Usucapião - Imóvel em comum - Proprietário de fração indivisa - Impossibilidade

- Não cabe ação de usucapião se a parte é proprietária de fração indivisa do imóvel usucapiendo, em comum com outros proprietários.

Apelação Cível n° 1.0145.06.293217-6/001 - Comarca de Juiz de Fora - Apelante: Argentina Maria de Jesus Alves - Apeladas: Roselaine Cardoso Alves e outra - Relator: Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 4 de novembro de 2008. - Guilherme Luciano Baeta Nunes - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES - Trata-se de recurso de apelação interposto por Argentina Maria de Jesus Alves contra a sentença de f. 252/256, que, apreciando feitos conexos, julgou parcialmente procedente o pedido da Ação de Alienação de Coisa Comum c/c Extinção de Condomínio nº 145.06.293217-6, ajuizada por Roselaine Cardoso Alves e Lucilaine Cardoso Alves, ora apeladas, em desfavor da ora apelante, e extinta, sem resolução do mérito, a ação de oposição nº 145.07.399130-2, ajuizada por Gilmar Antônio de Oliveira - autos apensos.

Em conseqüência do julgamento da ação principal, foi decretada a extinção do condomínio existente sobre o imóvel constituído pelo prédio nº 120, localizado na Rua Henrique Dias, Bairro Benfica, na cidade de Juiz de Fora-MG, "com uma garagem adaptada para loja comercial, área construída de 122,00 m2 e respectiva fração ideal de 50% de todo o terreno que compreende o lote 11 da quadra 16, que mede 12 metros de frente por 30 metros de profundidade", mediante a venda judicial do bem, observadas as disposições legais dos arts. 1.113 e seguintes do CPC, sobretudo o direito de preferência da ré (ora apelante) e do derradeiro condômino (opoente no apenso), sucessivamente, ficando resguardado o direito da ré ao recebimento de indenização por benfeitorias ou retenção do imóvel, nos termos do art. 1.219 do Código Civil, conforme se apurar em liquidação.

Sustenta a apelante, em síntese (f. 258/263), que a sentença se equivocou, ao não acolher a tese de usucapião apresentada na contestação; que o animus domini sempre existiu, uma vez que a ré apelante, após o falecimento de seu esposo, Sebastião Rodrigues Alves, sempre permaneceu na posse do imóvel, acreditando que este lhe pertencia por direito; que, ao contrário do que afirmou a douta Juíza singular, não resta intuitivo do processo que a ré tinha conhecimento das herdeiras; que sabia que seu esposo havia deixado duas filhas, mas não tinha conhecimento de que a herança recaíra sobre o imóvel objeto desta ação; que se encontra hoje com mais de 70 anos, não é proprietária de nenhum outro imóvel e não possui condições financeiras de alugar outro imóvel, caso seja obrigada a desocupar o imóvel objeto da lide; que, uma vez comprovada a sua posse mansa e pacífica sobre o bem por mais de 20 anos e com animus domini, é de ser reconhecido o seu direito à aquisição do imóvel através da usucapião.

Em contra-razões (f. 265/269), as apeladas defendem a manutenção da sentença.

Conheço do recurso, visto que próprio, tempestivo e dispensado de preparo.

Trata-se de ação de alienação de coisa comum ajuizada por Roselaine Cardoso Alves e Lucilaine Cardoso Alves contra Argentina Maria de Jesus Alves, tendo por objeto o imóvel alhures identificado.

A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, decretando a extinção do condomínio, mediante a venda judicial do bem, garantido o direito de preferência da ré, bem como o de retenção e indenização por benfeitorias.

No recurso, a ré revolve a tese de usucapião levantada na contestação, consignando que reside no imóvel há mais de 20 anos, com animus domini, sem oposição ou resistência de quem quer que seja.

