Retificação de registro de imóveis - Condomínio - Recurso provido

RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEIS - CONDOMÍNIO - UNIDADE AUTÔNOMA - VAGA DE GARAGEM - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA - PERTENCES - RECURSO PROVIDO

- Erro puramente material é passível de ser sanado pela via judicial, uma vez que o registro do imóvel é inexato, na medida em que não expressa exatamente sua descrição originária.

- Pertences significam as partes integrantes de alguma coisa.

- O registro pode ser inexato, na medida em que não esteja de acordo com a descrição, razão por que a presunção de fato de sua correção é relevante na ordem processual, quanto ao ônus da prova.

Apelação Cível n° 1.0024.05.782316-3/001 - Comarca de Belo Horizonte - Apelantes: Paulo Campos Mayrink e outro - Apelado: Carlos Henrique Sales - Relator: Des. Roney Oliveira

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 13 de março de 2008. - Roney Oliveira - Relator.

N O T A S  T A Q U I G R Á F I C A S

Proferiu sustentação oral, pelos apelantes, o Dr. Bernardo Ananias Junqueira Ferraz.

DES. RONEY OLIVEIRA - Sr. Presidente.

Parabenizo o ilustre advogado pela excelente sustentação oral, pela compreensão perfeita da problemática do Poder Judiciário, que deveria ser solução, não um problema no seu assoberbamento.

Fico sensível a todos os argumentos e o voto que trago escrito alberga esse mesmo entendimento.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Paulo Campos Mayrink e Eliane Henrique Mayrink contra sentença de f. 99/100-TJ proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da ação de retificação de registro de imóvel ajuizada pelos apelantes, extinguiu o processo sem resolução do mérito, em face da impossibilidade jurídica do pedido, condenando os autores nas custas processuais.

Conheço do recurso.

A questão trazida aos autos cinge-se à possibilidade de retificação de registro de imóvel.

Narram os apelantes em sua peça exordial que são legítimos ``proprietários do imóvel constituído pelo apartamento nº 1.301, do Condomínio Pilar, na Avenida Afonso Pena, nº 1.626, registrado sob o nº 63.186, Livro nº 2, no Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte''. (sic)

Seguindo-se a evolução das transferências de propriedade desse imóvel, infere-se que, inicialmente, era de propriedade do Banco Lar Brasileiro S.A., ``havido por construção própria'' (f. 22/v.-TJ); em 23.04.1969, foi alienado à Sr.ª Neusa Dalva Brasil e a seu esposo Saul Brasil (f. 22/23 e 24/25-TJ), cuja escritura assim o descreve:

``Apartamento nº 1.301 (mil trezentos e um), no Condomínio Pilar, que é encontrado no décimo terceiro (13º) pavimento, na extremidade esquerda de quem de dentro do Edifício olhar para a Av. Afonso Pena e com frente para essa Avenida e contendo living, copa, quatro (4) quartos, banheiro social, toilete, cozinha, quarto e WC de empregada e área de serviço e o respectivo direito à guarda de um carro no condomínio da garagem [...] cota nº 0,008145 correspondente ao respectivo apartamento do terreno do condomínio Pilar [...]''. (sic)

Posteriormente, em 16.02.1970, os então proprietários procederam à sua doação (f. 27-TJ), com ressalva de usufruto vitalício e sucessivo em seu favor, ao Sr. Saul Brasil Filho nos seguintes termos:

``[...] Doação do imóvel constituído pelo apartamento número 1.301 do Condomínio Pilar, sito à Av. Afonso Pena, esquina com Alagoas, com todas suas benfeitorias, instalações e pertences e sua respectiva fração ideal de 0,008145 [...].'' (sic)

Seguindo a cadeia evolutiva, em 24.01.2003, foi registrada a renúncia de usufruto que recaía sobre o imóvel em comento, restando ao Sr. Saul Brasil Filho, além da nua-propriedade do bem, o direito de usufruto. (f. 29-TJ)

Nessa mesma data, o então proprietário do imóvel livre e desembaraçado de quaisquer ônus alienou-o aos apelantes. (f. 12/13-TJ e 15/20-TJ)

A escritura de compra e venda refere-se ao ``apartamento nº 1.301 (um mil trezentos e um), do Condomínio Pilar, sito na Avenida Afonso Pena, nº 1.626, esquina com Rua Alagoas, com todas as suas benfeitorias, instalações e pertences e seu terreno, fração ideal de 0,008145 [...]''. (f. 12/13-TJ)

A promessa de compra e venda estabelece em sua cláusula primeira que o objeto do contrato é o apartamento e o respectivo direito à guarda de um carro no condomínio da garagem. (f. 15/20-TJ)

Pela análise das escrituras, o imóvel adquirido pelos apelantes é exatamente aquele inicialmente alienado pelo Banco Lar Brasileiro S.A. à Sr.ª Neusa Dalva Brasil e seu esposo Saul Brasil (f. 22/23-TJ e 24/25-TJ).

Não há notícia nestes autos de que a vaga de garagem correspondente ao apartamento 1.301 do Edifício Pilar tenha sido alienada ou apartada, por qualquer outro meio, razão pela qual é parte pertencente dele.

Dessa feita, pode-se verificar que da escritura originária consta expressamente o respectivo direito à guarda de um carro no condomínio da garagem (f. 22/23-TJ).

