"Não há de se falar em crime de desobediência praticado pelo Oficial do Registro de Imóveis, pois este, além de ser investido de munus público, ao suscitar dúvida, cumpriu o regular exercício da profissão"


No Boletim Eletrônico do Irib #2241, de 4/1/2006, noticiamos importante decisão do STF acerca da independência jurídica do registrador. Destacamos a posição doutrinária defendida nas páginas da Revista de Direito Imobiliário do Irib, entrevistando o desembargador RICARDO DIP que se pronunciou com exclusividade sobre a importante matéria.

Recebi, ainda agora, carta do ilustre Presidente do Sindicato dos Notários e Registradores de Minas Gerais, Dr. Eugênio Klein Dutra, titular do 6º Registro Imobiliário de Belo Horizonte – ele próprio paciente no habeas corpus – encaminhando cópia do “conciso, jurídico e corajoso parecer” do Ilustre Dr. Edson Oliveira de Almeida, Subprocurador-Geral da República. Encaminhou-me, também, cópia do “sempre lúcido voto do Eminente Ministro Marco Aurélio, que marca sua presença honrada no Excelso Supremo Tribunal Federal, preservando-o como autêntico guardião da Constituição, lembrando a afirmativa de Ruy Barbosa segundo a qual as Constituições não valem nem pelos princípios, que consagram, nem pelo pergaminho, que as estampa, mas pelos Tribunais, que as cumprem”. E por fim, encaminha-me a petição dos seus advogados.

Segundo Dutra, “hoje, nós, brasileiros, podemos parodiar o oleiro, sentindo o mesmo orgulho ao dizer que temos Juízes em Brasília!”.

Tem razão em regozijar-se o ilustre presidente do SinoregMG. De fato, a decisão discerne claramente a importância relativa de cada ator nessa complexa trama da aplicação do direito. Ou seja, tanto o magistrado, como o registrador, nos limites de suas atribuições legais, atuam para compor o fenômeno da organicidade do Direito – para usar uma expressão muito feliz do ilustre relator.

Além disso, como bem posto na exordial, “há determinadas situações envolvendo teses jurídicas, as quais transcendem, de muito, a aparentemente pequena relevância da controvérsia; no caso concreto, como a seguir se evidencia, a decisão a ser superiormente tomada interessa a toda a categoria profissional dos tabeliães e registradores, o que justifica o interesse do Sindicato da classe”.

De fato, por ser de interesse de todos os profissionais que atuam na área de registros públicos, publicamos abaixo o parecer do Dr. Edson Oliveira de Almeida e a peça de lavra dos advogados Paulo Pacheco de Medeiros Neto, Cláudia Murad Valadares, Roberto Rodrigues Pereira Júnior e Guilherme Fulgêncio Vieira.

Habeas corpus. Títular da serventia - crime de desobediência.

EMENTA NÃO OFICIAL: Não há falar-se em crime de desobediência praticado por Oficial de Registro de Imóveis, pois este, além de ser investido de munus público, ao suscitar dúvida, cumpriu o regular exercício da profissão.

HABEAS CORPUS Nº 85911/130
ORIGEM: MINAS GERAIS
PACIENTE: EUGÊNIO KLEIN DUTRA
IMPETRANTE: SINDICATO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE MINAS GERAIS E OUTROS
COATOR: 2ª TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE BELO HORIZONTE
RELATOR: EXMº SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO

Senhor Ministro-Relator:

1. Retratam os autos esdrúxula hipótese em que o paciente, Oficial do Registro de Imóveis, está à beira de sentar no banco dos réus porque suscitou dúvida a requerimento do interessado, ao Juízo da Vara dos Registros Públicos (aliás julgada procedente) em relação a título expedido por Junta de Conciliação e Julgamento, por este não estar revestido das exigências legais.

2. O writ há de ser deferido. O remansoso entendimento jurisprudencial no sentido de que só se tranca a ação penal no seu nascedouro quando o constrangimento ilegal é demonstrado de plano aplica-se justamente ao caso em tela. E nem se argumente que ainda não há denúncia em face do paciente, tal como constou do ato atacado, porque a simples intimação para comparecimento a audiência preliminar para proposta de transação penal já constitui constrangimento ilegal a ser reparado por habeas corpus, se o fato imputado ao paciente é atípico.

