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17/11/2014

REGISTRO DE IMÓVEIS E A DESBUROCRATIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS IMOBILIÁRIOS

REGISTRO DE IMÓVEIS E A DESBUROCRATIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS IMOBILIÁRIOS

Keziah Alessandra Vianna Silva Pinto

Registradora de Imóveis de Brumadinho

   burocracia hoje existente para que se consolide a compra de um imóvel com total segurança para o comprador está com os dias contados. Atualmente, para que o comprador adquira um bem imóvel com segurança e certeza, nem sempre absoluta, de que não terá problemas relacionados com dívidas do vendedor depende da obtenção de inúmeras certidões, de vários órgãos públicos, que vão desde certidões no Cartório de Registro de Imóveis, além das certidões de distribuição de feitos ajuizados cíveis e criminais em face do vendedor, perante a Justiça Estadual e Federal do domicílio do vendedor e do local do imóvel, passando pelas certidões trabalhistas, até certidões fiscais federal, estadual e municipal. Pode-se chegar a até vinte certidões por vendedor, multiplicando-se este número pelo total de vendedores. Ainda assim não há segurança absoluta na compra, pois podem existir ações distribuídas em outros Estados e que o comprador desconheça. Há hoje uma verdadeira peregrinação por diversos órgãos para que o comprador possa se cercar de uma aparente segurança jurídica. Estas exigências existem também quando a aquisição será feita com financiamento imobiliário através de instituição financeira.

        Os custos para aquisição de um imóvel aumentam em virtude destas medidas protetivas que deve adotar o comprador, sem embargo da demora para concretização do negócio. Muitas vezes é necessário ainda contratar despachantes ou empresas especializadas para obter todas as certidões, além de ser necessário também contratar um advogado que possa avaliar os riscos diante das informações constantes das certidões. Em resumo, há uma burocracia que encarece o negócio jurídico imobiliário, promovendo um entrave nas relações jurídicas.

        Visando esta desburocratização, a Medida Provisória nº 656, de 7 de outubro de 2014, veio explicitar e dar eficácia concreta ao denominado Princípio da Concentração, que significa trazer para a matrícula onde está registrado o imóvel todas as informações necessárias relativamente a ações judiciais em face do proprietário e que possam ter por objeto o imóvel ou que possam, no futuro, ter o imóvel como garantia.

        Assim, todas as informações relacionadas ao imóvel e ações que possam alcançá-lo já estarão na matrícula, bastando que o comprador tire as certidões de inteiro teor, de ônus e de ações do imóvel que está pretendendo adquirir. Não será mais necessária a peregrinação para juntar inúmeras certidões de diversos órgãos, em nome dos vendedores, pois todas as ações, constrições e ônus que afetam o imóvel já deverão estão registradas ou averbadas na matrícula.

        Segundo a MP 656/2014 “os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, nos termos do art. 615-A, do CPC; III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do art. 593, II, do CPC”.

        A MP 656/2014 traz a segurança jurídica aos negócios imobiliários porque o que não estiver na matrícula não poderá prejudicar o direito do comprador, que é considerado, portanto, de forma absoluta, adquirente de boa-fé.

        É bem verdade que o princípio da concentração já está consagrado no direito brasileiro desde 1973, quando entrou em vigor a Lei nº 6.015, que é a Lei de Registros Públicos. Entretanto, a falta de registro ou averbação de ônus e ações na matrícula não trazia sanção específica para o credor ou titular do direito real.  A falta de consequências efetivas fez com que muitos credores não diligenciassem no sentido de levar a registro ou averbação a existência de ações ou constrições.

        Agora a MP 656/2014 traz como sanção para a omissão em levar para o fólio real (matrícula) a não oponibilidade do ônus ou constrição sobre o imóvel contra o adquirente de boa-fé, ou seja, se o credor ou titular de direito real sobre o imóvel não diligenciar no sentido de levar seu direito para ser inscrito por registro ou averbação na matrícula do imóvel não poderá, em caso de venda do imóvel para terceira pessoa, querer buscar este imóvel como garantia, ao argumento de que a constrição, o ônus ou a ação  sejam anteriores à venda.

        Com a plena eficácia do princípio da concentração o adquirente estará totalmente protegido quando da compra de um imóvel se obtiver as certidões de inteiro teor, ônus e ações, expedidas pelo cartório de registro de imóveis  onde o imóvel está registrado.

        Por outro lado, o credor ou titular de ônus terá o dever de diligenciar para lançar na matrícula do imóvel a constrição ou sua garantia como forma de ver assegurado seu direito presente ou futuro que tenham por objeto o imóvel ou crédito que possa ser garantido pelo imóvel.  Se houver omissão nesta diligência e o imóvel vier a ser vendido, não poderá perseguir o imóvel do adquirente de boa-fé. Assim, por exemplo, se o credor tem contra o proprietário do imóvel uma ação de execução, terá o dever de fazer inserir na matrícula do imóvel de propriedade do devedor a existência da ação de execução, o que já é, de muito, previsto no Código de Processo Civil, art. 615-A. Outro exemplo diz respeito às penhoras, onde o credor deve diligenciar no sentido de registrar a existência de penhora de imóvel na matrícula do mesmo. No caso da penhora, que muito bem ilustra os efeitos da segurança jurídica promovida pelo princípio da concentração, se o imóvel for vendido, o credor não terá mais a garantia da execução pelo bem penhorado, pois o terceiro que adquiriu o imóvel é considerado adquirente de boa-fé, devendo ser levantada a penhora.

