Múltiplas e díspares tem sido as interpretações dadas pelos tribunais aos dispositivos legais que regulam a união estável.O cotidiano forense tem trazido à baila as diversas controvérsias que grassam em torno das repercussões jurídicas das uniões fáticas quando comparadas ao casamento. No julgamento do REsp 1.254.252/SC, o STJ, lançou luzes sobre uma questão que permanece controvertida na doutrina e na jurisprudência, referente à extensão de direitos e deveres do casamento à união estável1. O tema é recorrente, sendo muitos os autores partidários de um igualitarismo pleno entre todas as entidades familiares, a fundamentar, por exemplo, as diversas arguições de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/02. No que tange ao regime de bens, tem prevalecido no âmbito do STJ o entendimento de que o regime aplicável à união estável entre septuagenários é o da separação obrigatória. (Vide, por todos, o REsp 646.259/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão). No julgamento do REsp 1.090.722, o ministro Massami Uyeda ressaltou expressamente que "a não extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus (falecido), constante do artigo 1.641, II, do Código Civil, à união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário". O entendimento, com todo respeito, infringe a máxima hermenêutica segundo a qual as normas que limitam direitos devem ser interpretadas restritivamente. Já temos nos manifestado, em outras ocasiões, que essa pretensão de igualitarismo entre união estável e casamento viola o princípio constitucional da liberdade, vedando que se escolha, com base na formatação jurídica, a entidade familiar que melhor se amolde aos projetos do casal. Além de afastar completamente o interesse na conversão da união estável em casamento. O princípio da isonomia, por outro lado, não proíbe que entidades familiares distintas, não obstante igualmente protegidas pelo Estado, possuam regramentos legais diferenciados. Direitos e deveres do par casamentário podem ser diversos daqueles existentes entre o par convivencial. Entretanto, deixando de lado a polêmica do igualitarismo das entidades familiares, o caso versado no REsp 1.254.252/SC diz respeito à aplicação do regime da separação obrigatória etária ao casamento (CC/02, art. 1.641, II), quando precedido de união estável iniciada antes de atingida a idade legal restritiva. A matéria já havia sido apreciada em 2011, no julgamento do REsp 918.643, onde, por maioria de votos, se decidiu que "o reconhecimento da existência de união estável anterior ao casamento é suficiente para afastar a norma, contida no CC/16, que ordenava a adoção do regime da separação obrigatória de bens nos casamentos em que o noivo contasse com mais de sessenta, ou a noiva com mais de cinquenta anos de idade, à época da celebração. As idades, nessa situação, são consideradas reportando-se ao início da união estável, não ao casamento". O tema voltou a debate em 2014 e a 3ª turma, desta feita por unanimidade, consolidou o entendimento de que o regime da separação obrigatória deveria ser afastado, pois "se tivesse sido, desde logo, celebrado o casamento, quando iniciado o relacionamento entre as partes, o qual perdurou, no total, por mais de 30 anos, não haveria a obrigatoriedade da adoção do regime da separação obrigatória de bens, pois o de cujus ainda não completara 60 anos de idade". Ao contrário dos casos anteriormente aludidos, em que se estendeu regra restritiva do casamento à união estável, aqui o Tribunal se valeu da união estável para afastar a aplicação da norma restritiva ao próprio casamento.
_______________ Mário Luiz Delgado é advogado e sócio fundador do escritório MLD – Mário Luiz Delgado Advogados. Doutor pela USP, mestre pela PUC/SP e professor da Escola Paulista de Direito. Diretor de Assuntos Legislativos do IASP. |