3. In casu, em virtude de defeitos formais do título expedido pela 21ª Vara Trabalhista de Belo Horizonte, o paciente, a requerimento do interessado, submeteu o título, com as razões de dúvida, à decisão do Juízo da Vara dos Registros Públicos, tal como estatuído na Lei de Registros Públicos (art. 167, I, c.c. o art. 198). Foi por essa conduta que o Juiz Trabalhista promoveu instauração de processo-crime contra o paciente, imputando-lhe o delito do art. 330 do Código Penal. Ora, o regular exercício da profissão nem de longe pode configurar o crime de desobediência, mesmo porque o paciente é investido de munus publico,e, agindo como tal, não pode ser tido como o particular, agente ativo do delito de desobediência.

4. Isso posto, opino pelo deferimento do writ.

Brasília, 17 de junho de 2005.

Edson Oliveira de Almeida
Subprocurador-Geral da República.


Petição

Excelentíssimo Senhor Ministro NELSON JOBIM,

Digníssimo Presidente do Excelso SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.

O SINDICATO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DE MINAS GERAIS - SINOREG/MG - entidade sindical, representante da categoria profissional dos Notários e Registradores, com base territorial no Estado de Minas Gerais, registrado no Serviço de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Belo Horizonte (MG), sob nº 72.795, Livro A, em 17 de junho de 1989 (DOC. 2) e no Ministério do Trabalho, às fls. 23 do Livro 03, em 14 de março de 1.990 (DOC. 3), com sede-própria no 3° andar do prédio situado na Av. Afonso Pena, 4.374, na mesma Capital; devidamente representado por seu Presidente, na forma estatutária (DOC. 4), cumprindo decisão unânime de sua Diretoria (DOC. 5); no exercício da prerrogativa que lhe outorga o art. 8o, item III, da Constituição da República; e seus bastantes procuradores ao final assinados, os Advogados PAULO PACHECO DE MEDEIROS NETO, OAB/MG. 49756; CLÁUDIA MURAD VALADARES, OAB/MG. 54.336; ROBERTO RODRIGUES PEREIRA JÚNIOR, OAB/MG. 80.000; e GUILHERME FULGÊNCIO VIEIRA, OAB/MG. 84.644; também em nomes próprios, todos com escritório no Departamento Jurídico da sede do referido Sindicato (DOC. 1);

vêm, pelo presente, com base na alínea “i”, do item I, do art. 102 da CR/88; nos arts. 9o.-I-“a” e 188 e segs., do Reg.to Interno desse EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; e em sua SÚMULA n. 690; c/c. os arts. 647 e segs., do C.P.P., REQUERER EM FAVOR DE EUGÊNIO KLEIN DUTRA, (qualificação omitida), Bacharel em Direito e Administrador, titular do 6o. Ofício de Registro de Imóveis da referida Capital, com cartório instalado no prédio n. 910/914 da rua dos Inconfidentes, representado pelos mesmos procuradores (DOC. 1-A); ordem preventiva de habeas corpus a fim de fazer cessar a violência, a coação e o constrangimento ilegais, que lhe estão sendo infligidos pela decisão da 2a. TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE BELO HORIZONTE (MG), sujeitando-o a processo penal, por provocação do Juiz da 21a. Vara do Trabalho de B.H., pelo fato de haver o Registrador cumprido o dever que lhe é imposto, assim como a todos os Oficiais de Registro, pelo art. 198 da Lei dos Registros Públicos, de qualificar os títulos sujeitos a registro, inclusive judiciais, suscitando DÚVIDA, a qual veio a ser julgada PROCEDENTE pelo MM. Juiz de Direito da Vara dos Registros Públicos competente, tudo como a seguir exposto.

EXCELSOS SENHORES MINISTROS:

“Une injustice, fait a un seul, est une ménace fait a tous” (Montesquieu).

Há determinadas situações envolvendo teses jurídicas, as quais transcendem, de muito, a aparentemente pequena relevância da controvérsia; no caso concreto, como a seguir se evidencia, a decisão a ser superiormente tomada interessa a toda a categoria profissional dos tabeliães e registradores, o que justifica o interesse do Sindicato da classe, hoje presidido pelo próprio Paciente.

