Um assunto que ganhou destaque na imprensa em Brasília ganha agora
importância na pauta de julgamentos do Superior Tribunal Federal.
Trata-se do tema “divisão e criação de novos cartórios”.
Os Tribunais de Justiça dos Estados não abrem mão do poder de decidir o
futuro e o tamanho dos cartórios. Em São Paulo, no Rio e no Distrito
Federal eles editaram provimentos criando novos serviços e dividindo os
antigos.
O detalhe é que provimentos são atos normativos internos, geralmente
usados para regulamentar questões do serviço interno dessas
instituições.
Em todos os casos, os cartórios, por intermédio de sua associação
nacional, a ANOREG / BR, questionou os provimentos com ações de
inconstitucionalidade no STF.
A primeira, a de São Paulo, demorou muito para ser analisada. Quando o
Supremo julgou a liminar, vários cartórios criados já estavam
funcionando com novos tabeliões que passaram em concurso público, esta
forma, o dano imediato da liminar seria maior do que sua negação. Assim,
pelo fato consumado, o Supremo negou a liminar.
Os outros Tribunais interpretaram a negativa de liminar como autorização
para editar seus próprios provimentos. E foi o que fizeram os Tribunais
Estaduais do Rio de Janeiro e do Distrito Federal.
Novamente, contestando a medida, a ANOREG / BR ingressou com outras duas
ações de inconstitucionalidade no STF. Primeiramente, o tribunal
analisou a ADI nº 3319, que impugnava a Resolução baixada pelo Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro. Por unanimidade, todos os 11 Ministros da
Suprema Corte do País suspenderam a execução da Resolução carioca, por
entenderem, preliminarmente, que tal medida é inconstitucional.
Exatamente uma semana após, o Supremo analisou a ADI nº 3331, referente
à Resolução do DF, considerando que tal medida também é
inconstitucional.
Em Brasília, após a edição do provimento do Tribunal de Justiça, foi a
vez da câmara Distrital baixar uma lei também tratando da criação e
divisão de novos cartórios. O interessante é que a divisão proposta pela
Câmara Distrital é diferente do Tribunal, criando e dividindo outros
cartórios.
Mais uma vez, a iniciativa também foi contestada pelo STF. Desta vez,
quem patrocinou a ação foi o Ministério Público Federal. Para o
Procurador Geral da República, a Lei Distrital é inconstitucional, por
que no DF o assunto do Cartório deve ser resolvido por lei federal. O MP
assumiu a premissa de que o assunto é matéria de lei.
O STF, ao contrário do que fez na ação contra o provimento do Tribunal
de Justiça, ainda não concedeu liminar para suspender a Lei distrital.
Por enquanto, a Lei continua valendo e, também por enquanto, o Supremo
parece sinalizar que a solução é correta quando tratada por Lei, mesmo
sendo uma Lei Distrital.
Agora, caberá ao STF decidir questões fundamentais a serem aplicadas no
DF. Primeiro, se os cartórios podem ser criados por provimentos dos
Tribunais, ou se há necessidade de Lei. Desta decisão surgirão
indagações que terão de ser respondidas: 1º) se puder ser criado por
provimento, se também pode ser regulamentado por Lei distrital, ou 2º)
se é necessária a Lei, qual lei se aplica: a federal ou distrital.
A situação ficou particularmente confusa no DF. Afora a questão de fundo
sobre a constitucionalidade das medidas, observa-se uma questão de braço
entre poderes, com o tribunal de Justiça e a Câmara Distrital cada um
querendo puxar a sardinha para si mesmo.
A mesma disputa de poder se observa em âmbito nacional. A Câmara dos
Deputados já aprovou um projeto de lei que regulamenta em todo o Brasil
a questão de novos cartórios. Pelo projeto aprovado, caberá às
Assembléias Legislativas Estaduais – no caso do Distrito Federal, a
Câmara Legislativa – a criação, divisão e extinção de cartórios, sempre
mediante a lei. Este projeto ainda depende de aprovação no Senado e
sanção do Presidente da República.
A questão do DF é interessante porque demonstra não existir sobre o
assunto uma única alternativa. Prova disto é que estão baixados dois
atos visando o mesmo fim (criação de novos cartórios), mas com
resultados completamente diferentes. O Provimento do tribunal de Justiça
propõe uma estrutura de cartórios completamente diferente da divisão
promovida pela Lei distrital.
Se a questão é complexa, com influência de aspectos técnicos, sociais e
econômicos, e se afeta diretamente à população, a solução pela lei
parece mais acertada. As leis são discutidas e aprovadas nas casas
legislativas, pelos representantes eleitos pelo voto popular. Passam por
várias comissões com participação livre da sociedade, com audiências
públicas, consultas e possibilidade de opinião. O processo legislativo é
o exercício legítimo da democracia.
O importante é ter em mente, por tudo que já se abordou na coluna, a
importância social e econômica dos cartórios. Eles dão segurança
jurídica à sociedade, mas para isto precisam de estabilidade.
Em bom tempo a Constituição Federal tirou os cartórios das mãos dos
políticos, obrigando a realização de concursos públicos. Não se pode
regredir, deixando que a disputa política de poder interfira na criação
e divisão de cartórios, que necessitam ser estáveis, para dar
estabilidade à sociedade.
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