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04/01/2017

Artigo: Comunicação de venda de veículos pelos cartórios (Espírito Santo) - Rodrigo Reis Cyrino

Neste ano de 2016, o Deputado Estadual Bruno Lamas propôs um projeto de lei nº 270/2016, para possibilitar os cartórios extrajudiciais a fazerem a comunicação de venda de veículos no momento do reconhecimento de firma. Esta medida é extremamente importante e trará um grande ganho para o usuário, apesar de entendermos que o projeto ainda precisa ser ajustado em alguns aspectos.
 
O artigo 1º, do PL 270/2016  estabelece que: “Art. 1º  Ficam os cartórios notariais obrigados a comunicar ao Detran-ES a transferência de propriedade de veículos no ato do reconhecimento das firmas do vendedor e do comprador, apostas no Certificado de Registro de Veículo - CRV.”
 
Sobre a proposta, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, comunicar a venda do veículo é uma obrigação legal do “proprietário vendedor” que tem um prazo de até 30 dias para realizá-la. Já o "novo proprietário" deve realizar, dentro dos mesmos 30 dias, a transferência do veículo junto ao órgão executivo de trânsito do seu Estado. No entanto, durante este período, infrações poderão ser cometidas pelo "novo proprietário", e as responsabilidades civil, administrativa e criminal ainda serão solidariamente do “proprietário vendedor”.
 
Hoje o usuário, após o reconhecimento de firma no Cartório de Notas, precisa procurar o DETRAN para realizar tal comunicação, o que traz um trabalho a mais para o cidadão e que na maioria das vezes não é feito. 
 
No entanto, atualmente, no momento do reconhecimento de firma, há a possibilidade do próprio Cartório de Notas já efetivar a comunicação da venda do veículo ao DETRAN, diretamente na base de dados do Sistema RENAVAM, de acordo com o artigo 134, da Lei 9.503 – do Código de Trânsito Brasileiro, portaria 288/2009 do DENATRAN e Resolução 398/2011 do CONTRAN, o que dá mais agilidade, segurança e eficiência na alienação do veículo. Desta forma, todas as transações serão realizadas de forma imediata, transparente, e segura, impedindo que quaisquer responsabilidades solidárias recaiam sobre o antigo proprietário, o que isentará imediatamente os usuários de possíveis cobranças indevidas de multas e de IPVA.
 
Hoje, enquanto o proprietário do veículo não se dirigir ao órgão de trânsito (DETRAN) para entregar a cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente preenchido, datado e assinado, ficará responsável pelo bem até que o novo proprietário proceda a transferência para o seu nome. Apesar da Lei 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 123, §1º estabelecer que o prazo para o proprietário adotar as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo é de trinta dias e, ainda, por força do art. 233 do mesmo Diploma Legal, penalizar com multa de natureza grave quem assim não proceder, nem sempre é o que ocorre, o que traz implicações ao antigo proprietário, quando este não adota as providências do art. 134 do CTB, gerando problemas até mesmo para o DETRAN.
 
Veículos não transferidos e sem comunicação de venda estimulam outras irregularidades, em especial infrações de transito, pelo aspecto pecuniário quando o total dos débitos se aproxima do valor do bem, mas, especialmente, por permitir que o real condutor continue a praticá-las impunemente quando não identificado para efeitos de pontuação em sua CNH, com eventualmente cassação. O mesmo ocorre em práticas criminosas, em especial contrabando, que prefere o uso de veículos sobre os quais não haja registro de roubo/furto. A maioria dos veículos apreendidos na fronteira pela Receita Federal e Polícia Rodoviária Federal, informações de Foz do Iguaçu - PR são veículos financiados na modalidade leasing que permaneciam em nome da financeira, quitados ou não.
 
Dessa forma, levando em conta a correria do dia a dia que envolve os cidadãos brasileiros, o Conselho Nacional de Trânsito, considerou que quando da transferência de propriedade do veículo a ida ao cartório era condição "sine qua non" e, considerando, ainda, a competência a ele atribuída pela Lei 9.503/97, art. 12, em especial os incisos I, II e X, entendeu por celebrar um Contrato com a Federação Brasileira de Notários e Registradores- FEBRANOR de forma que o Cartório, quando da autenticação do comprovante de transferência de propriedade, ao verificar o seu devido preenchimento, data e assinatura, pudesse enviar ao sistema integrado junto ao DENATRAN a comunicação de venda, nos mesmos moldes da previsão do art. 134 do CTB, garantindo, assim, a isenção de qualquer responsabilidade por parte do antigo proprietário ao veículo objeto da transação comercial. Vale ressaltar que o ato celebrado com a FEBRANOR em sua cláusula sétima, que trata do sigilo e da propriedade, dispõe que fica vedada à FEBRANOR a sua disponibilização, locação, repasse ou venda, a qualquer título, a terceiros. Recebida a comunicação, o DENATRAN repassa a informação ao DETRAN responsável pelo registro do veiculo.
 