Sem pretender emprestar dramaticidade exagerada ao presente pedido de “HABEAS CORPUS”, é lícito dizer que, nele, encontram-se em jogo pelo menos dois princípios fundamentais da Constituição da República:

a) o primeiro, concernente à cidadania, respeita ao direito à liberdade de cada um, no exercício de sua profissão;

b) o segundo, concernente ao próprio pundonor do Poder Judiciário – o “point d’honneur” dos franceses, ou o “punto de honor” dos espanhóis – o ponto de honra de saber se deve ser respeitada a competência jurisdicional, ou se ela é um Poder destituído de qualquer poder para fazer prevalecer sua jurisdição, ora degradada à condição de responsável por “crime de desobediência”.

O Oficial de Registro, delegatário constitucional de uma função pública (CR/88, art. 236, caput), é, por definição legal, um profissional do Direito, que goza de independência no exercício de sua profissão (Lei Federal n° 8.935/94, arts. 3o. e 28), e tem, a fiscalizar-lhe os atos, o Poder Judiciário do Estado: está submetido jurisdicionalmente ao Juízo da Vara dos Registros Públicos (CR/88, art. 236, § 1o, final, c/c. Lei Fed. 8.935/94, art. 37) .

Compete ao primeiro, legalmente, examinar os títulos submetidos a registro e, havendo dúvida quanto à legalidade de qualquer deles, seja judicial, público ou particular, determina-lhe a lei o dever de, a requerimento do interessado, submeter a controvérsia ao segundo, o Juiz da Vara dos Registros Públicos, que a decidirá, com possibilidade de apelação à instância superior – o Tribunal de Justiça do Estado – por qualquer interessado que se considere prejudicado (Lei Fed. 6.015/73 e alterações, arts. 198 e 202).

No caso presente, apresentado a registro um título judicial, expedido pela 21a Vara Trabalhista da Capital mineira (carta de adjudicação, em execução de penhora não registrada e cujo “auto” foi apresentado em simples fotocópia, sem nomeação de depositário, sem indicação do valor da dívida, sem a qualificação das partes, de imóvel não pertencente ao executado e hipotecado a terceiros cuja intimação não constava haver sido feita – DOC. 6), o Oficial registrador teve dúvida quanto à legalidade do título e, na forma da lei, a requerimento do interessado, submeteu-o, com as razões de Dúvida, ao Juízo competente – o da Vara dos Registros Públicos – que não a considerou desobediência e, pelo contrário, a julgou PROCEDENTE, determinando ao Oficial de Registro se abstivesse de registrá-lo, enquanto não satisfeitas, pelo interessado no registro, as exigências consideradas PERTINENTES; essa Sentença TRANSITOU EM JULGADO; a parte interessada submeteu-se a ela, cumpriu as exigências, com o que se fez o registro (DOC. 7).

Foi o bastante para que o mesmo Juiz trabalhista promovesse a instauração de processo-crime contra o Oficial Registrador, perante o Juizado Especial Criminal, imputando-lhe falsamente o crime de “desobediência”, capitulado no art. 330 do C.P., entre os “crimes praticados por particular contra a administração em geral”, em expediente ao qual, sem maior exame, deu seqüência o Órgão do Ministério Público junto àquele Juizado Especial, sendo o Paciente intimado à audiência preliminar (DOC. 8).

Requerido “HABEAS CORPUS” para trancar esse verdadeiro “monstrum, vel prodigium” judicial, a 2a. Turma Recursal do Juizado Especial Criminal pretende dar-lhe curso, denegando-lhe o remédio heróico (DOC. 9).

É contra essa decisão que ora suplica o Paciente a saneadora intervenção desse Excelso Supremo Areópago: para impedir que um Oficial Registrador seja processado criminalmente por cumprir seu dever legal, suscitando Dúvida, julgada PROCEDENTE, PELA VARA JUDICIAL COMPETENTE, tendo o apresentante do título acatado a V. Decisão, cumprindo as exigências, o que permitiu fosse legalmente praticado, como já o foi, o ato registral.

