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05/02/2015

Artigo: Cartório, um nome a ser preservado - Marco Antonio de Oliveira Camargo

Foi editada a Lei nº 16.578 do Estado de Santa Catarina  que disciplina, naquele Estado da Federação, o uso dos termos “cartório” e “cartório Extrajudicial” (ao final, transcrito o inteiro teor do dispositivo).  

Certamente não é supérflua ou desnecessária, como à primeira vista pode parecer, a edição de um dispositivo legal desta natureza.

É fato que pessoas e empresas, percebendo a existência de um potencial para ganhos e vantagens econômicas, venham a se apropriar indevidamente da denominação cartório para suas atividades comerciais ou empresariais. Exemplo notório é o CARTÓRIO POSTAL, empresa privada, que em nada se relaciona com os cartórios ou os correios e tem como atividade econômica fundamental a prestação de serviços intimamente ligados aos serviços prestados privativamente pelos notários e registradores brasileiros.

O aprofundamento da análise desta lei estadual, suas características, méritos, eventuais falhas e a oportunidade e conveniência de sua replicação em outros estados ou, quiçá, em nível federal, não é o tema deste trabalho (isso certamente será feito pelos colegas catarinenses e de outros estados do país). O que ora se propõe é uma análise, ainda que rasteira e superficial, de um desdobramento dela decorrente: o surgimento no cenário nacional desta lei estadual reascendeu o velho debate que existe no seio da classe notarial e registral, sobre a conveniência do abandono da velha denominação, substituindo-a pelo nome que consta da Constituição e de Lei federal regulamentadora.

O texto oficial da Lei 8935/94 - que, dispondo sobre os serviços notariais e de registro, regulamentou o artigo 236 da Constituição Federal - em  suas mais de 3500 palavras,  efetivamente não contém uma única vez o termo cartório (se algum leitor cético duvidar do resultado alcançado pelo editor de textos utilizado pelo autor, fica o desafio: confira por si próprio).

É bem verdade, entretanto, que a palavra “cartórios” foi acrescida ao título da lei para melhor identificar tal dispositivo. Trata-se, efetivamente, da “lei dos cartórios” e este codinome consta da publicação disponível no Portal da Legislação - acesso por http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm .  

Ressalve-se ainda que a Constituição Federal, no referido artigo 236, igualmente não se utiliza da expressão Cartório, para se referir ao local físico onde notários e oficiais de registro exercem as suas funções. Em seu parágrafo 3º encontra-se a disposição: O ingresso na atividade ... não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso... (grifei).

Parece evidente, que no lugar da palavra serventia o constituinte poderia ter usado a denominação pela qual, há décadas, é conhecido popularmente este tipo de serviço público: cartório. Entretanto, curiosamente, isso não foi feito.

O que explicaria estes fatos surpreendentes? Nem a Constituição Federal e nem a Lei Federal que regulamenta a atividade utilizam-se da denominação cartório.

Arrisca-se uma explicação, mas não sem correr o risco de cometer algum equívoco na conclusão alcançada. Certamente, aqueles que participaram diretamente, de alguma maneira, da elaboração do dispositivo constitucional e de seu regulamento, pela lei editada em 1994 (muitos deles ainda estão entre nós, na ativa ou gozando de justa aposentadoria) poderiam indicar alguma erro da conclusão apontada, mas a explicação para este fato curioso é a seguinte: não se usou o termo cartório por entendê-lo, à época, pejorativo, arcaico e representativo de um passado que se buscava superar.

A Constituição de 1988 é um fato histórico; o retrato de uma época. Embora elaborada com vistas ao futuro (que haveria de ser por ela regulado), como obra do engenho humano que é, a Constituição não logrou se dissociar do momento e da situação história que possibilitou a sua existência e gerou seu texto e a inteligência de seus dispositivos.

A esperança de mudanças e a expectativa de um futuro verdadeiramente novo, como de se esperar, eram os vetores daquela Assembleia Constituinte.

Era uma época de mudanças necessárias; limiar de uma nova era; tempo de abandonar o passado - velha roupa suja e desgastada - e imaginar um futuro novo e diferente - radiante vestimenta imaginada, ainda em processo de modelagem. Entretanto, não é raro, que no meio de um processo evolutivo, o homem fique nu, pois, tendo se despido dos farrapos e sem ainda possuir a nova roupa tão cuidadosamente concebida, a ele resta apenas a nudez de um presente em mutação.

