Notícias

17/09/2014

Registros Civis Eletrônicos – um admirável mundo novo.

Dando curso à divulgação do Seminário Registros Públicos e Notas Eletrônicos, que se inicia na próxima quinta-feira, em São Paulo (nota abaixo), hoje entrevistamos o registrador Marcelo Salaroli de Oliveira, diretor da Arpen-SP – Associação dos Registradores Civis das Pessoas Naturais de São Paulo, que nos concedeu as respostas deliciosamente adequadas e pertinentes que o leitor lê em seguida. 

Marcelo Salaroli foi registrador imobiliário, com quem convivi na presidência do IRIB – Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. Convidei-o para integrar o ilustre Conselho Editorial da Revista de Direito Imobiliário, de quem foi um competente coordenador. Além disso, Marcelo é excelente poeta, de quem furtei o haikai que se lê numa das perguntas. 

Hoje registrador civil das pessoas naturais, desempenha um papel destacado na ARPEN-SP, em nome de cuja entidade nos concedeu a entrevista. (Sérgio Jacomino). 

“O nascimento do SIRC representa o óbito do sistema tradicional de registro civil?” – esta foi uma pergunta adrede provocadora para que os registradores civis pudessem expor a trajetória de sua experiência com o governo federal. Os registros civis estiveram assentados na Igreja Católica no passado e foram delegados ao particular. Agora vivemos uma época de apropriação desses dados desejados pelo próprio estado. ?O que pensa a respeito disso? 

?Informação é poder. É normal que o Estado deseje os dados do registro civil, até para que exerça o seu poder em prol dos cidadãos, organizando de forma eficiente os serviços públicos. Mas a história nos mostra que, junto com o poder, vem o abuso do poder e o desvio de finalidade. A solução que temos para isso, também apontada pela história, é a divisão do poder, que não pode ficar concentrado em uma só pessoa, nem em um só órgão ou instituição. Por isso é importante que os dados do registro civil, ainda que informatizados, permaneçam sob a guarda e conservação do Oficial de Registro. Estes profissionais do direito estão capacitados para realizar um filtro no acesso e publicidade destes dados, bem como identificar as pessoas que consultaram os dados sensíveis, o que significa transparência no exercício do serviço público e garantia dos direitos fundamentais do cidadão. ? 

Os dados do R?egistro ?C?ivil? já foram objeto de ataques cibernéticos? Comente as reportagens: site divulga informações pessoais de brasileiros?? e ataque ao INFOSEG

As notícias que temos hoje de perda do controle dos dados do registro civil, caindo nas mãos de ?criminosos ou de ?entidades privadas, que irão utilizá-los conforme sua lógica própria, ? inclusive para vender essas informações, ? tem acontecido por meio de órgãos do Poder Público?, como se vê nessas reportagens, nunca diretamente do acervo do Registro Civil. Na pergunta anterior, comentei o perigo de que os dados fiquem concentrados nas mãos do Estado, mas também há o perigo dos dados serem devassados por particulares, que igualmente poderão fazer mal uso das informações, sem que seja possível apur?ar ?a responsabili?dade. ?Se o Registrador Civil permanecer com sua missão histórica de colher e guardar os atos vitais dos cidadãos, disponibilizando-os conforme as regras próprias, ?sem necessidade de transferir esses dados para o Governo, teremos uma forma democrática e segura de preservação desses dados, por um profissional que já é tradicionalmente especializado em conservá-los. 

[Centralização X privacidade] – [descentralização X acesso] – [rapidez X segurança] – estes são alguns binômios tensivos com os quais devemos tratar. Comente. 

? A pergunta está muito bem colocada. Na sociedade contemporânea, para desespero de alguns mais despreparados, não há maniqueísmos, não ?há ?divisão estanque entre o bem e o mal, logo não há necessidade de escolher um dos lados d?o binômio? e fazer dele sua bandeira. É preciso justamente compreender a tensão entre eles e buscar o equilíbrio. Tudo isso aponta para a necessidade de debatermos com tempo e método esses temas, donde decorre a importância deste seminário que a EPM nos participa e convida. Oportunidade ímpar para desenvolvermos esses temas? com a profundidade e abrangência que eles merecem. ? 

Como avalia o grau de informatização dos registros civis brasileiros? Quais são os maiores desafios? Quais são os maiores riscos? 

O Brasil é muito grande e desigual e o Registro Civil também o é. Os Estados de São Paulo?, ? Paraná ?e alguns outros ?já organizaram suas Centrais e alcançaram um nível alto de informatização, já experimentado na prática e que serve de ponto de partida e referência para a informatização nacional. Esse é o desafio: abranger todos os registradores do Brasil num nível de informatização que garanta eficiência, interoperabilidade e segurança. O maior risco ?certamente ?é o financeiro, pois o registro civil vive com o seu orçamento apertado e, no curto prazo, a informatização demanda custos altos, que somente ?poderão ser recuperados no longo prazo. 

Na sua opinião, quais as medidas mais importantes a serem tomadas para que a migração dos meios tradicionais para os eletrônicos se dê de forma ordenada e segura? 

