pudesse vender sua propriedade rural em caso de atraso do cumprimento da obrigação pactuada. Antes mesmo do vencimento integral da dívida, Alcides transferiu a propriedade para o autor Paulo Cury Neto. Indignado, José Caetano Borges Neto procurou Alcides, que determinou ao autor Paulo Cury Neto que celebrasse compromisso de compra e venda com ele. Dessa forma, aduziu que o imóvel é de sua propriedade, bem como está na posse do imóvel por mais de 30 anos ininterruptamente. Bateu-se pela improcedência da ação de reintegração de posse.

Foi realizada prova pericial para verificar a autenticidade do contrato de reaquisição do imóvel firmado entre as partes (cf. f. 176/225).

O réu José Caetano Borges Neto peticionou, às f. 246/267, requerendo a decretação da nulidade do laudo pericial de f. 176/225.

Audiência realizada no dia 11 de julho de 2007, em que foi deferida a realização de nova perícia para determinar a autenticidade da assinatura de Paulo Cury Neto no contrato anexado às f. 111/114 (termo de audiência às f. 390/392).

Laudo pericial da nova perícia juntado às f. 434/478 e às 530/534.

Audiência realizada aos 10 de dezembro de 2008 (termo de audiência às f. 578/585).

Agravo retido interposto por Paulo Cury Neto, às f. 647/652, contra decisão de f. 645. A decisão agravada foi mantida.

No dia 1º de julho de 2009, em audiência, Paulo Cury Neto interpôs outro agravo retido contra a decisão que indeferiu o pedido de remessa de ofício ao tabelionato de nota para o envio do cartão de sua assinatura, relacionado ao documento de f. 114 (termo de audiência às f. 674/678). A decisão agravada foi mantida.

Após regular tramitação, foi prolatada sentença (f. 737/747), que julgou conjuntamente a ação de reintegração de posse (presentes autos) e a ação de manutenção de posse (autos apensos), tendo julgado procedente o pedido formulado na ação de manutenção de posse, confirmando a liminar para manter definitiva a posse de José Caetano Borges Neto sobre o imóvel.

Em consequência, condenou Paulo Cury Neto ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00.

A sentença ainda julgou improcedente o pedido formulado na presente ação de reintegração de posse, condenando Paulo Cury Neto ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em R$2.000,00.

Não se conformando, Paulo Cury Neto interpôs recurso de apelação, requerendo, preliminarmente, o conhecimento e provimento dos agravos retidos interpostos às f. 647/652 e 675.

No mérito, aduz que o réu permaneceu em seu imóvel por ato de mera tolerância, sendo que o art. 1.208 do Código Civil dispõe não induzir posse atos de mera permissão ou tolerância.

Afirma que, nos termos da Súmula 487 do Supremo Tribunal Federal, será deferida a posse a quem evidentemente tiver domínio, se com base neste for disputada.

Destaca que, "em 30 de abril de 1986, o próprio irmão do requerido, Dr. José Márcio, e a cunhada Luciana Castro participaram, com outros irmãos de José Caetano Borges Neto, de uma escritura pública de divisão do imóvel, em que o nome do apelado sequer logrou aparecer."

Argumenta que "o que mais causa espanto, é o fato da lavratura da escritura pública de divisão ter sido feita depois do falso contrato de compromisso de compra e venda, com a participação de todos os irmãos de José Caetano Borges Neto, e nenhum deles ter apresentado irresignação ao comparecimento do condômino Paulo Cury Neto".

Sustenta que sempre pagou todos os tributos incidentes sobre o imóvel rural.

Quanto à prova pericial, alega que o Juiz a quo desconsiderou a primeira perícia que confirmou ser falsa a assinatura do contrato particular de compra.

Por fim, pugna pelo provimento do recurso, com a reforma da sentença.

Em contrarrazões, José Caetano Borges Neto bate pela manutenção da sentença.