Donde se segue que o inconformismo do denunciante é contra a própria V. Sentença, que julgou procedente a Dúvida suscitada, pois a parte interessada com ela se conformou, cumprindo-a, e o ato registral já se acha praticado.

CABIMENTO DO “HABEAS CORPUS”.

Conforme a SÚMULA 690, desse EXCELSO, “compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais”.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL: ABUSO DE AUTORIDADE.

Nos termos do art. 146 do Cód. Penal, constitui constrangimento ilegal obrigar alguém a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda; regulamentado o processo respectivo pela Lei Federal n. 4.898, de 9 de dezembro de 1.965, que define em seu art. 3o:- “Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; ....omissis.... j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional” (grifou-se).

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em seu art. 35, inclui entre os deveres dos Magistrados, verbis: “cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e atos de ofício.”

“Jura novit curia” (o juiz conhece a lei): com a devida vênia, não é lícito, nem ao Juiz da 21a. Vara Trabalhista, nem à Turma Recursal do Juizado Especial Criminal, desconhecer os preceitos imperativos da Lei dos Registros Públicos; sabem, pois, que o Oficial é civil e penalmente responsável por qualquer prejuízo que seu ato cause aos interessados no registro (LRP., art. 28); sabem que, havendo dúvida quanto à regularidade de qualquer título sujeito a registro, inclusive os de origem judicial (LRP., art. 167-I-26, c/c. art. 198), deve o Oficial, a requerimento do interessado, submeter o título, com as razões de Dúvida, à Decisão do Juízo da Vara dos Registros Públicos. No caso concreto, além das nulidades decorrentes do aspecto formal do título (falta de depositário, etc.), o imóvel penhorado não pertencia ao executado, mas a outrem, e estava hipotecado a terceiros, cuja audiência é obrigatória (CPC., arts. 615-II e 698).

INAPLICABILIDADE DE “DESOBEDIÊNCIA” A DELEGATÁRIO DE FUNÇÃO PÚBLICA NO EXERCÍCIO DA DELEGAÇÃO.

A CR/88, no art. 236 e seus parágrafos, fixou com precisão o regime jurídico dos tabeliães e oficiais de registro: ainda que em caráter privado, exercem função pública por delegação do Poder Público.

No exercício de suas funções, o oficial de registro age, portanto, como delegado do Estado.

O crime de desobediência, tipificado no art. 330 do C.P., tem como característica primordial – dí-lo eloqüentemente o enunciado do capítulo II – a “desobediência” de “PARTICULAR” a “ordem LEGAL de funcionário público”, ou seja, “CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL”.

No caso, não houve “ordem”, mas, sim, um “título”, que o MM. Juiz competente decidiu NÃO SER LEGAL PARA REGISTRO, o que a parte interessada reconheceu, sanando-lhe as irregularidades, com o que obteve o registro pretendido.

O oficial de registro, no exercício de uma delegação do Poder Público, estabelecida “para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (LRP., art. 1o.), “quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade” (ib., art. 172), exerce assim, ainda que em caráter privado, uma função pública; não é um funcionário público, “stricto sensu”, porém, não é um “particular”, estranho à “administração em geral”, pois é um delegatário dela.

E goza de independência no exercício de suas atribuições: Lei Federal 8.935/94, art. 28; sendo sua função elevada à categoria de “profissão”: arts. 3o; 30-V e VI, final; e 31-IV, da mesma Lei).

No exercício dessa profissão, o Paciente cumpriu o dever que lhe é imposto pela legislação e, em dúvida, encaminhou suas razões ao MM. Juiz de Direito da Vara dos Registros Públicos que, no exercício de sua jurisdição, decidiu pela procedência delas. O art. 24 da Lei Federal n°8.935/94, que dispõe sobre os serviços notariais e de registro, determina que à apuração da responsabilidade criminal desses profissionais do Direito seja aplicada, “no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública”, ou seja, equipara-os aos integrantes da administração pública.

Portanto, o Magistrado trabalhista, recebendo como censura a decisão judicial de que o título por ele mandado expedir não preenchia as exigências legais para o registro, volta-se contra o Oficial Registrador, cabendo a indagação: - onde está a desobediência de particular a ordem legal de funcionário público ?

