União não é isenta de emolumentos


Custas e emolumentos – natureza jurídica. Taxa. União federal – isenção. Certidão – expedição.

PODER JUDICIÁRIO DE SÃO PAULO – CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG - nº 382/2004 – Fls. 1 - (172/04 - E)

Registro de Imóveis. Recurso Administrativo. Cobrança de emolumentos pelo serviço de expedição de certidões. Natureza de taxa. Tributo estadual. Impossibilidade de lei federal instituir isenção, sob pena de afronta ao princípio federativo. Recurso improvido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto pela União Federal contra a decisão de fls. 28/30 deixou de acolher pedido da recorrente, no sentido de que fosse reconhecido seu direito de isenção ao pagamento dos emolumentos devidos ao cartório de registro de imóveis pela expedição de certidões.

Sustenta a recorrente que a fixação dos emolumentos deve obedecer às normas gerais previstas em lei federal. Afirma que o decreto-lei 1.537/77, o qual estabelece isenção da União de pagamento de emolumentos às serventias extrajudiciais, foi recepcionado pela Constituição Federal e não foi derrogado pela Lei 10.169/00, nem pela lei estadual de nº 11.331/02. Diz, ainda, que o serviço público de registro e notas é prestado por meio de delegação à iniciativa privada, não ostentando os emolumentos natureza de taxa, mas de preço público, não tratando a lei tecnicamente de isenção, não havendo por isso ofensa ao princípio federativo.

O Oficial manifestou-se à fls. 23/25.

O Ministério Público opinou pelo não acolhimento do pedido (fls. 52/53).

É o breve relatório.

Passo a opinar.

A recorrente reclama contra ato do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Votuporanga, consistente em cobrar a parcela dos emolumentos cobrados pela expedição de certidão destinada a remunerar os serviços da serventia extrajudicial. Baseia-se no decreto-lei 1.537/77, que prevê que a União é isenta do pagamento das custas e emolumentos devidos aos cartórios de Registro de Imóveis.

Razão não lhe assiste, porém.

A remuneração dos serviços notariais e de registro tem natureza de taxa. Nesse sentido há muito tempo é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal. Merece a transcrição da seguinte decisão daquele colendo Tribunal, proferida em ação direta de inconstitucionalidade de nº 1.444, em que foi requerente o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, e que bem considerou a matéria:

“Se discussões podem existir a respeito da natureza de outros serviços prestados pelo Estado, surgindo dúvidas sobre se são serviços públicos ou atividades econômicas enquadráveis num regime de exploração de cunho mais acentuadamente privado, isso não ocorre em relação à prestação jurisdicionais e às atividades do foro extrajudicial. De plano, e por óbvio, afasta-se o seu enquadramento dentre os preços privados: estão vinculados a serviço público; são fixadas unilateralmente pelo Poder Público, independentemente da vontade dos particulares. Também não podem ser enquadrados dentre os chamados preços públicos, que são caracterizáveis como remuneração de serviços prestados pelo Estado, mas serviços que não são, por assim dizer, típicos do Estado. Considera-se, a propósito, o escólio de Gilberto de Ulhôa Canto, que traça diferença entre preços públicos e taxas: o que contribui para caracterizar um serviço prestado como sendo remunerável por taxa é a natureza da atividade de que se trate, sob o prisma da sua inerência às funções do Estado; comprovada essa inerência, a compulsoriedade do pagamento da respectiva contrapartida será conseqüência, e não característica diferencial, do mesmo modo que a configuração de um serviço como remunerável por preço público será determinada pelo seu não enquadramento entre as atividades intrinsecamente vinculadas às funções do Estado, sendo a opcionalidade do pagamento um efeito dessa natureza, e não o fator de sua qualificação”.

E, após transcrever os artigos 77 e 79 do Código Tributário Nacional, acrescenta:

“A simples leitura de tais dispositivos já esclarece que não poderia ser outro o caráter das custas, que não o de taxas vinculadas a um determinado serviço público: 1) de utilização efetiva, isto é, quando o contribuinte recorre de fato à prestação jurisdicional, registrária ou notarial; 2) específica, porque essa prestação pode ser vislumbrada como uma unidade; e 3) divisível, eis que a prestação individualiza-se frente aos jurisdicionados. A reforçar essa qualificação registre-se que tais custas são fixadas unilateralmente pelo Poder Público e que não há uma relação contratual entre o Estado e o cidadão a justificar sua cobrança. Não se pode falar, por outro lado, em pagamento voluntário se o particular, sempre que necessita de serviço, depende do pagamento de custas para obtê-lo (ressalvadas as hipóteses de isenção nos casos de carência de recurso do jurisdicionado)”.

Também nesse sentido, entre outras, existe a decisão exarada na Adin 1.378-ES:

“A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência, quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à sua exigibilidade, ao regime jurídico constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais da reserva de competência impositiva da legalidade, da isonomia e da anterioridade”.

