Reserva Legal - TJMG confirma mais uma vez desnecessidade de prévia averbação


Número do processo: 1.0643.04.911903-2/001 (1)
Relator: AUDEBERT DELAGE
Relator do Acordão: AUDEBERT DELAGE
Data do acordão: 19/05/2005
Data da publicação: 28/06/2005

Inteiro Teor:


EMENTA: IMÓVEL RURAL - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO - AVERBAÇÃO DE RESERVA LEGAL - DESNECESSIDADE - EXEGESE DO ART. 16 DO CÓDIGO FLORESTAL (Lei 4.771/65). A averbação da reserva legal tem como pressuposto a exploração ou supressão de floresta ou outra forma de vegetação nativa, não sendo exigida para toda e qualquer propriedade rural.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0643.04.911903-2/001 - COMARCA DE SÃO ROQUE DE MINAS - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO FERREIRA MELO E OUTRO (A) (S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. AUDEBERT DELAGE

ACÓRDÃO


Vistos etc., acorda, em Turma, a QUARTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 19 de maio de 2005.

DES. AUDEBERT DELAGE - Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS


O SR. DES. AUDEBERT DELAGE:

VOTO

Trata-se de recurso apelatório interposto pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra a r. sentença de f. 44/45 que, em autos de ação de retificação de registro imobiliário ajuizada por Maria do Perpétuo Socorro Ferreira Melo e outros, julgou procedente o pedido inicial e determinou que seja retificada a área do registro de nº 5.383, do livro 2-AF, f. 126, do CARTÓRIO de Registro de Imóveis local, para que fique constando a área de 170-22-00 hectares com as divisas e confrontações levantadas no memorial de f. 06/07.

Nas razões recursais, f. 48/60, o apelante assevera que o pedido inicial não merece acolhimento, já que, sob sua ótica, dependeria da averbação de área de reserva florestal na matrícula do imóvel, conforme reza o art. 16, § 8º da lei 4.771/65, acentuando ainda que a localização e delimitação da respectiva reserva serão determinadas através de procedimento administrativo próprio, conduzido por órgão competente, a teor da norma insculpida no artigo 16, § 4º, da Lei Federal 4.771/65.

Como relatório adoto, ainda, o contido na r. decisão de primeiro grau, acrescentando que a douta Procuradoria de Justiça, com vista dos autos, manifestou-se, às fls. 80/83, pelo provimento do apelo.

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de sua admissibilidade.

A meu juízo a sentença de primeiro grau não merece censura.

Visa o apelante à aplicação do artigo 16 da Lei Federal 4.771/65 (Código Florestal) com a redação dada pela Medida provisória 2.166, a fim de se evitar que os apelados logrem êxito no procedimento de retificação de registro imobiliário, ante a ausência de averbação da reserva legal no registro do imóvel rural objeto da ação.

Todavia, o citado dispositivo legal, a meu juízo, deve ser interpretado com ressalvas, não sendo aplicado indiscriminadamente para toda e qualquer propriedade rural.

Com efeito dispõe o artigo 16 da Lei 4.771/65 (Código Florestal), em sua redação atual:

Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal no mínimo:
(...)

III - vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV - vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.

§ 1º O percentual de reserva legal na propriedade situada em área de floresta e cerrado será definido considerando separadamente os índices contidos nos incisos I e II deste artigo.

§ 2º A vegetação da reserva legal não pode ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sob regime de manejo florestal sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos estabelecidos no regulamento, ressalvadas as hipóteses previstas no § 3º deste artigo, sem prejuízo das demais legislações específicas.
(...)

§ 4º A localização da reserva legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente ou, mediante convênio, pelo órgão ambiental municipal ou outra instituição devidamente habilitada, devendo ser considerados, no processo de aprovação, a função social da propriedade, e os seguintes critérios e instrumentos, quando houver:

I - o plano de bacia hidrográfica;

II - o plano diretor municipal;

III - o zoneamento ecológico-econômico;

IV - outras categorias de zoneamento ambiental; e

V - a proximidade com outra reserva legal, Área de Preservação Permanente, unidade de conservação ou outra área legalmente protegida.
(...)

§ 8º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código.
(...)

O mencionado art. 16 disciplina a exploração de florestas de domínio privado. Portanto, a averbação invocada, ditada pelo § 8º, pressuporia o fato de alguma exploração ou supressão de floresta ou forma de vegetação nativa, conforme mandamento contido no caput do dispositivo legal, ou seja, a averbação da reserva legal será previamente obrigatória para as áreas que contém florestas ou outras formas de vegetação nativa, o que, obviamente, não abrange toda e qualquer propriedade rural.

Com efeito, não sendo caso de exploração ou supressão de floresta ou forma de vegetação nativa, não há a obrigatoriedade da precedente obrigação.

No caso dos autos, não restou demonstrado que a propriedade em questão seja destinada a tal atividade. Na escritura pública trazida à f. 08, é mencionado que a propriedade em questão é constituída de pastagens naturais, não havendo indícios de existência de área de floresta ou vegetação nativa que justifique a reserva legal de 20%.

Sobre o tema manifestou-se a corte superior deste Sodalício, quando do julgamento do mandado de segurança 279.477- 4, de que foi relator o eminente desembargador Antônio Hélio:

"Oportuno dizer que o mencionado art. 16 do Código Florestal, "caput", disciplina a exploração de florestas de domínio privado. Tal exploração sujeita-se às restrições impostas no restante do artigo. Contudo, é sabido que os inciso e parágrafos de determinado artigo de lei devem ser interpretados sempre tendo-se como limite o disposto no "caput". Portanto o bem jurídico tutelado no cão é a preservação de florestas. Ora, o argumento de que toda propriedade rural necessariamente tem área de floresta não constitui uma realidade. A norma jurídica deve ser genérica e abstrata, contudo é necessário que sua generalização e abstração encontre suporte no mundo real. Se uma norma jurídica trata de forma igual situações diferentes fere direito constitucional. Portanto, a reserva legal não deve atingir toda e qualquer propriedade rural, mas apenas aquelas que contém área de florestas, característica essencialmente técnica a ser apurada pelos órgãos competentes previstos em leis".

Ante tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas ex lege.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): MOREIRA DINIZ e ALMEIDA MELO.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.


Fonte:   Site do TJMG - www.tjmg.gov.br