É preciso combater a falsa premissa de que informatizar é desburocratizar, pois a proliferação de sistemas, ?dos mais diversos tipos, ?pelos mais diversos órgãos, ou seja, uma informatização aleatória, torna o exercício da atividade registral mais trabalhosa e burocrática, repleta de redundâncias e inutilidades e, o que é ainda pior, com o risco de se perder todo o trabalho realizado. ??É preciso normas administrativas objetivas, factíveis, eficientes e de âmbito nacional. ?Mas boas normas não serão suficientes sem que os notários e registradores participem ativamente e se preparem para essa? nova fase.? Acontece que os Registradores Civis ?estarão impossibilitados de participar se não tiverem, em todo o Brasil, uma remuneração digna, o que não acontece em Estados que o registro de nascimento é remunerado com apenas R$ 10,00, ou quando, sob a rubrica de compensação dos atos de registro civil, arrecada-se dinheiro que é desviado para outras atividades judiciárias. 

A informatização envolve investimentos de vulto – não só para implantação, mas, principalmente, com a manutenção e gestão do acervo em meios eletrônicos. Os cartórios de RC estão capacitados economicamente para suportar esses custos? 

?Como é sabido, a grande maioria dos atos praticados pelo Registro Civil são gratuitos e a atividade somente subsiste em razão do Fundo de Compensação dos Atos Gratuitos. A importância do Registro Civil é tão grande para o cidadão que a lei determinou a existência de pelo menos um registrador civil em todo município brasileiro. Isso traz outra dificuldade, pois em algumas localidades o número de atos praticados é tão pequeno, que mesmo que sejam compensados, não é suficiente para manter uma porta aberta e um computador conectado para atender a população todos os dias da semana, já que isso tem um custo fixo elevado. A solução é incentivos tributários, fixação de uma renda mínima para serventias deficitárias e a possibilidade de cobrar do usuário do serviço eletrônico taxas administrativas. Já se percebe que o usuário não reclama de pagar essa taxa, pois são módicas, são mais baratas do que seria gasto com despachantes, correios, locomoção, caso não existisse o serviço eletrônico, que é mais eficiente e deixa o cidadão satisfeito. Essas taxas administrativas permitem cobrir as despesas de manutenção e gestão do acervo, que devem ser realizadas por meio da associação, de forma coletiva, ?o ?que é mais barato, mais organizado e mais seguro do que a realização individual por cada cartório. 

Como tornar a internet um veículo de universalização e aproximação de usuários dos registros civis? 

?Atualmente, já existe tanto serviço disponível na internet, que levá-la para todos os cantos desse Brasil é uma política pública essencial, que levará mais facilidades e mais qualidade de vida para as pessoas. O Registro Civil já está nesse meio, ?no endereço? http://www.registrocivil.org.br, onde ?já ?se pode solicitar certidões de? nascimento, casamento e óbito de? quatro ??estado?s? e a previsão é que até o final ?de 2015 seja possível? solicitar certidões de qualquer lugar do Brasil e do serviço consular brasileiro no exterior?. Ainda chegaremos a realizar o próprio registro de casamento, óbito e nascimento pela internet. 

Fale sobre os projetos da ARPEN-SP. 

?A Arpen tem uma ampla atuação, em várias frentes. Olha para dentro da classe, oferecendo cursos, assessoria, convênios com empresas, ou seja, facilita e dá respaldo para o trabalho do registrador e também olha para fora da classe, defendendo os temas e levando os serviços do registro civil para o cidadão, a sociedade, o Poder Judiciário, o governo, a imprensa. É impossível pensar o Registro Civil sem a Arpen. Quando analisamos a informatização e interligação dos cartórios, que começou no ano de 1998, com a intranet e expandiu-se assombrosamente, vamos nos dar conta de quão importante é ter uma associação forte. Graças aos sistemas informatizados da Arpen hoje é possível realizar os registros de nascimento nas maternidades, entregando a certidão no mesmo momento, emitir certidões de um cartório para o outro, sem necessidade que o cidadão se desloque, nem necessidade de correios, consultar o índice de registros civis de todos os cartórios do Estado, facilitando assim a localização de registros. Ainda há muito para crescer, como a expansão nacional dos serviços, a interligação com o serviço consular, o protocolo de títulos em um cartório para serem cumpridos em outro. 

Comente a iniciativa da EPM, CGJSP, TJSP e CNJ na realização deste seminário. Qual a sua opinião sobre o evento?? 

?Aproveito? essa questão ?para agradecer, não só pela honra de participar deste seminário, como pela iniciativa em si, que trará muitos frutos para o exercício da atividade registral. Muitos desatinos eletrônicos são cometidos, até mesmo em normas jurídicas, por simples desconhecimento e ignorância, o que acarreta enormes dificuldades e gastos no dia-a-dia do registrador civil. Um seminário como esse, com interlocutores de todas as especialidades notariais e registrais, representantes do Poder Judiciário e especialistas nacionais e estrangeiros sobre a matéria, é uma ocasião muito proveitosa para lançar luzes e abrir caminhos na escuridão da selva eletrônica. 

MARCELO SALAROLI DE OLIVEIRA é Mestre em Direito Privado pela UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (2006). Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (2001). Conselheiro Editorial da Revista de Direito Imobiliário (2004 a 2006). Coordenador da Revista de Direito Imobiliário (2007). Oficial de Registro de Imóveis no Estado de São Paulo (2003-2007). Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais no Estado de São Paulo (desde 2007). Diretor da Associação dos Registradores das Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (Arpen-SP). Co-autor do Livro “Registro Civil das Pessoas Naturais – Volumes I e II”, Coleção Cartórios, Editora Saraiva.


•  Veja outras notícias