- A resposta evidencia o verdadeiro “non sense” do procedimento vergastado e ao qual cumpre pôr cobro, pela via do HABEAS CORPUS PREVENTIVO, para assegurar o primado da LEI.

a) Da ausência de justa causa e fundamento da decisão impugnada

São evidentes as lesões ao Código de Processo Penal no acórdão impugnado. Não poderia, sem ilegalidade, a Turma Recursal do Juizado Especial da comarca de Belo Horizonte denegar ordem de Habeas Corpus; tampouco poderia deixar de julgar contrária aos arts. 43, inc. I; 647 e 648, inc. I, III e IV do Código de Processo Penal e ao art. 23, inc. III do Código Penal a manutenção (por acórdão denegatório de writ) da Ação Penal em tela, já que obviamente não há crime de desobediência a se apurar.

Não poderia deixar de dar provimento ao pedido libertário sem ofensa àqueles Códigos nem às leis nacionais n° 6015/73, 8.935/94.

A sentença da Vara de Registros Públicos foi obedecida pelo Paciente e seus atos funcionais reconhecidos como fiel cumprimento dos deveres de sua delegação pública. Vez que se demonstraram as causas de exclusão de ilicitude previstas no artigo 23, inc. III do Código Penal, por força do art. 43, incs. I e III do Código de Processo Penal, a notitia criminis – denunciação caluniosa que vitima Juizado Especial e o Paciente – devia ter sido sumariamente rejeitada a Ação Penal e concedido Habeas Corpus pela 2ª Turma Recursal do Juizado Especial Criminal.

A sentença em procedimento de Dúvida da Vara de Registros Públicos, nº 0024.03.030.163-4 transitou em julgado (DOC. 06). O provimento jurisdicional acerca da licitude e obrigatoriedade da conduta do Paciente já foi proferido, a jurisdição foi exaurida em Primeiro Grau, não podendo o Juizado Especial apreciá-las novamente, como afirmou o Relator da Turma Recursal do Juizado Especial.

Igualmente se demonstrou a natureza ilícita e arbitrária da instauração da Ação em Processo Penal, diante da pujança de elementos de prova documental carreados aos autos e sem a fundamentação exaustiva exigida pelo art. 93, inc IX da Constituição da República.

Os arts. 1º, 18, parágrafo único e 23 do Código Penal, entre vários outros, definem como elementos do tipo, componentes nevrálgicos e indissociáveis do tipo penal de injusto tanto a antijuridicidade quanto a culpabilidade. Se Juízo diverso do criminal, em válido desincumbir-se de sua competência, atinge reflexamente a pretensão acusatória futura pela decisão anterior acerca da antijuridicidade, não haverá ação típica, nem em tese, a apurar.

O juízo de Registros Públicos proferiu sentença a seguinte convicção sobre a atuação funcional do Paciente e dispôs o comando respectivo, decisão cujo texto se encontra, nos autos da ação de Habeas Corpus, desdenhado quando não ignorado pela Turma Recursal que negou provimento ao pedido.

Literalmente:

Não constitui simples formalismo a exigência do Oficial, uma vez que trata-se de preceitos de ordem pública que inadmitem inobservância por parte de quem quer que seja, sob pena de desfigurar a segurança, autenticidade e eficácia que emanam dos registros públicos (art. 1º, da lei 6015 de 31.12.1973). Ante o exposto, acolho por sentença a presente declaração de Dúvida, recomendando ao Oficial Registrador que se abstenha de recepcionar o título até o cumprimento das exigências legais aqui consideradas pertinentes” (Grifos nossos; vide fls. 23).

Decidiu o juízo competente, com exatidão e apuro técnicos, que era não só devida a abstenção de registro de documento inábil, julgado à luz da ordem jurídica julgado imprestável aos fins prescritos ao procedimento administrativo registral.

Igualmente e em conseqüência necessária desta convicção, o juízo da Vara de Registros Públicos sentenciou que a conduta negativa era lícita e que não se pode atribuir senão ao próprio provimento jurisdicional e à sua base legal a qualidade de causa formal e que a intenção de obedecer-lhe constitui a finalidade da omissão do Paciente.