Parcialmente inconformado, Davidson Trindade, advogado do réu José Caetano Borges Neto, interpôs recurso de apelação requerendo a majoração do valor arbitrado a título de honorários advocatícios.

Em contrarrazões, o autor suscita, inicialmente, preliminar de não conhecimento do segundo recurso, por deserção. No mérito, bate-se pelo não provimento.

O autor Paulo Cury Neto suscitou preliminar de deserção do recurso de apelação interposto por Davidson Trindade, patrono de José Caetano Borges Neto, sob o fundamento de que

"foi deferido ao apelante o prazo de 05 (cinco) dias para que efetuasse o preparo recursal conforme consta expressamente do despacho de f. 782, cuja publicação ocorreu em 19.02.2010 (f. 783). Ocorreu que somente em 13 de abril de 2010 o apelante efetuou o preparo do recurso. Portanto, totalmente intempestivo".

De fato, a decisão que indeferiu a justiça gratuita pleiteada pelo segundo apelante e determinou o recolhimento de custas recursais, no prazo de 5 (cinco) dias, foi publicada aos 19 de fevereiro de 2010, sendo que ele só recolheu as custas no dia 13 de abril de 2010, ou seja, quase dois meses depois.

Nota-se que, após a decisão que determinou o recolhimento das custas, não houve qualquer interrupção do prazo, uma vez que o pedido de reconsideração de f. 786 e o pedido de remessa dos autos à Contadoria não são causas de interrupção.

Por fim, mesmo que se considerasse como termo inicial do prazo para recolhimento de custas o retorno dos autos da Contadoria, haveria de ser decretada a deserção. Isso porque a devolução dos autos da Contadoria foi informada em publicação no DJe do dia 6 de abril de 2010.

Assim, o termo inicial do prazo seria o dia 8 de abril e o termo final o dia 12 de abril de 2010. Como o preparo só foi efetuado no dia 13 de abril de 2010, de qualquer ângulo que se analise, o segundo recurso de apelação é deserto, uma vez que as custas foram recolhidas intempestivamente.

Dessa forma, não conheço do segundo recurso de apelação, interposto por Davidson Trindade.

Por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do primeiro recurso de apelação interposto pelo autor.

No agravo retido interposto às f. 647/652, Paulo Cury Neto pretende ver reformada a decisão de f. 645, que deferiu o pedido apresentado pelo agravado, José Caetano Borges Neto, às f. 643/644, de oitiva da testemunha Samir Tayar.

Em suas razões recursais, afirma o agravante que a petição apresentada pelo agravado às f. 615/616 apresentava o mesmo pedido de f. 643/644, que teria sido indeferido pelo Juiz a quo, sem qualquer recurso.

Afirmou ainda que, em todas as oportunidades, o agravado apresentou endereço equivocado da testemunha. Por fim, aduziu que a carta precatória para a oitiva da referida testemunha já tinha sido cumprida na Comarca de Goiânia-GO e que, na data da audiência, compareceu apenas o agravante e seu patrono, não tendo comparecido o agravado, nem mesmo a testemunha. Assim, o deferimento de f. 645 para a oitiva da referida testemunha teria violado o art. 453, § 2º, do Código de Processo Civil de 1973.

O art. 453, § 2º, do Código de Processo Civil de 1973 previa que "pode ser dispensada pelo juiz a produção das provas requeridas pela parte cujo advogado não compareceu à audiência".

A dicção do artigo é de que "pode" ser dispensada, não que "deve" ser dispensada. Ou seja, não se trata de sanção contra a parte cujo advogado deixou de comparecer em juízo.

Ademais, o dispositivo supramencionado refere-se à dispensa da oitiva de testemunha pelo juiz da causa, na própria audiência de instrução e julgamento, quando o advogado da parte não comparece a essa audiência de instrução e julgamento.

Não há previsão de que o advogado da parte interessada na produção da prova por carta precatória deve comparecer à audiência no juízo deprecado. Nem mesmo há autorização para que o juiz deprecado dispense a prova testemunhal deferida anteriormente pelo juiz do feito.