Orlando Gomes (em sua obra Direitos reais. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 101) ensina que:

"Usucapião é modo de adquirir propriedade. Necessário, portanto, que o adquirente seja capaz e tenha qualidade para adquiri-la por esse modo. Existem causas que impedem a aquisição de propriedade por essa forma, relativas à pessoa do possuidor. Assim é que, não correndo a prescrição entre ascendentes e descendentes, entre marido e mulher, entre incapazes e seus representantes, nenhum deles pode adquirir bem do outro por usucapião. Outras vezes, a pessoa se encontra em uma situação jurídica que impede a aquisição de determinada coisa por esse modo, como é o caso do condômino em relação ao bem comum".

No caso dos autos, a ré figura, com as autoras da ação - que no curso do feito alienaram as suas frações a Gilmar Antônio de Oliveira -, como proprietária condômina do imóvel objeto da lide (vide registro de f. 07), fato por si bastante à rejeição da tese de usucapião.

Diz o art. 1.784 do Código Civil:

"Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".

Considerando que as autoras e a ré adquiriram o imóvel por herança de Sebastião Rodrigues Alves, com o falecimento deste, a posse do imóvel lhes foi transmitida sem que precisassem assumi-la - a transmissão opera-se ex lege -, caindo por terra a alegação de que as apeladas nunca exerceram posse sobre o bem.

Ademais, afigura-se descabido declarar-se prescrição aquisitiva em favor da apelante, em razão de esta já deter o domínio do imóvel, havido por sucessão legítima, em condômino com outras duas herdeiras, conforme relatado.

A se pensar o contrário, a usucapiente estaria investindo-se contra o seu próprio título, o que não pode ser aceito.

No julgamento da Apelação Cível nº 220.944-3, ocorrido em 25.02.2003, na 2ª Câmara Cível deste egrégio Tribunal, o em. Des. Pinheiro Lago expressou-se em termos que aproveitam à espécie dos autos:

"A pretensão de ser dono pelo usucapião não combina com o título transcrito, pois a transcrição é também modo de adquirir a propriedade. E não se pode, obviamente, adquirir o que já foi adquirido, em condomínio com outros dois herdeiros necessários".

No mesmo sentido:

"Usucapião - Propriedade do próprio domínio - Inadmissibilidade. - O direito de aquisição do imóvel pelo usucapião só se exercita sobre propriedade do domínio alheio, mesmo porque nem sequer tem sentido falar-se em aquisição de imóvel do próprio domínio" (Revista Jurídica Lemi nº 12/77, p. 4.110).

Por outro lado, não é possível determinar qual a área de que a ré já seja proprietária, e qual a que pretende usucapir, o que leva à impossibilidade jurídica do pedido.

A propósito:

"Civil - Processual civil - Condomínio pro indiviso - Usucapião - Impossibilidade - Inexistência de determinação da área atribuível a cada um dos condôminos em razão da propriedade estabelecida em cotas-partes - Necessidade de prévia extinção do condomínio - Improcedência do pedido que se mantém - Improvimento da apelação.

1. O condomínio estabelecido em cotas-partes sobre a propriedade não demarca a propriedade, que é atribuível a cada um dos co-proprietários, cabendo a todos de forma indistinta a conservação e a utilização do bem, mediante o exercício do direito de propriedade de forma simultânea.

2. As frações ideais estipuladas para cada um dos oito herdeiros apenas determinaram, na partilha, o quinhão que caberia a cada um deles, não individualizando a propriedade, tratando-se, portanto, de um condomínio pro indiviso.

3. Inexistindo propriedade delimitada, é necessário extinguir o condomínio para que seja possível a postulação de usucapião dirigida contra os demais co-possuidores, pois os condôminos exercem a posse em nome coletivo.

4. Correta a sentença que julga improcedente o pedido em face da necessidade de extinção prévia do condomínio.

Apelação improvida" (TRF 1ª R. - AC 200038000190078 - MG - 5ª T. - Rel.ª Des.ª Fed. Selene Maria de Almeida - DJU de 29.07.2005 - p. 143).

Com essas considerações, nego provimento ao recurso, para manter o resultado de improcedência do pedido de usucapião, apresentado pela ré apelante.

Custas, pela apelante, observados os termos do art. 12 da Lei nº 1.060/50.

Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores Unias Silva e Elpídio Donizetti.

Súmula - NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Diário de Judiciário Eletrônico de MG - 06/05/2009.

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