Dessarte, em consonância com a norma do art. 23, inc. III do Código Penal, não há crime se o autor de uma ação sobre cuja licitude se controverta agiu em estrito cumprimento de dever legal; pode, quando muito, haver para um olhar desavisado ou preliminar aparência de delito, a qual logo se desfaz como treva rasgada pelos primeiros fulgores do sol matutino.

O Código de Processo Penal, em seu art. 43, inc. I prescreve ao juiz o dever de rejeitar liminarmente denúncia ou queixa quando o fato ali narrado evidentemente não constituir crime. Mesmo que na ação em tela, por força do rito da lei 9099/95, não se haja ainda ultrapassado a fase preliminar de conciliação, é certo que existem ameaça à liberdade locomotora e dano atual à imagem e à dignidade da pessoa humana do Paciente, porque esta Ação em processo penal é por si só abusiva e a mera possibilidade de privação de liberdade legitima manejo de Habeas corpus.

Por conseguinte, afirmar como se faz na decisão combatida que Habeas Corpus não é o meio processual adequado a se manejar e que não haveria ameaça à liberdade é risível e ofensivo aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da inafastabilidade da jurisdição e da própria e elástica instituição da nobre ação constitucional e mandamental (respectivamente art. 1º, inc. III, e art. 5º, incisos XXXV e LXVIII da Constituição da República e artigos 647 e 648, incisos I, III e IV do Código de Processo Penal).

Configurada as hipóteses de coação ilegal previstas nos arts. 647 e 648, inc. I, III e IV do Código de Processo Penal, caracterizada a causa excludente de ilicitude do art. 23, inc. III do Código Penal e manifesto o caso do imperativo de absolvição sumária e liminar do art. 43, inc I do Código de Processo Penal, é evidente que a Turma Recursal do Juizado Especial da Comarca de Belo Horizonte tornou-se autoridade coatora.

Seu acórdão, sem justo fundamento, negou habeas corpus e ignorou que o juízo competente rationae materiae da Vara de Registros Públicos desta Capital, em sentença, já examinara e concluíra pela legalidade doa atos do Paciente.

Demonstrada a litispendência proibida pelos arts. 301, §§ 1º e 2º e art. 267, inc V do Código de Processo Civil; à luz dos arts. 95, inc. V e 110, §2º; do Código de Processo Penal, nos arts. 5º, inc. XXXVI e, sobretudo, 93 inc. IX da Constituição da República e arts. 466 e 467 do Código de Processo Civil, impetra-se Habeas corpus e, no mérito, pede dê-se-lhe provimento para suprimir o acórdão infundado e sua força coatora.

O PEDIDO.

Em síntese, acolher e dar seguimento ao processo penal, na espécie, “data venia”, constitui constrangimento ilegal, porque evidencia a coação e o abuso de autoridade, praticados contra um profissional do Direito, hoje setuagenário, que construiu, com sua dedicação à causa da Justiça, um dos nomes mais dignos e um dos exemplos mais eloqüentes das tradições cívicas do Estado, a quem cabe o conceito externado por MILTON CAMPOS: “simples, como é do gosto dos mineiros, e austero, como convém à República”.

Constituindo preocupação para toda a categoria, os Impetrantes batem às portas do mais Alto Colegiado Judiciário do País certos de que, sob seu aprisco, o Paciente encontrará, pela concessão da ordem preventiva de “habeas corpus”, mandando trancar aquela verdadeira ignomínia, a tão ansiada JUSTIÇA !

De Belo Horizonte, para Brasília, em 10 de maio de 2.005.

p.p. e em seus próprios nomes,

(PAULO PACHECO DE MEDEIROS NETO, OAB/MG. 49.756);

(CLÁUDIA MURAD VALADARES, OAB/MG. 54.336);

(ROBERTO RODRIGUES PEREIRA JÚNIOR, OAB/MG. 80.000); e

(GUILHERME FULGÊNCIO VIEIRA, OAB/MG. 84.644).

 

Fonte: Boletim Eletrônico n. 2243 - 04/01/2006