Esse dispositivo, por ser restritivo de direito, não pode ser interpretado de forma extensiva. A propósito:

``Apelação cível. Reparação civil. Acidente trânsito. Inquirição de testemunha por carta precatória. Não comparecimento do advogado no juízo deprecado. Dispensa da prova pelo juiz deprecado. Inaplicabilidade do art. 453, § 2º, do CPC. Cerceamento de defesa configurado. [...] O art. 453, § 2º, do CPC autoriza a dispensa, pelo juiz do feito, da produção das provas requeridas pela parte cujo advogado não compareceu à audiência de instrução e julgamento. Esse dispositivo não se aplica quando o advogado deixa de comparecer à audiência no juízo deprecado, no caso de oitiva de testemunha por carta precatória'' (TJMG - Apelação Cível 1.0702.10.004827-2/002 - Relator: Des. Tiago Pinto - 15ª Câmara Cível - j. em 13.08.2015 - p. em 21.08.2015).

Por fim, não se vislumbra preclusão quanto à oitiva da testemunha. Ora, apesar de o juiz ter indeferido a prova testemunhal em um primeiro momento, após o pedido de reconsideração, entendeu por bem deferir a realização da prova.

Deve ser relevado que o juiz é o destinatário da prova, razão pela qual, entendendo ser pertinente a prova, pode determinar a produção, até mesmo de ofício.

Dessa forma, por não haver qualquer nulidade na oitiva da testemunha, nego provimento ao agravo retido de f. 647/652.

O agravo retido apresentado à f. 675 foi interposto por Paulo Cury Neto contra a seguinte decisão:

"Indefiro o pedido de ofício para que o Tabelionato de Nota envie cartão de assinaturas da testemunha ouvida em juízo, relacionado ao documento de fl. 114, porquanto tal documento não é novo, sendo que fora juntado no ano de 2005, por ocasião da interposição da contestação, razão pela qual não cabe qualquer pedido relacionado a incidente de falsidade de assinatura do aludido documento, eis que, no tempo oportuno, nada foi dito ou requerido, não cabendo pedido ou expediente relacionado às assinaturas do documento de fl. 114, por não ser cabível por intempestividade, tendo ocorrido, ainda, preclusão. Aliando a esse aspecto, os autos já contemplam provas em demasia para análise e crivo desse juízo com exame de mérito."

Em suas razões recursais, o autor/agravante sustenta que não ocorreu preclusão, uma vez que, apenas no momento da audiência, pela prova testemunhal, verificou que a assinatura lançada à f. 114 lhe era imputada.

Assim, entende ser imprescindível a realização de perícia sobre a referida assinatura, bem como entende ser imprescindível a determinação ao cartório para que junte aos autos os cartões de assinatura de reconhecimento de firma para comparativa entre a assinatura do cartório e a assinatura de f. 114.

O referido documento de f. 114 é o segundo contrato de "compromisso particular de compra e venda de imóvel rural" supostamente firmado pelas partes. Nele, há supostamente a assinatura do agravante.

Apesar da irresignação apresentada pelo agravante, não se verifica qualquer prejuízo a sua defesa. É que o Cartório de Notas apenas atestou o reconhecimento de firma por semelhança, ou seja, atestou que a assinatura constante no documento é semelhante à assinatura existente no cartão de firma arquivado no cartório.

Não obstante, ocorreram duas perícias em juízo para análise da assinatura do autor no contrato.

Ora, a perícia é suficiente para que se ateste a autenticidade das assinaturas, sendo completamente dispensável a apresentação dos cartões de assinatura do cartório que foram utilizados apenas para reconhecimento de firma por semelhança.

Ademais, o agravante não demonstrou como a presença dos cartões poderia alterar as conclusões da perícia quanto à autenticidade de sua assinatura, sobretudo quando a cópia do cartão de reconhecimento de firma foi utilizada na perícia (cf. f. 446/447).