Quanto ao contrato celebrado pela União, por intermédio do Ministério das Cidades, por seu Departamento Nacional de Trânsito e a Federação Brasileira de Notários e Registradores-FEBRANOR visando o acesso aos dados contidos no sistema do registro nacional de veículos e envio de arquivos eletrônicos, para realização do serviço de Comunicação de Venda Eletrônica em Cartório, convém observar que de acordo com o art. 236 da Constituição Federal, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
 
Atendendo ao disposto no artigo 236, da CF/88, foi editada a Lei n° 8.935/1994, que regula as atividades, disciplina a responsabilidade civil e criminal dos Cartórios e de seus propostos, e define a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. Neste sentido, os Cartórios encontram-se subordinados às normas de Direito Público e aos princípios administrativos em geral, pois a função que exercem é pública originalmente do Estado, transferida por delegação a eles, para prestação em caráter privado. A essência do trabalho que exercem está fundamentada no conceito de fé pública, visto que esta é a qualidade atribuída ao Tabelião pelo Estado, pela qual se considera verdadeiro tudo aquilo que ele atesta. Daí ser a fé pública um dos princípios típicos do Direito Notarial.
 
Portanto, o contrato celebrado entre o Ministério das Cidades, por meio do DENATRAN e a FEBRANOR visa tão somente oportunizar maior segurança aos proprietários de veículos por ocasião da transação comercial com o veículo, bem como objetiva tornar mais célere a atualização das Bases Nacional e Estadual.
 
Dessa forma, verifica-se que a medida prevista pela Resolução n° 398/2011 em nada fere o estabelecido pelo art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro, apenas oportuniza outra modalidade de comunicação de venda junto aos órgãos de trânsito, introduzindo a modalidade eletrônica, conferindo facilidade para aqueles cidadãos que não tenham tempo de se dirigir pessoalmente ao órgão de trânsito, em conformidade com a Lei.
 
I – SERVIÇO FACULTATIVO A CRITÉRIO DO CIDADÃO –PARTE DO VALOR É REPASSADO AOS ÓRGÃOS PÚBLICOS DO ESTADO
 
Frise-se: tal serviço deverá ser prestado FACULTATIVAMENTE pelos Cartórios de Notas, onde o usuário poderá ou não optar por esse serviço no momento do reconhecimento de firma. Porém, entendemos que para a comunicação de venda há que se prever no projeto a aplicação da tabela 3 ou outra tabela pertinente para a cobrança dos emolumentos, com a emissão da certidão competente ao usuário, sendo neste valor incluídos valores que serão revertidos a diversos Órgãos do Estado do Espírito Santo, quais sejam: Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público e Procuradoria Geral do Estado, onde o Cartório poderá arquivar em meio físico ou digital a respectiva certidão em seu acervo ou banco de dados, conferindo segurança jurídica e fé pública ao ato.
 
Por oportuno destacamos a importância social do projeto e seus benefícios para a população de todos os níveis, uma vez que a possibilidade de comunicação imediata de venda de veículo desburocratiza o procedimento, traz celeridade e agilidade, poupa tempo do cidadão, que antes era obrigado a se deslocar até o órgão do DETRAN e, acima de tudo, traz justiça social aos vendedores, que deixam de ter seus nomes lançados como infratores de trânsito, quando, em verdade, são inocentes.
 
II – OS CARTÓRIOS POSSUEM FÉ PÚBLICA, SÃO FISCALIZADOS PELO PODER JUDICIÁRIO, EXERCEM UMA FUNÇÃO PÚBLICA EM TODO O ESTADO E TÊM RESPONSABILIDADE CIVIL POR SEUS ATOS
 
Os Cartórios poderão perfeitamente fazer a comunicação da venda de veículos ao DETRAN, pois possuem a fé pública notarial, que é a presunção de certeza e verdade dos atos que o Tabelião pratique e das certidões que expeçam nessa condição, sendo a confiança atribuída por lei ao ato que esses profissionais do Direito declarem ou façam, no exercício da função, com presunção de verdade, o que garante segurança jurídica e validade de seus atos. Os titulares dos Cartórios exercem a função pública, após regular aprovação em concurso público.
 