A dúvida surgiu pelo fato de que na escritura de doação fala-se no imóvel ``com todas suas benfeitorias, instalações e pertences'', e não expressamente na vaga de garagem.

Erro puramente material é passível de ser sanado pela via judicial, uma vez que o registro do imóvel é inexato, na medida em que não expressa exatamente sua descrição originária.

Apesar de na certidão acima inexistir expressa menção ao ``respectivo direito à guarda de um carro no condomínio da garagem'', é clara em dizer que o imóvel foi doado com ``todas as suas benfeitorias, instalações e pertences''.

Pertence significa ``aquilo que faz parte de alguma coisa, que lhe pertence'' (Dicionário Aurélio).

Ora, estando expresso na escritura original do imóvel que a ele corresponde o direito à guarda de um carro no condomínio, resta claro que a garagem está incluída nas demais escrituras sob a designação ``pertences''.

A Convenção do Condomínio relata apenas que ``a garagem situada no subsolo, parte integrante do Edifício e do prédio entrada pela Rua Alagoas, com área de 1,378,85 m² e a capacidade de acolher 50 (cinqüenta) carros, constitui-se pelas seguintes normas: I) as cinqüenta (50) vagas ou unidades de garagem, como direito real de propriedade, pertencerão a cinqüenta apartamentos do edifício; [...]; IV) o usuário da garagem, isto é, o senhor de vagas ou unidades desta, se identificará através da inscrição ou transcrição de seu direito de registro público imobiliário, ficando o seu titular obrigado a exibi-lo ao síndico, toda vez que necessário [...]''. (f. 130/138-TJ)

Em Assembléia Geral Extraordinária foram ratificadas as vagas de garagem existentes no Edifício Pilar e seus respectivos proprietários, dentre os quais consta expressamente o apelante, Saul Brasil Filho, proprietário do apartamento 1.301 (f. 43/45-TJ).

E mais, há nos autos declaração da síndica do condomínio de que os apelantes fazem uso da vaga de garagem em decorrência do seu direito de propriedade, além do demonstrativo de movimentação financeira do condomínio, onde se encontram discriminadas as taxas condominiais referentes aos apartamentos com direito à garagem, dentre os quais o apartamento 1.301, de propriedade dos apelantes. (f. 46 e 50-TJ)

Conclui-se que o pedido de retificação refere-se ao registro, e não à escritura, como entendeu o juízo primevo, sendo o pedido plenamente possível.

O oficial retificará o registro ou a averbação de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título (Lei 6.015/73, art. 213, I, ``a'').

Ressalte-se que a retificabilidade do registro é conveniente, desde que subordinada a rigorosos limites de controle judicial.

Entendo que, para se evitar mais confusões de interpretação como a que de fato ocorreu, o registro do imóvel deverá refletir exatamente a descrição contida na escritura original, de f. 22/23-TJ, na qual é expresso o direito à vaga de garagem, e não apenas a denominação ``pertences''.

Walter Ceneviva (In: Lei de Registros Públicos comentada, 12. ed.) ensina:

``A discordância entre a propriedade, como constante dos assentamentos do registro imobiliário, e a sua situação efetiva pode decorrer:

a) de uma descrição inexata do terreno, mesmo que seus limites se expressem corretamente: `os direitos reais recaem sobre a propriedade como ela é e não como descrita no registro'. Exemplo: terreno com uma edificação que, todavia, não consta do registro; [...].

O registro pode ser inexato, na medida em que não esteja de acordo com a descrição, razão por que a presunção de fato de sua correção é relevante na ordem processual, quanto ao ônus da prova'' (f. 396).

Conforme amplamente demonstrado nestes autos, ao apartamento 1.301, de propriedade dos apelantes, corresponde o direito à vaga de garagem, razão pela qual deve ser retificado o respectivo registro a fim de espelhar a real descrição do imóvel, conforme escritura de f. 22/23 e 24/25-TJ.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso para, afastando a extinção processual, enfrentar o mérito, julgar procedente o pedido e determinar a retificação do registro do imóvel para fazer constar o direito ao uso do espaço de um carro na garagem do condomínio do referido edifício, fazendo-o consoante o permissivo do § 3º do art. 515 do Código de Processo Civil e com base nos documentos de f. 22, 23 e 24, além de outros aos autos acostados.

Custas, ex lege.

Recomendo a publicação do acórdão, pois é interessante essa questão de como o Judiciário, às vezes, é acionado para falar sobre o óbvio, mas costumo dizer que o óbvio é difícil de decidir, nenhum tratado trata do óbvio, só daquelas questões inusitadas que quase nunca acontecem. Foi com base no Dicionário Aurélio que dei o significado da palavra ``pertence'' e, com base nessa interpretação, meramente gramatical, dei provimento ao recurso.

DES. FERNANDO BRÁULIO - Ouvi, com atenção, a sustentação oral feita pelo Dr. Bernardo Ananias Ferraz.

O condomínio, no caso, é composto de 50 apartamentos e 50 vagas de garagem. Não vislumbro nenhuma objeção para a averbação da vaga de garagem que deve se inserir no registro de imóveis, na retificação pretendida pelos apelantes.

De acordo com o voto do Relator.

DES. ELIAS CAMILO - Sr. Presidente.

Também estive atento à objetiva e clara sustentação oral do ilustre advogado.

Quanto à questão em julgamento, acompanho, na íntegra, o voto do eminente Relator.

Súmula - DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.


Fonte: Jornal "Minas Gerais" - 08/07/2008

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