Dessa forma, nego provimento ao agravo retido de f. 675.

Busca o autor Paulo Cury Neto ser reintegrado na posse do imóvel de que afirma ser proprietário. O imóvel foi adquirido do réu José Caetano Borges Neto, que permaneceu no imóvel supostamente por força de contrato de comodato verbal celebrado pelas partes.

Preceitua o Código de Processo Civil que "o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho" (art. 926 do CPC/73 e art. 560 do CPC/15), incumbindo ao autor provar:

"I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção ou a perda da posse, na ação de reintegração" (art. 927 do CPC/73 e art. 561 do CPC/15).

Dissertando a respeito, Humberto Theodoro Júnior observa, com a costumeira precisão, que a ação de reintegração de posse "tem como fito restituir o possuidor na posse, em caso de esbulho", entendendo-se como tal "a injusta e total privação da posse, sofrida por alguém que a vinha exercendo" (Curso de direito processual civil. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 3, p. 120).

A ação possessória visa garantir posse preexistente hostilizada por uma ofensa concreta, sendo irrelevante o título de domínio.

Assim, nesta ação, que visa à retomada da posse em caso de esbulho, incumbe ao autor comprovar a privação total da posse que exercia anteriormente em decorrência de ato injusto praticado pelo réu.

Resta incontroverso nos autos que José Caetano Borges Neto sempre exerceu a posse direta sobre o imóvel, uma vez que tal fato é atestado inclusive por Paulo Cury Neto e foi corroborado pelas testemunhas.

O que resta controverso é se José Caetano Borges Neto encontra-se no imóvel apenas por força de comodato verbal, o que justificaria, em tese, a procedência do pedido inicial, após a notificação.

Quanto ao suposto comodato, Paulo Cury Neto não o comprovou. Não há nos autos qualquer prova no sentido da existência do comodato, como pode ser inferido pelos relatos das testemunhas às f. 580/585.

Nem mesmo qualquer notificação foi enviada para José Caetano Borges Neto, o que poderia, em tese, pôr fim ao contrato de comodato. Limitou-se Paulo Cury Neto a demonstrar o registro de propriedade das terras em discussão.

Por outro lado, José Caetano Borges Neto trouxe aos autos um contrato particular de compra e venda por meio do qual readquire a propriedade das referidas terras (cf. f. 15/18 dos autos em apenso).

É de se ressaltar que, apesar de as duas partes afirmarem serem proprietárias do imóvel, o teor da Súmula 487 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe que "será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio; se com base neste ela for disputada", não deve ser aplicada ao caso.

Isso porque, embora ambas as partes tenham afirmado que são os verdadeiros proprietários do imóvel, José Caetano Borges Neto não ficou adstrito à alegação da propriedade, mas também comprovou a posse, como pode ser vislumbrado nos relatos das testemunhas (cf. f. 129/132 dos autos apensos) e pelos documentos juntados às f. 40/63 dos autos apensos, em que se nota que José Caetano arrenda parte do referido imóvel a terceiros.

Ou seja, a discussão das partes não se limitou à alegação de propriedade.

Além disso, Paulo Cury Neto impugnou a assinatura do contrato apresentado por José Caetano Borges Neto, tendo sido elaborados dois laudos periciais para a análise da autenticidade da assinatura, que alcançaram resultados conflitantes.

Os laudos elaborados são completamente conflitantes, uma vez que um atestou a autenticidade da assinatura e o outro a sua falsificação, não sendo possível privilegiar um em desfavor do outro.

Ademais, José Caetano Borges Neto colacionou cópia de acórdão proferido nos Embargos de Terceiros nº 0701.06.152259-8 (cf. f. 832/835), em que se discute o mesmo imóvel dos presentes autos e em que restou consignado:

"compulsando os autos, resta indubitável que o embargante adquiriu o imóvel em discussão através de contrato particular de compra e venda, sendo inquestionável a assinatura do vendedor conforme prova pericial às f. 338/382, antes da hipoteca realizada com a empresa embargada, o que sobreleva dizer não se tratar de fraude à execução" (f. 834).