Tratando-se de taxa, o valor cobrado deve estar diretamente relacionado com o custo do serviço prestado.

Tal pressuposto vem estampado na lei federal nº 10.169/00, a qual fixou as regras gerais para cobrança de emolumentos, e que estabelece em seu artigo 1º que “o valor fixado para os emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequação e suficiente remuneração dos serviços prestados”.

E sendo assim, deve ser aplicado aos casos de sua exigibilidade o princípio da isonomia, pelo qual um usuário não pode pagar pelo serviço prestado a outrem, sendo vedado qualquer forma de compensação entre contribuintes.

De outra parte, as imunidades concedidas aos entes públicos referem-se somente aos impostos, não abrangendo as taxas.

O artigo 1º do Decreto-lei 1.537/77 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que afronta diretamente o princípio federativo, ao instituir isenção sobre tributo estadual.

A União somente pode estabelecer regras gerais sobre os emolumentos devidos a título de prestação de serviço público, o que foi feito pela Lei 10.169/00, mas jamais está autorizada a decretar isenções sobre tributo estadual.

Nesse sentido:

“À União, ao Estado-membro e ao Distrito Federal é conferida competência para legislar concorrentemente sobre custas do serviços forenses, restringindo-se a competência da União, no âmbito dessa legislação concorrente, ao estabelecimento de normas gerais, certo que, inexistindo tais normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades”. ( Adin 1624/MG, 08.05.03).

A lei estadual de nº 11.331/02 estabeleceu isenção à União apenas quanto ao pagamento das parcelas dos emolumentos destinados ao Estado, à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, ao custeio dos atos gratuitos de registro civil e ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça, mas não a isentou quanto ao pagamento da remuneração dos serviços das serventias extrajudiciais prestados.

Como foi decidido na Adin nº 2.301-2, RS, citando a lição de Roque Antonio Carraza: “as leis isentivas não devem se ocupar de hipóteses estranhas à regra matriz do tributo, somente podendo alcançar fatos que, em princípio, estão dentro do campo tributário da pessoa política que as edita. Só se pode isentar o que se pode tributar. Quando não há incidência possível ( porque a Constituição não a admite), não há espaço para a isenção”.

Ensina Cretella Junior que a “isenção é feita, na respectiva esfera, por lei estadual, lei municipal ou lei distrital; na área da União, por lei federal. Cada pessoa política tem competência para instituir isenção de tributo, em sua própria área. O contrário seria invasão indébita ou usurpação de competência de uma pessoa política na área de outra” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. VII/3587, 1993, Forense Universitária).

Portanto, o parecer que me permito, respeitosamente, submeter ao elevado exame de Vossa Excelência é no sentido de ser negado provimento ao recurso, para manter a decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Votuporanga, que indeferiu a pretensão da apelante.

Sub censura.

São Paulo, 17 de junho de 2004.

FÁTIMA VILAS BOAS CRUZ, Juíza Auxiliar da Corregedoria

CONCLUSÃO

Em 18 de junho de 2004, faço estes autos conclusos ao Desembargador JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, DD. Corregedor Geral da Justiça.

Eu, (Rosa Maria Maia) Escrevente, subscrevi.

Proc. CG nº 382/2004

Aprovo o parecer da Mma. Juíza Auxiliar da Corregedoria e por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso.

Publique-se.

São Paulo, 25/06/04.

JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE

Corregedor Geral da Justiça

Legislação citada:

DECRETO-LEI Nº 1.537, DE 13 DE ABRIL DE 1977

Isenta do pagamento de custas e emolumentos a pratica de quaisquer atos, pelos Ofícios e Cartórios de Registro de Imóveis, de Registro de Títulos e Documentos e de Notas, relativos às solicitações feitas pela União.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, tendo em vista o artigo 182 da Constituição e o disposto no Ato Complementar nº 102, de 1º de abril de 1977,

DECRETA:

Art 1º - É isenta a União do pagamento de custas e emolumentos aos Ofícios e Cartórios de Registro de Imóveis, com relação às transcrições, inscrições, averbações e fornecimento de certidões relativas a quaisquer imóveis de sua propriedade ou de seu interesse, ou que por ela venham a ser adquiridos.

Art 2º - É isenta a União, igualmente, do pagamento de custas e emolumentos quanto às transcrições, averbações e fornecimento de certidões pelos Ofícios e Cartórios de Registros de Títulos e Documentos, bem como quanto ao fornecimento de certidões de escrituras pelos Cartórios de Notas.

Art 3º - A isenção de que tratam os artigos anteriores estende-se à prática dos mesmos atos, relativamente a imóveis vinculados ao Fundo Rotativo Habitacional de Brasília (FRHB).

Art 4º - Este Decreto-lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 13 de abril de 1977; 156º da Independência e 89º da República.

ERNESTO GEISEL

Armando Falcão

Mário Henrique Simonsen
 


Fonte: Boletim eletrônico do IRIB/AnoregSP n.1352 - 13/10/2004