Deveras, na Constituição de 1988, buscou-se evitar o nome velho e desgastado para uma instituição centenária mas ainda necessária para a organização e funcionamento pacífico da sociedade. Cartório, da forma como existia naquela época, parecia significar coisa burocrática, atrasada, sinônimo de desmandos e apadrinhamento, uma forma de apropriação de coisa pública por particular cujo mérito seria a bagagem hereditária ou a amizade com os poderosos de plantão. Notoriamente os cartórios do passado, com raríssimas exceções, eram deixados como legado para filhos e netos de beneficiários de uma nomeação, nomeação esta que, já em sua origem, nem sempre era transparente ou motivada pela preservação do bem público.

Mas o tempo passou.

A história, teimosamente, encarregou-se de contraditar previsões, frustrar planos e atropelar costumes. Entretanto, muito surpreendentemente, alguns costumes mantiveram-se estáveis, tendo apenas sofrendo as necessárias adaptações que deles a história exigiu.

O caso dos cartórios brasileiros é um belo exemplo disso.

A história recente dos cartórios no Brasil, diferentemente do que previram nossos colegas que participaram da elaboração da Constituição e da Lei 8935/94, provou que, independentemente de manter o uso do velho nome, os cartórios brasileiros adaptaram-se perfeitamente à nova realidade.
A realização de concursos públicos de provimento somada à uma fiscalização mais rigorosa pelo Poder Judiciário e pelo CNJ, além de uma eficiente orientação e prestação de serviços interligados através de Associações de Classe atuantes e eficientes, como por exemplo o Colégio Notarial (criador da CENSEC), ARPEN (que disponibiliza a CRC), IRIB e outras mais, garantiram uma novo conceito para o serviço público delegado a particular e que é conhecido pelo nome CARTÓRIO.

Existe pesquisa realizada pelo renomado instituto Datafolha que indica existir alto grau de satisfação e confiança da população em relação aos cartórios.

A AnoregSP, que fez realizar tal pesquisa, tem em sua página na internet os resultados deste trabalho de pesquisa, e dos comentários consta a seguinte afirmação: A pesquisa do Datafolha revela também que a imagem dos cartórios em geral é positiva. Por exemplo, os profissionais são bem avaliados, entende-se que o cartório oferece segurança e há percepção de melhoria nos serviços. O uso de tecnologia para agilizar os serviços também é percebido por 68% dos entrevistados.  (confira em http://www.anoregsp.org.br/index.php?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&in=MTEz )

Em arremate é oportuno ressalvar que a evolução e a modernização de uma instituição não dependem do nome pela qual ela é conhecida. Não será o abandono (fruto do anseio pela busca do que é novo) ou a manutenção de um nome antigo (decorrente do apego a um costume tradicional) que irão garantir tal resultado.

O progresso e a evolução resultam de muitos fatores e forças.

Os cartórios no Brasil, com a nova ordem constitucional, tanto evoluíram e modernizaram-se, que a eles é permitida a ousadia de manter o velho nome sem perder a nova identidade conquistada.

É possível afirmar com segurança que, atualmente, apenas na memória dos mais velhos é que a denominação cartório mantém um ranço de coisa arcaica e antiquada. Para a grande maioria dos usuários, os cartórios brasileiros prestam um bom serviço e, por isso, gozam de uma boa reputação.

Cartório, deveras, é um bom nome e deve ser preservado pela instituição.

A lei estadual de Santa Catarina merece ser replicada em outros estados e, segundo entende este autor, seria mesmo oportuna a realização de um debate com vistas a uma possível alteração da Lei 8935/1994, que viesse a reconhecer como de uso privativo dos notários e registradores brasileiros a costumeira denominação cartório, que popular e tradicionalmente, bem identifica o local onde se exercem os serviços públicos a eles delegados, na forma do disposto pela Constituição Federal.  
 
Marco Antonio de Oliveira Camargo – Campinas – SP
(Distrito de Sousas) – Fevereiro de 2015.
Comentários à  citada Lei Estadual,  transcrição integral do dispositivo e ainda o inteiro teor da mensagem de veto parcial à um dos dispositivos da norma  (fonte: página oficial da AnoregSC, acesso em http://www.anoregsc.org.br/noticias/detalhes/1699)

"Fonte: Colégio Notarial do Brasil"


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