Assim, além de a discussão da propriedade não estar bem delimitada na demanda, conforme exaustivamente dito, a presente ação discute posse, não tendo ficado adstrita à propriedade, não sendo o caso de aplicação da Súmula 487 do Supremo Tribunal Federal.

A propósito:

``Apelação cível. Manutenção de posse. Preliminar de nulidade da sentença. Alegação com base em domínio. Súmula 487 do STF. Legitimação possessória configurada. Requisitos do art. 927 do CPC demonstrados. - Não há nulidade da sentença por julgamento citra petita quando o magistrado efetivamente enfrenta as questões que lhe foram postas e delineia argumentos suficientes para acolher a pretensão inicial. Nos casos em que as partes disputam a posse, invocando ambas a titularidade (domínio) do bem litigioso com base apenas no domínio, afigura-se cabível, conforme disposto na Súmula 487 do STF, no sentido de que `será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada'. A proteção possessória está condicionada à demonstração da existência da posse anterior e do esbulho, sendo que, estando comprovada a existência de tais elementos é de ser deferida a proteção possessória prevista no art. 927 do CPC'' (TJMG - Apelação Cível 1.0073.12.000875-7/001 - Relator: Des. Marco Aurélio Ferenzini - 14ª Câmara Cível - j. em 1º.10.2015 - p. em 07.10.2015).

``Recurso especial. Ação de reintegração de posse. Alegação de domínio. Inocorrência das exceções admitidas. Impossibilidade. Reexame de provas. Inviabilidade. Súmula 7/STJ. - 1. A teor da jurisprudência desta Corte, em se tratando de ação possessória, descabe discussão sobre domínio, exceto se os litigantes disputam a posse alegando propriedade ou quando duvidosas ambas as posses suscitadas. Inocorrem, no caso, ambas as hipóteses. Assim, incensurável o v. acórdão que julga carecedor de ação - por falta de adequação do pedido autoral à providência requerida - o proprietário que invoca a proteção possessória fundada em título dominial. 2. De outro lado, a pretensão do recorrente de reexame das provas, sob o argumento de não terem sido devidamente analisadas pelas instâncias ordinárias, encontra óbice na Súmula 7/STJ" (REsp 755861/SE - Relator: Ministro Jorge Scartezzini - j. em 16.08.2005).

De tudo isso, concluo que o autor não exerceu posse indireta ou direta sobre o imóvel em discussão, que pudesse ter sido esbulhada pelo réu.

Nesse sentido:

"Apelação cível. Ação de reintegração de posse. Ausência de comprovação da posse anterior ao alegado esbulho. Improcedência do pedido. - Nos interditos possessórios, mormente o de reintegração de posse, impõe-se ao requerente a produção da prova do exercício da sua posse sobre o imóvel no momento do esbulho, sendo desinfluente, no caso, questão relacionada à propriedade. Se não existem nos autos provas satisfatórias neste sentido, não se há falar em direito à reintegração" (Apelação Cível nº 1.0175.07.010268-6/001 - 17ª Câmara Cível - Relator: Des. Luciano Pinto - j. em 09.10.2014 - p. em 21.10.2014).

Com tais considerações, nego provimento ao primeiro recurso de apelação, interposto pelo autor.

Custas recursais, pelo apelante. Suspendo, contudo, a exigibilidade de tais ônus, por estar ele amparado pela assistência judiciária gratuita.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Tiago Pinto e Antônio Bispo.

Súmula - NÃO CONHECERAM DO SEGUNDO RECURSO DE APELAÇÃO, NEGARAM PROVIMENTO AOS DOIS AGRAVOS RETIDOS E NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO DE APELAÇÃO.

Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico


•  Veja outras notícias