Ademais, os Cartórios são fiscalizados pelo Poder Judiciário, que atua tanto em âmbito local como estadual, zelando através das correições e inspeções, para que os serviços sejam prestados com rapidez, qualidade e segurança jurídica aos cidadãos, o que garante a seriedade e eficiência desses serviços.
 
Por fim, os Cartórios estão presentes em todos os Municípios e Distritos do Estado do Espírito Santo, conforme lista de Comarcas em anexo, o que facilitará a comunicação da venda de veículos ao DETRAN pelos usuários, atingindo o princípio da eficiência e o do interesse público. Isso sem contar, que os titulares dos Cartórios respondem civilmente, administrativamente e criminalmente por seus atos. É de notório conhecimento que são inúmeros casos em que o DETRAN/ES é responsabilizado civilmente pelos prejuízos causados a terceiros em razão da troca ou transferência indevida do titular da propriedade do veículo por conta de fraudes ou atraso na sua transferência, o que será transferido integralmente aos Cartórios, quando for utilizada a comunicação eletrônica de  venda.
 
III – EXISTÊNCIA DA COMUNICAÇÃO DE VENDA PELOS CARTÓRIOS EM OUTROS ESTADOS DA FEDERAÇÃO
 
Tal proposta, que autoriza a adoção do Sistema de Comunicação Eletrônica de Veículos pelos Cartórios de Notas, nos moldes aqui propostos, já foi aprovada em outros Estados da Federação, através da publicação dos Provimentos, publicados pelos seguintes Tribunais de Justiça:
 
a) RIO GRANDE DO SUL; 
b) PERNAMBUCO; 
c) RIO DE JANEIRO; 
d) MINAS GERAIS; 
e) RIO GRANDE DO NORTE; 
f) AMAZONAS; 
g) TOCANTINS;
h) MATO GROSSO DO SUL.
 
A comunicação eletrônica de venda de veículos pelos Cartórios tem o nítido propósito de conferir efetividade ao artigo 134, do Código de Trânsito Brasileiro que diz que, o “proprietário vendedor” de um veículo tem até 30 dias para fazer a transferência de propriedade do mesmo. No entanto, historicamente, a “comunicação de venda documental”, como já dito, vem se revelando ineficaz, na medida em que, na maioria das vezes, o vendedor do veículo não atende a determinação legal e deixa da comunicar a venda, o que mantêm desatualizadas as bases de dados do DETRAN do Estado do Espírito Santo, desencadeando consequências na esfera CÍVEL, ADMINISTRATIVA e CRIMINAL.
 
Nesse passo, a consequência da não comunicação da venda pelo usuário ao DETRAN é:
 
a) antigos proprietários são multados de forma equivocada e cobrados indevidamente pelo Estado por infrações que não cometeram e pelas quais não são, portanto responsáveis;
 
b) pontos são atribuídos indevidamente nas carteiras de habilitação de inocentes que são também, cobrados por impostos que não devem – o IPVA – e, não raro, têm seus nomes inscritos de modo impróprio, nos cadastros de Dívida Ativa dos Estados;
 
c) o Estado gasta recursos com a operacionalização de cobrança contra cidadãos que nada devem, deixando de se alcançar o verdadeiro devedor, na autuação e cobrança de multas dirigidas a endereços desatualizados;
 
d) recursos deixam de ser aplicados em políticas de educação e segurança no trânsito;
 
e) acidentes de trânsito e de vítimas deixam de ser evitados e/ou devidamente apurados, mantendo-se inocentes e incólumes os reais responsáveis.
 
Portanto, penso que o projeto de lei existente no Estado do Espírito Santo é importantíssimo e trará grandes ganhos a toda a sociedade, com a possibilidade de mais uma opção facultativa ao usuário, mas que merecerá alguns ajustes, para que realmente haja uma melhor prestação desse serviço pelas serventias extrajudiciais, com a implementação, utilização e manutenção de ferramentas necessárias para tanto.
 
* Rodrigo Reis Cyrino

Tabelião de Notas do Cartório do 2º Ofício - Tabelionato de Linhares - ES
Membro da Comissão de Segurança e Tecnologia da Comissão de Assuntos Americanos da União Internacional do Notariado - UINL
Vice-presidente regional do Sudeste da Diretoria do Colégio Notarial Federal - Conselho Federal
Presidente do Colégio Notarial do Brasil - Seção Espírito Santo
Diretor do Tabelionato de Notas do Sindicato dos Notários e Registradores do Espírito Santo - SINOREG-ES
Mestre em Direito Estado e Cidadania
Pós Graduado em Direito Privado e Direito Processual Civil
Palestrante em Direito Notarial e Registral
Autor de diversos artigos
 
Email: cartorioreis@gmail.com

Fonte: Colégio Notarial do Brasil


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