        Para o credor ou titular de direito real sobre o imóvel aplica-se a máxima “o direito não socorre a quem dorme”, ou seja, se ele não levar seu direito para registro ou averbação na matrícula não poderá depois se valer daquele imóvel para ver realizado seu direito.

        É importante esclarecer que o princípio da concentração não tem aplicação em relação a bens públicos, em caso  de existir falência e nas hipóteses de aquisição ou extinção da propriedade que independem de registro imobiliário.

        Outro destaque que se faz é que as novas regras não serão, contudo, imediatas. A MP 656/2014 entra em vigor a partir de 7 de novembro de 2014 para atos jurídicos posteriores à sua vigência, ou seja, os atos passíveis de registro ou averbação a que se deva dar publicidade a terceiros (penhora, arresto, sequestro de bens, indisponibilidade, ações reais ou pessoais reipersecutórias e outros) que forem decretados após esta data já se submetem ao princípio da concentração.

        Os atos anteriores à vigência da medida provisória terão prazo de 2 anos para serem incluídos pelos credores e demais interessados. Isso significa que neste período de 2 anos os compradores ainda têm que juntar todas as certidões necessárias para resguardar seus direitos quando da aquisição de um imóvel 

O sistema registral imobiliário e a segurança jurídica 

        O sistema registral imobiliário brasileiro é um dos sistemas mais seguros do mundo. Na relação custo-benefício é também um dos menos onerosos. Isso porque a atividade é desenvolvida por operadores do Direito, ou seja, bacharéis em Direito que são submetidos a rigoroso concurso público de provas e títulos, em quatro fases, para prestarem o serviço com competência e eficiência necessários para que se tenha em relação à propriedade imóvel a segurança jurídica.

        Os registradores têm o dever legal de analisar os aspectos formais do título que é apresentado para registro. Com o registro do título há a necessária segurança jurídica em relação ao imóvel e aos direitos dele decorrentes.

        Assim, os proprietários têm a certeza de que seu direito está formalmente ajustado às normas legais vigentes.

        Além da segurança jurídica que emana do registro imobiliário, também existe outro importante efeito que é a publicidade. Qualquer pessoa pode solicitar certidão sobre qualquer imóvel registrado no cartório de registro de imóveis. Isso traz a segurança de que todos conhecem ou têm meios de conhecer o proprietário do imóvel, sua origem, além de direitos reais de terceiros e outras informações relevantes relacionadas com o imóvel.

        Não bastassem estes efeitos imediatos, talvez o mais importante deles seja justamente o da constituição do direito de propriedade, que só se dá pelo registro do título aquisitivo no cartório de registro de imóveis. Aplica-se aqui o velho brocardo jurídico “quem não registra não é dono”, pois a propriedade só se transfere ao adquirente com o registro imobiliário. Isso significa que não basta o comprador ter a escritura pública de compra e venda do imóvel ou o adquirente ter um título judicial como formal de partilha, carta de adjudicação ou arrematação. Para que o imóvel seja de propriedade deste adquirente o título aquisitivo tem que ser registrado no cartório de registro de imóveis.

        A recomendação é de que o registro seja feito imediatamente após a celebração do negócio, pois o que assegura o direito de propriedade é a ordem de preferência do protocolo no cartório. Assim, se um vendedor vender o mesmo bem para duas pessoas diferentes, não importa a data de cada uma das vendas, só vai ter direito ao imóvel aquele que levou seu título para ser registrado primeiro.

        Agora, com o princípio da concentração efetivado há mais um motivo para o imediato registro do título aquisitivo, pois só poderão prejudicar o negócio realizado os atos que já constarem da matrícula do imóvel e que, portanto, serão de conhecimento do adquirente. Assim, ainda que o imóvel esteja penhorado há algum tempo, se não constar da matrícula o registro da penhora, o adquirente não será afetado, desde que a constrição seja posterior à vigência da MP 656/2014.

        Isso vem reforçar a segurança jurídica que o registro imobiliário proporciona à sociedade, concentrando todas as informações necessárias sobre o imóvel na matrícula do imóvel.

        Muitas outras mudanças vêm acontecendo no sentido de fortalecer o princípio da concentração. Outro exemplo é a Central de Indisponibilidade de Bens, em fase de implantação, onde todos os cartórios de registro de imóveis do país estarão interligados, juntamente com todos os juízos e tribunais, para que as decisões sobre indisponibilidade de bens sejam imediatamente comunicadas e lançadas nas matrículas dos imóveis das pessoas que sofrem ações judiciais e têm contra si decisão de indisponibilidade de bens. Esta medida que impõe um trabalho conjunto do Poder Judiciário e dos Ofícios de Registro de Imóveis vêm reforçar a importância do sistema registral imobiliário brasileiro e proporcionar mais segurança jurídica às relações comerciais envolvendo imóveis.

        Somente através de um sistema registral como o brasileiro, onde todas as informações relativas a um bem imóvel concentram-se em um único cartório, que é o da competência territorial do imóvel, é possível a efetivação de segurança jurídica nos negócios jurídicos imobiliários.


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